Urnas eletrônicas em depósito do TSE: largada para a corrida eleitoral começa em abril com políticos que deixam cargos para disputar o pleito de outubro (Heuler Andrey/AFP/Getty Images)
Alessandra Azevedo
Publicado em 23 de março de 2022 às 15h00.
Tradicionalmente no Brasil, ano eleitoral é de fortes emoções para os investidores, sobretudo quando está em jogo o Palácio do Planalto. O mercado, no entanto, anda tranquilo quanto às eleições de outubro, sem movimentações bruscas diante do assunto. Explicada por fatores externos que exigem mais atenção no momento, com destaque para a guerra na Ucrânia, que gera impactos no Brasil, a calmaria não deve durar muito tempo. A disputa começará a tomar forma e a atrair os holofotes nas próximas semanas.
Faltando seis meses para o primeiro turno das eleições, dia 2 de abril é o prazo limite para que os políticos que quiserem se candidatar a outros cargos deixem os que ocupam atualmente. A partir de então, portanto, fica mais fácil saber o que esperar de cada um e para onde voltar as atenções. Para o mercado, discursos e ações de candidatos reais e com competitividade valem mais do que especulações sobre nomes e configurações de uma terceira via que não decola. “É natural que pautas com impacto econômico mais claro e direto no curto prazo, como a guerra, hoje direcionem mais as expectativas do mercado do que conversas sobre candidatos sem projeção”, explica o gerente de análise política e econômica da consultoria Prospectiva, Adriano Laureno. Mas as eleições não estão fora do radar, e a volatilidade relacionada ao assunto deve aumentar quanto mais perto estiver o pleito. “Sempre há espaço para calibragem ao longo da campanha”, ressalta o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências.
Nos próximos meses, assuntos sensíveis vão aparecer nas propagandas eleitorais, que começam oficialmente em 16 de agosto. Temas como revisão do teto de gastos, mudanças na política de preços da Petrobras e revisão da legislação trabalhista devem vir à tona. “Embora o grande risco eleitoral já esteja acomodado, ainda deve haver reprecificações”, diz Cortez. Ele prevê turbulências no caminho, que podem ser respondidas com reavaliação da percepção de riscos. “Dá para esperar alguma desvalorização da moeda”, prevê.
A expectativa, hoje, é que 11 candidatos se coloquem como alternativa para a Presidência da República, número que vem diminuindo conforme o prazo de registro das candidaturas se aproxima. Os partidos terão entre 20 de julho e 5 de agosto para fazer convenções e bater o martelo sobre os candidatos, que, uma vez escolhidos, devem ser registrados na Justiça Eleitoral até 15 de agosto. Não deve haver grandes surpresas nos nomes apresentados. As pesquisas seguem apontando apenas dois viáveis: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Com um à esquerda e o outro à direita, a disputa deve ser bastante polarizada, talvez até mais do que as eleições de 2018. O mercado já precificou que haverá um duelo, especialmente diante de uma terceira via que não reage. Os candidatos que seriam a alternativa de centro, individualmente, não conseguem mais do que 8% ou 10% das intenções de voto — porcentagens de Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (Podemos), respectivamente. Enquanto isso, Lula lidera com 42% e Bolsonaro fica em segundo lugar, com 27% do eleitorado. Os números são da pesquisa EXAME/IDEIA mais recente, publicada em 24 de fevereiro.
Em consonância com as sondagens, o mercado trabalha com a maior probabilidade de eleição de Lula. Se no ano passado investidores ficaram preocupados com isso, agora muitos já veem o cenário com outros olhos. “O mercado está mais conformado com essa possibilidade”, avalia o economista Mauro Rochlin, professor na Fundação Getulio Vargas (FGV). O que se espera do ex-presidente, se eleito, é que ele tenha um posicionamento mais pragmático, nos moldes do primeiro governo petista, de duas décadas atrás, e afastado de posturas radicais. O primeiro sinal de que Lula está atento às preocupações do mercado é a escolha do vice, que caminha para ser o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que anunciou a filiação ao PSB em suas redes sociais no dia 18 de março. A definição sobre a chapa deve acontecer até o final de abril, mas a entrada do ex-tucano no jogo acalma investidores desde que o nome foi levantado pela primeira vez, ainda em novembro. “Gerou a ideia de que Lula não será um populista ou revanchista, o que ajuda a tranquilizar o mercado. Alckmin vice trouxe uma redução da percepção de risco”, diz Cortez.
Por enquanto, o ex-presidente tem evitado discursos “bombásticos” e tem sido cauteloso no que diz respeito à economia, a não ser por declarações pontuais, como quando disse que reverteria a reforma trabalhista. Recentemente, Lula sinalizou também que pode rever a política de preços da Petrobras e o teto de gastos. São assuntos que não são bem recebidos pelos agentes econômicos, mas que podem estar também nas campanhas dos adversários de Bolsonaro, que tendem a criticar a condução econômica do governo. “Medidas relacionadas à inflação vão estar na ordem do dia”, aponta Rochlin. Mesmo com o “conformismo” atual do mercado em relação a Lula, declarações como essas tendem a repercutir mal conforme o calendário eleitoral avançar. Laureno, da Prospectiva, acredita que até outubro o mercado ainda deve ter momentos de “se assustar” com o ex-presidente. “Além de reforma trabalhista e teto de gastos, tem a pauta de investimentos públicos e de regulação em setores específicos”, lista. Para o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, se Lula for eleito, novos desafios vão se impor, uma vez que o contexto agora é diferente do primeiro mandato de Lula, quando o petista “pegou a casa em ordem” e não teve grandes dificuldades para manter a política fiscal. “A situação está mais complicada e demanda ajustes”, aponta. A inflação está em dois dígitos e deve fechar o ano acima do teto da meta, de 5%. A expectativa do governo é que o PIB cresça 1,5% em 2022, enquanto o mercado aposta em 0,5%.
