Desmatamento da Amazônia: o futuro da floresta depende do que fizermos agora. (Nacho Doce/Reuters)
Aline Scherer
Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 05h26.
Última atualização em 6 de dezembro de 2018 às 05h26.
Mais conhecido por sua montadora de carros elétricos Tesla, avaliada em 62 bilhões de dólares, o empresário Elon Musk promoveu só neste ano 18 lançamentos de foguetes ao espaço com outro empreendimento, a SpaceX. A empresa especializada em sistemas aeroespaciais recebeu 2,2 bilhões de dólares em investimentos desde sua fundação, em 2002, e tem a missão de “permitir que as pessoas vivam em outros planetas”. Musk acredita que, cedo ou tarde, a Terra poderá se tornar um local inabitável, seja pelo aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos, como secas e furacões, seja pela supremacia da inteligência artificial sobre a humana.
Independentemente das crenças e dos interesses comerciais de Musk, surgem novas evidências para ele usar no esforço de angariar apoio para a aventura espacial. De acordo com o relatório Aquecimento Global de 1,5° C, divulgado pela Organização das Nações Unidas em outubro, a temperatura média na Terra, induzida pela ação do homem, já subiu cerca de 1° C (com margem de erro de 0,2 para mais ou para menos) em relação ao período chamado de pré-industrial, de 1850 a 1900. Em escala global, entre 2005 e 2016, o número de noites e dias frios diminuiu, enquanto o número de dias e noites quentes aumentou.
O conteúdo do relatório é chave para as discussões entre representantes dos 195 países que participam da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-24, em Katowice, na Polônia. No evento, que começou no dia 2 e vai até 14 de dezembro, cientistas discutem as soluções adotadas nos últimos três anos para diminuir as emissões de gases do efeito estufa. Pelo menos para as próximas décadas, os especialistas não cogitam medidas drásticas, como a migração interplanetária. Mas sugerem tecnologias que igualmente parecem ter saído de filmes de ficção.
No mais extremo dos três cenários traçados para o futuro, as emissões globais de carbono se manteriam no ritmo atual, fazendo com que a temperatura média no planeta subisse em torno de 4º C até 2100. Nessa hipótese, para corrigir os estragos causados por eventos climáticos extremos, que se acentuariam, seria necessário recorrer a técnicas de geoengenharia, a ciência da manipulação do clima. Uma delas propõe escurecer a atmosfera da Terra, pulverizando partículas de material capaz de reduzir a incidência dos raios solares e refletindo-os de volta ao espaço.
Ainda não se sabem as consequências que essa técnica teria na fotossíntese das plantas e na biodiversidade. “Não temos dois planetas Terra para testar se essas tecnologias funcionam ou não”, disse o biólogo Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, durante o EXAME Fórum Sustentabilidade, realizado no dia 22 de novembro na capital paulista. “Temos de sair da inércia e agir agora para não precisar recorrer a soluções com possíveis efeitos colaterais catastróficos.”
Buckeridge é um dos 91 autores voluntários do relatório de quase 1.000 páginas sobre o aquecimento global de 1,5° C — um cenário mais seguro em termos de impactos climáticos. A elaboração do estudo levou 18 meses e foi conduzida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão da ONU responsável por produzir avaliações científicas regulares sobre as mudanças climáticas. Além do cenário mais alarmante caso as emissões continuem crescendo no ritmo atual, o estudo traçou outros dois cenários, nos quais se considerou a hipótese de redução do volume de carbono lançado na atmosfera.
No cenário otimista, o mundo teria êxito em limitar o aquecimento global a 1,5° C em relação ao período pré-industrial. Para atingir essa meta, seria preciso investir cerca de 100 trilhões de dólares em novas tecnologias e iniciativas para transformar indústrias e países — por exemplo, arborizar amplamente as cidades populosas e substituir totalmente o uso de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, por combustíveis de fontes renováveis, como o sol, o vento e a cana-de-açúcar.
