Revista Exame

Considerada como exemplo por anos, Cemig tenta se reerguer

Enrolada com uma dívida tida como impagável e empacada num processo decisório devagar, quase parando, a Cemig deteriorava-se dia a dia

 (Ian Trower/Robert Harding/Getty Images)

(Ian Trower/Robert Harding/Getty Images)

ML

Maria Luíza Filgueiras

Publicado em 2 de fevereiro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 2 de fevereiro de 2017 às 10h20.

São Paulo – No dia 19 de dezembro, o economista Mauro Borges, presidente da estatal mineira de energia Cemig, foi chamado ao Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, para uma reunião com o governador Fernando Pimentel. Aliados de décadas, Borges e Pimentel viviam dias turbulentos. Acossados pela Operação Acrônimo, que investiga a lavagem de dinheiro em campanhas eleitorais, tinham em comum outro problema — a crise da Cemig.

Enrolada com uma dívida tida como impagável e empacada num processo decisório devagar, quase parando, a Cemig deteriorava-se dia a dia. Foi uma reunião breve. Na saída do Palácio, Borges ligou para dois diretores de sua confiança na empresa. “Resolveram”, disse. Borges havia sido demitido por seu padrinho político. Dois dias depois, o conselho de administração se reuniu para chancelar a troca. Em janeiro, assumiu Bernardo Salomão, que foi diretor comercial da elétrica e tinha saído em 2011.

A Cemig já foi considerada a melhor empresa do setor elétrico, exemplo de como até uma estatal pode ser bem administrada. Mas de uns tempos para cá — especialmente nos últimos dois anos — a situação mudou. A receita está caindo, o lucro minguou e a dívida disparou. A empresa, que chegou a valer 30 bilhões em bolsa, hoje vale 11 bilhões. A companhia foi obrigada a empurrar com a barriga, em janeiro, o prazo de uma dívida de 2,3 bilhões de reais que tinha vencido no fim do ano, e ainda tem outros 4 bilhões de reais em vencimentos nos próximos 12 meses.

Atualmente, os gastos com juros superam o investimento anual da Cemig, que ainda corre o risco de ser condenada pela agência que regula o setor, a Aneel, a devolver a receita de hidrelétricas cujas concessões estão em discussão judicial e são operadas na base da liminar. Seria um baque de 5 bilhões de reais no caixa da empresa, nas contas do banco Credit Suisse.

O que tirou a Cemig do rumo? Como costuma acontecer nesses casos, as razões são múltiplas. Assim como Eletrobras, Cesp e Copel, a estatal mineira levou um tombo considerável com a MP 579, em 2012, que renovou antecipadamente as concessões por taxas menores. A empresa mineira resolveu comprar briga na Justiça em relação a três usinas que respondem por metade de sua geração de energia. O embate está no Superior Tribunal de Justiça.

Na distribuição de energia, a crise econômica fez a demanda cair e a ineficiência na operação tornou a empresa deficitária (até setembro, a receita foi de 8 bilhões de reais, mas o custo operacional foi de 7,9 bilhões e os custos com juros e parcelas de dívida da subsidiária foram de 800 milhões de reais). “O principal problema da Cemig foi ser gerida como se não houvesse amanhã”, diz um conselheiro da empresa.

Ao longo da última década, a Cemig fez quase 30 aquisições e participou dos principais leilões de geração e transmissão no país. Fez isso acumulando uma dívida que hoje soma 16 bilhões de reais. De 2006 a 2015, a companhia distribuiu 25,6 bilhões de reais em dividendos de um lucro líquido de 26 bilhões de reais, ou seja, 98,5% do total. Não houve nenhuma preocupação em preservar o caixa ou antecipar pagamentos de dívidas para aliviar o balanço. Mesmo com a perda de receita e geração de caixa, a Cemig continuou gastando e capitalizando outras empresas do grupo, como a encrencada Renova, de energia renovável.

Em 2014, já com a economia brasileira caminhando para a recessão, a Cemig comprou as participações da Petrobras na geradora Brasil PCH e na empresa de distribuição de gás Gasmig, o que custou, no total, 1,3 bilhão de reais. A Cemig também ajudou seu segundo maior acionista, a empreiteira Andrade Gutierrez. Investigada na Operação Lava-Jato, a Andrade precisava se desfazer de participações para melhorar sua estrutura financeira — em 2014, vendeu sua fatia na Santo Antônio Energia para a Cemig, que já era sócia da empresa, por 835 milhões de reais. A Santo Antônio já dava prejuízo.

A Cemig vive hoje uma situação considerada inédita por executivos que trabalham há décadas na empresa. Seus dois maiores acionistas, o governo de Minas Gerais (que decretou calamidade financeira em dezembro) e a Andrade, não têm caixa livre para fazer frente a qualquer urgência financeira. Em junho passado, a empresa contratou o banco Rothschild para fazer uma análise de seu perfil financeiro.

A conclusão, quase cinco meses depois, foi que a empresa precisava aceitar um custo alto de rolagem de dívida (fez uma emissão, em janeiro, pagando o equivalente a 19,6% de juros anuais) e que a companhia teria de levantar 4 bilhões de reais com a venda de negócios. A participação da empresa na Renova está sendo negociada com a americana AES, parte da transmissora Taesa foi vendida para a Cteep, a fatia em Santo Antônio está em leilão. A Cemig também começou a fazer uma revisão no valor de seus ativos, o que deve resultar numa baixa contábil de 600 milhões de reais no patrimônio.

A demora numa solução vem de dois quadrantes — a tradicional lentidão estatal e uma não assumida relutância na hora de vender negócios. Das oito diretorias da Cemig, três são ocupadas hoje por interinos, que são mais resistentes à venda de ativos e à redução de orçamentos de equipes. O governo também emite sinais contrários. Na prática, isso atrapalha o andamento dos processos, que atrasam por motivos banais, como a demora para a entrega de documentos. Em julho, a empresa contratou o banco Itaú BBA para avaliar a melhor solução para a Gasmig, mas não deu ao banco sinal verde para vendê-la até agora.

Cortes de custos também têm dado o que falar. Até o ano passado, a empresa pagava seguro de vida para todos os funcionários, incluindo os aposentados. A estatal decidiu cortar o benefício, o que pode resultar numa economia de 400 milhões de reais, mas o sindicato dos eletricitários abriu uma ação na Justiça contra a empresa. No início de 2016, a Cemig encarou uma greve de 50 dias por reduzir a participação dos funcionários nos lucros. Também cortou os dividendos para 25% do lucro.

A Cemig não deu entrevista, mas disse, em nota, que o aumento da dívida nos últimos 21 meses “se deve basicamente à aquisição das 18 usinas hidrelétricas do leilão realizado pela Aneel em novembro de 2015” e que “a política de investimento adotada na década passada somada à crise econômica e às mudanças regulatórias resultaram nas pesadas obrigações herdadas pela atual gestão”. Como acabaram de assumir, os novos administradores ainda podem se dar ao luxo de colocar a culpa nas gestões anteriores. Se não agirem rápido, logo terão de assumir sua parcela de responsabilidade pelo apagão da Cemig.

Acompanhe tudo sobre:AneelCemigCrises em empresaseconomia-brasileirasetor-eletroeletronico

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon