Equipe da Idengene: Da esquerda para a direita, Felipe Geyer, Raphael Parmigiani, Amanda Rossi, Marcelo Ferraz Sampaio e Thomas de Almeida (Idengene/Divulgação)
Naiara Bertão
Publicado em 13 de julho de 2017 às 05h40.
Última atualização em 14 de julho de 2017 às 18h31.
São Paulo — O setor de saúde é um dos que mais consomem dinheiro público e privado no mundo. Em 2019 a expectativa de vida global deve chegar a 73,3 anos e estima-se que 11% da população ultrapasse os 65 anos de idade. No mundo, cerca de 7 milhões de dólares (ou 9,9% do PIB) são gastos com saúde.
Só no Brasil, a estimativa é que as despesas saltem de 9% do PIB hoje para 20% a 25% em 2030, de acordo com estudo do Instituto Coalizão Saúde e da consultoria McKinsey. Para reduzir essa previsão, é consenso que a evolução tecnológica terá um papel fundamental, seja na descoberta de novas drogas ou no desenvolvimento de equipamentos e softwares que tornem hospitais mais produtivos e trabalhe a prevenção. Não é à toa que também é um dos que mais atraem investimentos.
O próprio Instituto Chan Zuckerberg, do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg e sua esposa, já anunciou 3 bilhões de dólares em investimentos nos próximos 10 anos para pesquisas de doenças ainda incuráveis.
Segundo a consultoria americana do setor Startup Health, mais de 8 bilhões de dólares foram investidos em 2016 em mais de 500 empresas de tecnologia em saúde nos Estados Unidos. Cerca de 200 novos investidores passaram a observar esse mercado. Grande parte desse dinheiro vai para startups de softwares, aplicativos e equipamentos médicos mais baratos e produtivos.
No Brasil, apesar de saúde ser o segundo setor que mais recebeu investimentos desde 2011 (foram 12,5 bilhões de reais, segundo a Abvcap), as iniciativas tecnológicas com base em biotecnologia e genética (ou lifescience, como é conhecida a área no exterior) ainda são minoria.
Estima-se que 80% das cerca de 900 startups em saúde que existem no Brasil são focadas em desenvolver aplicativos, como os de prontuário eletrônico e agendamento de exames, softwares para gestão de hospitais e clínicas e equipamentos para testes clínicos e melhora da qualidade de vida de pacientes.
“Poucos profissionais têm bagagem para empreender na área científica. Em geral, são pesquisadores de institutos e universidades, com anos de trabalho e resultados comprovados”, diz Eduardo Emrich, presidente da fundação mineira Biominas Brasil, que dá auxilia o desenvolvimento e expansão de negócios em saúde.
Veja algumas iniciativas brasileiras realmente inovadoras na área médica:
A startup, fundada em 2015 pelo biomédico e doutor em Oncologia Raphael Parmigiani e o administrador de empresas Thomas Almeida, realiza testes genéticos para diagnósticos de diversos tipos de câncer. Também ajudam oncologistas e pacientes a determinar qual o melhor tratamento para cada pessoa, a partir de seu genoma.
Os preços dependem da complexidade do exame, mas é possível fazer um diagnóstico de câncer de mama, por exemplo, por 2.000 reais. Ao realizarem tudo no Brasil – grande parte dos concorrentes envio as amostras para os Estados Unidos ou Europa – eles conseguem entregar resultados mais rápido, em até 15 dias, muitas vezes.
“Por sermos especializados, conseguimos dar aos pacientes uma consultoria personalizada – esse é o futuro da medicina”, diz Parmigiani. A área é promissora: por ano, o Brasil registra 600 000 novos casos de câncer. Em 2016, a IdenGene fechou a venda de uma fatia para o grupo nacional Oncoclínicas – a companhia tem o direito de aumentar sua participação de 20% (hoje) para até 70%. O valor da transação não foi divulgado.
Também na área de mapeamento genético, a Tismoo realiza testes de diagnóstico e tratamento em pacientes que apresentem o Transtorno do Espectro Autista. A empresa recebeu 4 milhões de reais em investimentos e começou a operar em 2015, em São Paulo. Formada por sete sócios, entre eles o professor da Universidade da Califórnia, o brasileiro Alysson Muotri, está agora em busca de investidores para ampliar a atuação. Dos clientes já atendidos, aproximadamente 5% são provenientes de fora do Brasil. Faturou aproximadamente 700 000 reais ano passado e espera dobrar as receitas este ano.
