Revista Exame

Dá para levar o dogecoin a sério?

A moeda digital que nasceu meme virou exemplo de um momento de excessos. Mas quem liga para isso se o cachorro símbolo é bonitinho?

O cão shiba inu do dogecoin: moeda valorizou 6.000% neste ano em disputa acirrada de adoradores fiéis  (Yuriko Nakao/Getty Images)

O cão shiba inu do dogecoin: moeda valorizou 6.000% neste ano em disputa acirrada de adoradores fiéis (Yuriko Nakao/Getty Images)

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Bloomberg

Publicado em 13 de maio de 2021 às 05h55.

Última atualização em 17 de maio de 2021 às 19h13.

Aí vai uma lista de coisas cujo valor de mercado está na casa dos 40 bilhões de dólares: o gigante dos seguros Prudential Financial, a fabricante Carrier Global e, alguns poucos bilhões atrás, a Southwest Airlines. Ou, por um preço recente de aproximadamente 30 centavos de dólar cada, todo o suprimento de dogecoin, a criptomoeda lançada inicialmente como piada em 2013 (o nome vem da combinação dos termos em inglês coin, “moeda”, com uma corruptela de dog, “cachorro”, que, escrito errado na internet, virou doge). Depois de sofrer valorização de mais de 6.000% neste ano em uma disputa acirrada, a criptomoeda continua a ser em grande parte uma gozação — mas com o potencial de ter um fim muito mais sombrio quando terminar de ser contada. 

Não há motivo algum válido para ela ser valiosa. “O dogecoin não tem nenhum uso comercial ou de investimento aparente fora o de ser um conduíte de uma mania especulativa e da tentativa de ganhar dinheiro”, diz Jeffrey Halley, analista sênior de mercado na Oanda Asia Pacific, plataforma de negociação de moedas tradicionais. “Desconfio que grande parte do apelo do dogecoin esteja no fato de que ele é muito, muito barato para comprar e vender, ao contrário dos 60.000 dólares do bitcoin, o que faz dele algo muito mais acessível a um trader do varejo que goste de fortes emoções.” 

Na realidade, o preço nominal baixo pouco importa — se você põe 1.000 dólares em uma fração de bitcoin ou compra 3.333 dogecoins, está arriscando o mesmo volume. Porém, como no caso da moeda tradicional, o preço menor por moeda provavelmente tem um efeito psicológico.

Em especial quando tanta gente parece estar interessada no doge tanto pelos memes quanto pelo dinheiro. “Investidores compram dogecoin para tirar sarro da própria incapacidade de investir de modo sensato, o que continua a acontecer enquanto o preço individual do dogecoin continua a sofrer apreciação”, diz Curtis Ting, diretor administrativo para a Europa da cripto bolsa Kraken.

O que exatamente é um dogecoin? Como o bitcoin, é um token digital que só vale quanto outros usuários estão dispostos a pagar ou negociar por ele. Não é lastreado por nenhum outro ativo ou empresa, e jamais vai gerar lucro. Por outro lado, ele não tem a principal característica do bitcoin que fascina os criptofiéis: um suprimento limitado. Não existe um teto fixo para o número de moedas que se pode gerar usando o código de computador que governa o dogecoin.

O que ele tem é um logo bonito, inspirado nos memes com “doge” — um cão da raça shiba inu com uma cara meio de intelectual e meio de pateta. Até mesmo seus criadores descrevem a criptomoeda como uma palhaçada. “O dogecoin e sua comunidade se orgulham de ser amigáveis, divertidos e de espalhar alegria”, diz o cocriador Billy Markus. “Essa cripto também não foi criada com nenhuma pretensão, como provado pelo fato de que nem eu nem meu cofundador tivemos muitos benefícios financeiros com sua criação, ao contrário de várias moedas e tokens que as pessoas estão criando.”

O dogecoin também tem lá sua história — é relativamente antiga para uma criptomoeda. Tokens com um histórico longo podem se beneficiar de um conhecimento mais amplo e de um grupo em gradual­ expansão de possuidores dispostos a falar bem deles. À medida que o interesse nas criptomoedas e no trading de modo geral disparou neste ano, o dogecoin estava lá no aguardo para ser descoberto pelos investidores do varejo. Sam Bankman-Fried, fundador e presidente do mercado de negociação de derivativos de criptomoedas FTX, diz que, depois de o app de corretagem Robinhood restringir o trading de ações da GameStop no auge de um frenesi de negociações de ações criado por um meme, “centenas de milhões de dólares se moveram discretamente” para o dogecoin.