Nesse cenário otimista — considerado utópico por muitos cientistas —, novos hábitos de consumo sustentável seriam adotados por toda a população, como a reciclagem do lixo e o “flexitarianismo” (restrição do consumo de carne a poucas ocasiões). Tudo isso seria bom para o meio ambiente, mas poderia causar uma recessão global por um período de até 30 anos, em consequência da necessidade de adaptação dos modelos de produção, do uso da terra e da geração de energia elétrica. A desigualdade social diminuiria, enquanto a frequência e a intensidade de furacões, a desertificação e outros fenômenos climáticos permaneceriam estáveis.
No cenário considerado mais realista, a Terra aqueceria quase 2° C em relação ao período pré-industrial. Os eventos climáticos extremos se tornariam mais frequentes, afetando sobretudo os mais pobres — aumentando a desigualdade. Para reduzir os impactos seriam necessários investimentos de magnitude inestimável, mas certamente muito superiores a 100 trilhões de dólares, além da adoção de novas tecnologias, como as “emissões negativas” de carbono — a exemplo da captura de gases na atmosfera e seu armazenamento em rochas ou embaixo da terra.
Meio grau ou 1º C de elevação na temperatura parece pouco. Mas é como febre no corpo humano: revela um desequilíbrio entre a produção e a perda de calor dos órgãos, ou seja, é uma reação do organismo contra uma anomalia. Esse fenômeno vem sendo estudado por pesquisadores em todo o mundo. Um levantamento da Universidade de Queensland, na Austrália, avaliou o sumário de 11 944 artigos científicos, revisados por outros cientistas, sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, publicados de 1991 a 2011. Conclusão: 97% dos artigos concordavam que o aquecimento global está ocorrendo de fato e que os seres humanos são os principais responsáveis. Apenas 1% discordava da ocorrência do aquecimento planetário, enquanto os outros 2% dos estudos eram inconclusivos.
Apesar de todas as evidências do aquecimento global, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou em junho do ano passado que seu país deixará o Acordo de Paris, firmado na capital francesa em 2015, durante a conferência COP-21. Considerado o maior sucesso diplomático da história, o acordo prevê um conjunto de ações que os 195 países signatários se comprometeram a adotar até 2030 para evitar que a temperatura na Terra se eleve mais 1° C — ou o total de 2° C, se comparado à temperatura média antes da industrialização.
O governo Trump comunicou sua decisão à ONU, mas o país continua a fazer parte do acordo, cujas regras estipulam que a saída só se efetivará em novembro de 2020. Mesmo assim, Trump já anunciou um corte de 285 milhões de dólares que seriam destinados à ONU em 2018 e 2019 (os Estados Unidos são o maior patrocinador do órgão). Como se isso não fosse o suficiente, Trump pode fazer escola. Em setembro, o então candidato presidencial Jair Bolsonaro declarou sua intenção de tirar o Brasil do Acordo de Paris. Ele voltou atrás no mês seguinte, mas, na última quarta-feira de novembro, já eleito presidente, Bolsonaro, alegando restrições orçamentárias, manifestou-se contra a proposta, feita pelo governo Michel Temer um ano antes, de o Brasil sediar a COP-25 em 2019.
Para o biólogo Buckeridge, sair do Acordo de Paris seria uma medida desastrosa para o Brasil. “É financeiramente desvantajoso sair do acordo, pois o país poderá sofrer sanções, mas sobretudo porque existem enormes oportunidades econômicas relacionadas às mudanças climáticas”, disse (veja entrevista abaixo).
A despeito do desinteresse de alguns governantes e da falta de urgência em adotar a agenda de mudanças, parcela da iniciativa privada e da sociedade civil têm feito sua parte e dado continuidade às ações. Nos Estados Unidos, líderes locais e empresariais têm assumido o protagonismo no tema. A iniciativa Climate Mayors, por exemplo, reúne prefeitos de mais de 80 cidades americanas e promete adotar integralmente fontes renováveis de energia. Em paralelo, a coalizão We Are Still In (“Ainda estamos dentro”, numa tradução literal), comandada pelo bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, reúne mais de 3.500 líderes políticos e empresariais e defende o Acordo de Paris. Juntos, os membros da coalizão representam quase 200 milhões de americanos e um PIB de 9,5 trilhões de dólares.