Apesar de ainda apontar Lula favorito, o cenário eleitoral tem mostrado pequenas mudanças ao longo dos últimos meses. Depois de um período de alta do petista, em que começou a se especular até a possibilidade de uma vitória em primeiro turno, Bolsonaro começa a diminuir a diferença. Ele foi de 24% das intenções de voto, em dezembro, para 27%, em janeiro. No mesmo período, Lula subiu de 41% para 42%. “O movimento de melhora coincide com o ano de reeleição. O primeiro semestre costuma ser um período de recuperação”, explica Maurício Moura, fundador do IDEIA, instituto especializado em opinião pública. O mesmo aconteceu com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula e Dilma Rousseff (PT).
Ainda assim, a chance de que Bolsonaro vença as eleições, pelo cenário atual, é baixa. O desempenho dele a essa altura da disputa continua pior do que o dos outros ex-presidentes que tentaram reeleição, o que fica evidente na avaliação de governo muito ruim — 50% desaprovam ou desaprovam totalmente a maneira como ele está lidando com o trabalho — e na rejeição mais alta entre os candidatos, com 47% dizendo que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro (ante 37% que rejeitam o nome de Lula). Além disso, também há riscos relacionados ao atual presidente. Os mais otimistas acreditam que é possível que, se reeleito, ele faça mais privatizações, por exemplo, do que um governo Lula, mas os ímpetos populistas de Bolsonaro preocupam. A dúvida começa sobre o que ele está disposto a fazer com a caneta presidencial neste ano, em busca de votos. “O governo pode, diante de uma situação eleitoral difícil, tentar se valer de truques fiscais, como subsidiar combustíveis, aumentar salários do funcionalismo de maneira generosa demais ou turbinar o Auxílio Brasil. Isso pode afetar o câmbio, que impacta na inflação”, diz Rochlin.
Em busca de acertos para ganhar votos, Bolsonaro vive uma situação delicada: tem de abrir mão de medidas eleitoreiras para conseguir credibilidade no mercado, mas, ao mesmo tempo, acredita que precisa delas para se reeleger. Impulsionar uma agenda no Congresso é um grande desafio em ano eleitoral, quando os parlamentares passam mais tempo nas bases do que em Brasília. Há poucos projetos de interesse do presidente que podem ser aprovados até outubro. Os mais polêmicos, como privatização dos Correios e reforma administrativa, já estão descartados. O que pode avançar é alguma agenda menor, como marcos legais. Ou seja, não importa quem sairá vencedor das urnas em outubro; as mudanças de que tanto precisa o Brasil ficarão para 2023.
Assuntos que devem ficar para o próximo governo
Com dificuldade de tramitação em ano eleitoral, projetos listados como prioritários pelo governo atual só devem ser resolvidos a partir de 2023
■ Reforma tributária
Há três projetos em andamento no Congresso, nenhum com chance de aprovação em 2022. A PEC 110, que unifica impostos sobre consumo, está no Senado, esperando votação na Comissão de Constituição e Justiça. O projeto que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) está parado na Câmara.
■ Reforma administrativa
Apresentada em 2020, a PEC 32, que muda regras para novos servidores públicos, aguarda votação do plenário da Câmara. O projeto passou por uma comissão especial da Casa em setembro de 2021, mas, de lá para cá, não teve nenhum avanço.
■ Privatização dos Correios
O projeto de lei que autoriza a privatização dos Correios foi aprovado pela Câmara e está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado desde agosto de 2021. Mesmo se for aprovado pelo colegiado, ainda precisará passar pelo plenário do Senado, o que não deve acontecer em 2022.
■ Licenciamento ambiental
O projeto de lei que muda as regras de licenciamento ambiental no país também não deve ter espaço neste ano no Congresso. Apesar de já ter passado pela Câmara, o texto é polêmico e não interessa aos senadores em ano de eleição. Está parado na Comissão de Meio Ambiente.
■ Mineração em terras indígenas
O projeto de lei que estabelece condições específicas para mineração em terras indígenas teve urgência aprovada na Câmara e agora está em um grupo de trabalho de deputados. Mesmo que passe na Câmara, dificilmente será votado pelo Senado.
Projetos que podem avançar em 2022
Projetos menores podem ter algum avanço, mas dificilmente serão aprovados pelas duas Casas em ano eleitoral
■ Marco legal do setor elétrico
O projeto, em tramitação desde 2016, já foi aprovado pelo Senado e agora está em discussão na Câmara. A proposta permite que o consumidor escolha a empresa que vai oferecer a energia consumida em casa.
■ Mercado de carbono
Está pronto para ser votado no plenário da Câmara, em regime de urgência, o projeto que estabelece a adoção de créditos de carbono para incentivar a conservação do meio ambiente. A depender de acordos com o Senado, pode ser que passe nas duas Casas.
■ Criptomoedas
A Câmara pode votar ainda neste ano o projeto de lei que regulamenta operações realizadas com criptomoedas no Brasil. O PL foi aprovado no fim de fevereiro por unanimidade pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e, se não tiver recurso, será encaminhado para avaliação dos deputados.
Fonte: Congresso Nacional.