A moeda teve um impulso grande em 20 de abril, também conhecido como 4/20, dia tradicionalmente associado à maconha (nota: nos Estados Unidos, o mês costuma vir antes do dia; 4/20 é uma referência ao horário popularizado por usuários de cannabis para o consumo da droga desde a década de 1970). Usuários de dogecoin decidiram comemorar o #DogeDay e empurrar o preço para até 42 centavos de dólar, ou 69 centavos — outra, hum, piada —, ou até mesmo 1 dólar. Eles conseguiram, de certo modo, com o preço em alta recorde de 41,9 centavos de dólar naquele dia, segundo o site CoinGecko.com. Hoje, a criptomoeda está em baixa de 28% em relação àquele pico.

O dogecoin também vem atraindo fãs entre as celebridades bilionárias, sendo a mais notável Elon Musk, cofundador da Tesla, além do proprietário do time de basquete Dallas Mavericks, Mark Cuban. Este é um dos usos do dogecoin, aliás: é possível comprar produtos dos Mavericks com ele. Musk tuitou uma imagem dele mesmo segurando o shiba inu à moda Rei Leão, além da capa fictícia da revista imaginária Dogue. (Mas essa pode ter sido só uma piada de cachorro.) 

“Quando seu diretor de mar­keting é Elon Musk, tudo é possível”, diz John Wu, presidente da Ava Labs, que ajuda a desenvolver apps de ativos digitais. Usuários do Reddit e do Twitter têm ajudado a impulsionar o meme com imagens dizendo que “papai Elon vai proteger a dogecoin”, ou que mostram o shiba inu ficando cada vez mais musculoso.

A interpretação caridosa do fenômeno é que tudo não passa de uma piada. O momento doge ecoa a explosão dos tokens não fungíveis (NFTs, na sigla em inglês), usados para comprovar a posse de mídias digitais. O dogecoin pode lembrar um projeto de arte coletivo que qualquer um consegue comprar por coisa de 30 centavos, em vez dos milhões de dólares que alguns têm gastado em NFTs.

Elon Musk: o fundador da Tesla é um dos maiores apoiadores do dogecoin (Bloomberg/Getty Images)

“No sentido tradicional, o ­dogecoin não vale nada”, disse recentemente à Bloomberg News o cofundador da cripto financiadora Nexo, ­Antoni ­Trenchev. “Mas, como todo mundo sabe, o valor está nos olhos de quem vê. E há uma tribo de investidores, muitos deles millennials, que veem isso como uma causa, um movimento.”

Mesmo assim, o barulho em cima do dogecoin mais parece uma forçação de barra: um esforço de alguns usuários que manjam de internet para bombar o preço focando a atenção em um ativo barato e convencendo uns aos outros a comprar. O truque para lucrar com a zoeira é pular fora antes de o meme morrer, deixando para trás os amadores que levaram as coisas a sério demais ou que demoraram muito para vender. A posse do dogecoin parece concentrada em relativamente poucas mãos anônimas, de modo que talvez não seja preciso muita coisa para movimentar o preço.

O dogecoin também é parte de um fenômeno mais amplo de dinheiro, acumulando em investimentos cada vez mais especulativos. O diretor global de estratégia quantitativa do banco de investimento Société Générale, Andrew Lapthorne, já citou o dogecoin como exemplo de “um número cada vez maior de sinais estranhos e maravilhosos de excessos do mercado”. Por esse ponto de vista, o sucesso da moeda pode ser preocupante até mesmo para os investidores que têm mantido distância das cripto.

Mesmo assim, apesar do falatório cada vez maior sobre bolhas, os mercados continuam a provar que seus inimigos estão errados. O S&P 500 continua próximo de uma alta recorde. O bitcoin, depois de chegar a um pico superior a 60.000 dólares recentemente, está hoje em torno de 55.000, ganho de 90% até agora em 2021.

O esquisito é que o dogecoin pode ser uma piada e uma forçação de barra, com pelo menos parte dos compradores achando que está por dentro da brincadeira. As barreiras de entrada na cripto são muito baixas; o dogecoin está disponível a um toque de botão em alguns apps populares de corretagem que cobram zero de comissão. Você pode perder até as calças, mas não há motivo para apostar tanto assim.

No programa de Ellen DeGeneres do dia 27 de abril, Cuban explicou seu raciocínio sobre o dogecoin. Ele disse que iniciou seu filho de 11 anos nesse mercado com um investimento de 30 dólares. “Não é necessariamente o melhor investimento que você pode fazer”, disse Cuban. “Mas dá para comprar dogecoins no Robinhood, e se cadastrar para negociar no Robinhood é de graça. Então, tem isso.” Em seguida, Cuban disse que é melhor apostar no dogecoin do que num bilhete de loteria.

Nós já dissemos que o cachorro é bonito?  

Tradução de Fabrício Calado Moreira

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