Complexo JK, em São Paulo: um dos imóveis no alvo de BTG e Brookfield (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 12 de agosto de 2015 às 15h19.
São Paulo — Criados há pouco mais de cinco anos, os fundos imobiliários surgiram no país como uma alternativa de investimento duplamente vantajosa. Primeiro, eram isentos de imposto de renda, o que sempre convém. Segundo, e mais importante, eram uma forma de ganhar dinheiro em tempos de bolsa deprimida e juros então em queda.
Esses fundos compram imóveis para depois alugá-los: o cotista ganha com os aluguéis e a valorização do imóvel. Logo aquilo virou moda — quase 100 000 investidores individuais aplicaram 45 bilhões de reais em fundos imobiliários. Em meio ao oba-oba, logo surgiram fundos ruins e muita gente perdeu dinheiro.
Mas, passada a fase de depuração, fundos imobiliários são hoje coisa de gente grande — e seus cotistas podem influenciar alguns dos principais negócios imobiliários do país. É o caso do maior do ano — o fechamento de capital da administradora de imóveis BR Properties, a maior do país.
Em fevereiro, o banco de investimento BTG Pactual, a gestora canadense Brookfield e o fundo imobiliário BC Fund anunciaram sua intenção de comprar pelo menos 85% das ações da BR Properties. O BTG já era o maior acionista da empresa, com 36% de participação. Hoje, a BR Properties vale 3,3 bilhões de reais, o equivalente a 54% de seu patrimônio, de 6 bilhões de reais.
A ideia dos compradores é, ao fechar o capital da BR Properties, dividir os imóveis em três fatias, indo cada parte para um dos novos donos. Com quase 18 000 cotistas e um patrimônio de 3,4 bilhões de reais, o BC Fund é o maior fundo imobiliário do país — e se tornaria dono de metade dos prédios da BR Properties. Parece o tipo de negócio para o qual um fundo desse tipo foi criado. Mas seus cotistas não estão gostando da ideia. E ameaçam melar o negócio.
O rolo atual é consequência de uma peculiaridade: o BTG, além de acionista da BR Properties e um dos responsáveis pela oferta de fechamento de capital, é o administrador do BC Fund. Para organizar os interesses de tantos cotistas, o administrador desses fundos tem mandato para fazer os negócios que bem entender. Em princípio, portanto, os cotistas não poderiam apitar.
Mas os investidores do BC Fund alegam conflito de interesses na atuação do BTG — e teriam, assim, de ser ouvidos. Alguns de seus representantes fizeram as contas e concluíram que a compra dos imóveis da BR Properties seria um bom negócio para muita gente, menos para o BC Fund. De acordo com essas contas, BTG e Brookfield separaram o joio do trigo e encheram o BC Fund de joio.
O passivo dos imóveis que ficam com o fundo soma 3,4 bilhões de reais, enquanto os outros compradores ficam com passivo de 1,7 bilhão. Como o fundo vai absorver a maior parte da dívida da BR Properties, sua alavancagem salta de 30% para 50% do patrimônio. Para fechar a transação, a BR Properties pagaria a seus acionistas 900 milhões de reais em dividendos — mas não tem esse dinheiro todo em caixa, o que significa que terá de aumentar sua dívida.
Um grupo de 21 cotistas enviou uma carta ao gestor do fundo, Adriano Mantesso, diretor da área imobiliária do BTG, em março, rejeitando a transação. Na carta, detalham que o percentual de espaços vazios dos escritórios que ficarão com BTG e Brookfield é de 4%, enquanto no portfólio de escritórios do fundo é de 10,5%. Se o BTG acha o negócio tão igualitário, dizem, que tal inverter as carteiras finais?
O BTG começou, então, uma negociação nos bastidores para convencer os cotistas de que o banco está fazendo um bom negócio para eles. André Esteves, presidente do BTG, reuniu-se em março com cerca de 50 cotistas para acalmá-los e explicar os benefícios da operação. Esteves defendeu que é hora de comprar bons ativos a baixo custo.
Aos cotistas idosos, que compraram o fundo para ter a renda fixa dos aluguéis, Esteves disse que em cerca de cinco anos o fundo deve começar a se beneficiar da transação. “Meu filho, não tenho esse tempo todo”, disse uma senhora na casa dos 70 anos. No dia seguinte à reunião, as cotas caíram 4,4%, a maior queda diária do fundo.
Alguns cotistas resolveram pedir a intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O investidor Ricardo Orihuela pediu à reguladora do mercado de capitais que obrigue o BTG a convocar uma assembleia de cotistas para votar a operação, alegando o suposto conflito de interesses do gestor. No fim de abril, a CVM acatou o pedido e, no início de maio, o BTG recorreu.
Segundo um representante da CVM, a votação sobre o recurso só acontecerá no início de junho — quando o BTG já pretendia publicar o edital de aquisição das ações da BR Properties. “O administrador do fundo está brigando para não ouvir os cotistas, é um contrassenso”, diz Orihuela. Procurados, BTG, Brookfield e BR Properties não comentaram.
Se a CVM mantiver a decisão de ouvir os cotistas, BTG e Brookfield terão de decidir se mantêm a oferta e, nesse caso, estabelecer um novo cronograma. Precisarão, em seguida, convencer pelo menos 900 dos maiores cotistas do BC Fund a votar a favor do negócio na assembleia. Será, de qualquer forma, um marco na história do mercado brasileiro — caso digam sim ou caso digam não ao maior negócio imobiliário do ano.