(Bruno Zanardo/Divulgação)
Urucará é um município amazonense com 16.130 habitantes às margens do Rio Uatumã. Uma viagem para a capital do estado exige duas etapas: 1 hora de lancha até Itapiranga e, de lá, mais 5 horas de estrada até Manaus.
O extrativismo e a agricultura estão na base da economia, que tem no cultivo e na venda do guaraná sua principal atividade, realizada por 124 produtores rurais que faturam, juntos, 2,5 milhões de reais a cada safra.
Uma dessas produtoras é Rosiene Tavares, de 46 anos, dona de uma propriedade de 8 hectares onde estão plantados 4.000 pés de guaraná. Os frutos que ela colhe fazem apenas uma escala em Manaus e seguem direto para a França e para a Alemanha. A maior parte da produção é comprada pela Coca-Cola, numa relação comercial que começou em 2018 e mudou a vida da agricultora.
Até 2018, Rosiene e o marido colhiam os frutos e os transportavam em duas sacolas penduradas ao guidão da bicicleta até a cooperativa local, que beneficia o guaraná antes da comercialização. Mas, graças à parceria com a Coca-Cola, ela comprou uma moto e um triciclo, com os quais consegue, de lá para cá, otimizar a produção, a colheita e o transporte até a cooperativa e, assim, atender à demanda da empresa. “Antes, a gente trabalhava sem nenhum recurso. Hoje, melhoramos as condições, compramos máquina para debulhar, forno mecanizado, aumentamos a produtividade e contratamos três famílias para ajudar na colheita”, diz Tavares.
Ela e o marido compõem uma das 365 famílias da região participantes do Programa Olhos da Floresta, mantido pela empresa, numa cadeia de produção que chega a 3.172 pessoas, em 113 comunidades de 14 municípios do Amazonas. “Garantimos a compra e procuramos oferecer um preço acima do que seria pago a um grande produtor, para que seja um negócio atraente ao pequeno”, diz Andrea Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil.
Em contrapartida, a companhia requer que os fornecedores adotem em suas propriedades os sistemas agroflorestais (SAFs), um modelo alternativo de produção que combina culturas agrícolas e espécies nativas em um mesmo espaço, recuperando áreas degradadas. “Investir em sustentabilidade deixou de ser uma questão de reputação e virou uma estratégia central do negócio”, diz Andrea Mota.
O empenho da indústria em investir em uma cadeia mais sustentável faz todo o sentido para os negócios — e contribui para que a imagem que as empresas desejam transmitir chegue de forma genuína aos consumidores.
A compra do pequeno produtor movimenta a economia de milhões de famílias do campo. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, 77% dos 5 milhões de estabelecimentos agrícolas do país são de agricultores familiares, com 10 milhões de pessoas ocupadas. Entre as iniciativas está a da multinacional do setor de alimentos e bebidas Cargill, que, em parceria com a ONG Imaflora, banca o projeto Floresta Produtiva para incentivar os produtores de cacau do Pará a aumentar sua produtividade.
No município de São Félix do Xingu, o projeto ajuda 150 famílias produtoras a recuperar 300 hectares de áreas antes degradadas. “Por ser nativo da Amazônia, o cacau tem o uso permitido para restaurar áreas desmatadas pela pecuária, já que evita a erosão, protege o solo e a biodiversidade”, afirma Eduardo Trevisan Gonçalves, gerente de projetos do Imaflora. “Numa área pequena, o cacau chega a ter rentabilidade de cinco a sete vezes maior do que a pecuária extensiva. E tem uma liquidez muito grande, é facílimo de vender.”
Na cadeia da soja, a Cargill também fomenta uma ação ligada ao Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), do governo federal, que prevê isenção de impostos desde que a empresa aporte recursos em agricultura familiar.
Gerida pelo Instituto BioSistêmico (IBS), a operação atende desde 2011 mais de 2.500 produtores familiares da matéria-prima do biocombustível, em seis estados. Para garantir os benefícios tributários, a Cargill deve provar ao governo que seus fornecedores portam a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), uma espécie de RG do pequeno agricultor.
“A Cargill paga um bônus ao produtor familiar de 1,50 a 2,50 reais por saca, a depender do estado”, diz Priscila Callegari, diretora de agricultura do IBS, que capacita e assiste, gratuitamente, os parceiros da Cargill, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável das lavouras. Um dos parceiros é Aparecido Simão Lopes, de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, que vende a produção de soja para a Cargill desde a safra 2012/2013. “Quando comecei a parceria, não tinha nada. Graças a ela, adquiri trator, pulverizador, plantadeira, colheitadeira”, diz o agricultor. “E a Cargill nos passa muita informação nova, mesmo para alguém como eu, que tem prática com lavoura e foi criado na roça.”
Se antes o caminho que os produtos fazem desde o campo até os lares já importava para a decisão de compra, com a pandemia os consumidores passaram a valorizar ainda mais as marcas responsáveis, sustentáveis e preocupadas com a saúde das pessoas. Uma pesquisa da consultoria Nielsen com 21.000 entrevistados mostra que 42% deles estão mudando os hábitos de consumo para reduzir o impacto no meio ambiente e 30% estão atentos aos ingredientes que compõem os produtos.
Que o digam as consumidoras da Simple Organic, empresa líder na fabricação de cosméticos orgânicos, sustentáveis e naturais, que no ano passado foi adquirida pela maior empresa do setor farmacêutico do país: a Hypera Pharma. Fundada em 2017, a Simple Organic faturou perto de 12 milhões de reais em 2020, quase o dobro do ano anterior. “Nosso conceito de sustentabilidade começa com o pequeno produtor de óleos essenciais e segue até o consumidor”, diz Patrícia Lima, fundadora e CEO da Simple Organic, que segue à frente da empresa.
A marca oferece desconto de 10% em um novo produto àqueles que levam a embalagem usada a uma de suas lojas para reciclagem. “O conceito de beleza sustentável, natural, era tido com um nicho de mercado. Após a pandemia, o mercado se consolidou e deixou de ser nicho, porque as pessoas passaram a ver o impacto de seu consumo”, acrescenta a CEO.
Em consórcio com a Beraca, líder global em ingredientes naturais e orgânicos provenientes da biodiversidade brasileira, a Simple Organic também mantém um projeto de capacitação e sustentabilidade na Ilha de Marajó, no Pará, onde 36 produtores da comunidade de Anajás fornecem óleos essenciais de açaí, andiroba, murumuru e pracaxi. Além de pagar de 20% a 30% a mais para essas culturas orgânicas, a marca custeou a compra de computadores para os parceiros e também a instalação de sistema de esgoto sustentável para os 250 moradores.
Ao fazer a ponte com a Simple Organic, a Beraca procura mostrar ao pequeno produtor que na entressafra de um item ele pode faturar com o resíduo pós-colheita, sem ter de derrubar árvores para vender madeira, evitando uma prática ainda muito presente na região. “Nossa proposta de valor é mostrar ao pequeno produtor uma alternativa imediata de geração de renda ao fim da colheita”, diz Daniel Sabará, presidente da Beraca. “Afinal, a floresta tem um grande potencial: ela vale mais em pé do que deitada.”