Um levantamento da ONG Global Justice Now mostra que 157 das 200 principais entidades econômicas em valor de receita, em 2017, são corporações, e não países. “Muitas dessas empresas assumiram compromissos públicos em relação às mudanças climáticas e a outras questões sociais. Grupos de clientes e investidores olham cada vez mais para isso”, afirma Denise Hills, superintendente de sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú Unibanco e presidente da Rede Brasil do Pacto Global da ONU — iniciativa que conta com 770 signatários brasileiros, entre empresas, federações de indústrias e organizações da sociedade civil.
A capacidade de mobilização das empresas é enorme, como mostram algumas iniciativas. “Em 2017, estabelecemos para os três anos seguintes a meta de diminuir as emissões de nossos clientes em 100 milhões de toneladas de carbono, o que corresponde a tudo o que a indústria brasileira emite em um ano”, diz Regina Magalhães, diretora de sustentabilidade e inovação da fabricante de equipamentos elétricos Schneider Electric. “O mundo está cheio de problemas sociais e ambientais. Encontrar uma forma de resolvê-los é uma grande oportunidade de negócio.” Felizmente, ao que tudo indica, as oportunidades trazidas pelo aquecimento global não se resumem a transportar humanos para outros planetas.
No EXAME Fórum Sustentabilidade, painelistas discutiram o papel das empresas na busca de soluções para problemas globais | Fotos: Germano Lüders
O Brasil pode ter destaque no esforço para conter os efeitos das mudanças climáticas, afirma Marcos Buckeridge, um dos autores de relatório da ONU | Foto: Germano Lüders
O mais recente relatório da ONU sobre mudanças climáticas, publicado em outubro, foi redigido por 91 especialistas do mundo inteiro, entre eles dois brasileiros: os biólogos Marcos Buckeridge e Patrícia Pinho. Presidente da Academia de Ciência do Estado de São Paulo e diretor do Instituto de Biociências da USP, Buckeridge fala sobre os efeitos das mudanças climáticas — e as oportunidades criadas — para o Brasil.
Quais as consequências do aquecimento global para o Brasil?
Os meteorologistas estão bastante seguros em dizer que o Catarina [primeiro furacão que atingiu o Brasil, no sul do país, em 2004] foi uma das consequências. Estamos fazendo experimentos com culturas como soja, cana-de-açúcar, feijão, açaí e goiaba, em que colocamos as plantas para crescer sob alta concentração de CO2 e elevada temperatura. O efeito observado é a redução da qualidade nutricional, algo que pode prejudicar as exportações brasileiras. Para evitar isso, podemos trabalhar com a edição de genoma, mudando os genes das plantas para que se tornem mais resistentes.
O que mais está sendo estudado?
Agrometeorologistas estão fazendo modelagens para ver, por exemplo, se o clima continuar mudando, para qual região os produtores de café de Minas Gerais e Espírito Santo terão de migrar. O mesmo está sendo feito com culturas como cana e soja.
Quais oportunidades as mudanças climáticas trazem para o Brasil?
A modernização da indústria é crucial, desenvolvendo tecnologias que diminuam as emissões de carbono e façam com que a sustentabilidade dê lucro. Somos campeões em -bioener-gia. Precisamos ampliar o uso do etanol e adequá-lo à eletrificação. Sozinho, o etanol brasileiro tem o potencial de substituir até 15% da gasolina mundial e mitigar até 6% das emissões globais de carbono. Somos também um dos principais países a dominar um sistema de administração de florestas, que deveria ter o uso ampliado. Temos de reduzir o desperdício de alimentos e de água — nas lavouras, no transporte, em casa. Até 2040, o mundo precisará dobrar o volume de alimentos, e o Brasil já é um dos maiores produtores. Temos uma enorme oportunidade de avançar.