Sediada no Supera, parque de biotecnologia da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP), a Veritas é uma empresa especializada em descobrir moléculas biológicas (produzidas por células e animais naturalmente ou a partir da engenharia genética) para farmacêuticas desenvolverem novos medicamentos. A companhia está testando um novo anticorpo para terapia e diagnóstico do câncer e novos agentes antibacteriais contra a Tuberculose. Por estar ainda em fase de testes, não fatura. A principal receita virá quando licenciarem biofármacos para a indústria farmacêutica. “Com o deposito da patente no mês passado, esperamos para o próximo ano negociar e fechar acordos com os potenciais interessados”, diz a química Sandra Rodrigues Pereira, sócia-fundada da companhia.
O dentista capixaba José Ricardo Muniz Ferreira conheceu o potencial regenerativo das células-tronco da polpa do dente de leite durante o doutorado em Biomateriais pelo Instituto Militar de Engenharia (IME-RJ), em 2012. “Comecei a estudar regeneração com células-tronco porque queria encontrar uma forma de reabilitar os meus pacientes com perda óssea”, diz Ferreira.
Em 2013, ele decidiu largar o consultório, que mantinha por 22 anos e empreender. Levantou 25 milhões de reais com sócios investidores e abriu em Campinas, interior de São Paulo, a R-Crio, a primeira empresa de extração e armazenamento de células-tronco vindas do dente de leite.
A empresa já fez centenas de coletas e deve faturar 6 milhões de reais este ano. Os clientes pagam cerca de 3.000 reais pelo procedimento, mais 735 reais por ano pelo armazenamento, preço próximo ao praticado por empresas que armazém células-tronco do cordão umbilical e medula óssea, como a Cryogene, Cryopraxis e CordVida.
A empreendedora Carolina Reis vinha desde 2014 a produzir em laboratório diferentes tipos de células humanas a partir de células-tronco, como as da pele. A intenção era vender para a indústria de cosméticos para ser usada em testes de novos produtos. A companhia tomou um novo rumo quando ela foi selecionada para participar de um programa de mentoria da aceleradora americana de biotecnologia IndieBio, em São Francisco (EUA).
“Percebi que o mercado de pele humana estava saturado, em especial nos EUA. Fomos desafiados, então, a criar um novo negócio em apenas quatro meses de curso”, diz Carolina. Como resultado, a OneSkin começou a testar moléculas e princípios ativos com poder antienvelhecimento com o objetivo de vender à indústria cosmética.
“Começamos do zero, com novo nome, novos sócios e nova proposta”, diz a bioquímica e empresária, que tem mais três sócios. A empresa acaba de receber um aporte de capital de um fundo de investimento – o valor não foi divulgado, mas está entre 1 e 3 milhões de dólares.
No mesmo ramo está a Pluricell Biotechnologies, startup criada por biólogos que reproduz, a partir de células-tronco, tecidos humanos, como os que compõem o coração e o fígado. “Acreditamos muito na medicina regenerativa e terapia celular para o futuro dos tratamentos de doenças”, diz Marcos Valadares, sócio da Pluricell e da GeneSeq, startup de sequenciamento genético.
O Supera Parque de Inovação e Tecnologia, resultado de uma parceria entre a USP e prefeitura de Ribeirão Preto, é um dos principais do país em pesquisas relacionadas à área médica. Ao todo são 63 iniciativas de empreendedores, como os médicos Sandro Soares e Ebert Seixas Hanna, da Invent Biotech, empresa focada na produção de anticorpos para tratamentos imunológicos.
Uma das principais dificuldades para o setor se desenvolver no país é de ordem financeira. Diferente de outras startups, as ligadas à área médica demandam investimentos muito maior (milionários, em sua maioria) e demoram de 10 a 12 anos para conseguir, de fato, comercializar seus produtos. Por isso, os principais investidores são grandes grupos do setor, como farmacêuticas, laboratórios de análises e hospitais.
Os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês já começaram há pelo menos três anos a estreitar os laços com startups brasileiras para melhorar procedimentos, criar novos tratamentos e desenvolver a parte de análise de dados. Juntos, eles vão investir em 2017 quase 80 milhões de reais nas áreas de pesquisa e inovação.
A Johnson & Johnson, por exemplo, investe globalmente 9 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento por ano, sendo que parte deste dinheiro vem ao Brasil, onde há um de seus cinco centros de pesquisa no mundo. A empresa acaba de selecionar a vencedora do programa Aging Population Challenge, iniciativa voltada para start-ups latino americanas que estão desenvolvendo soluções de saúde voltadas para idosos.
A vencedora, a brasileira Hoobox Robotics, comercializa um software de reconhecimento de imagem que ajuda pessoas a controlarem a cadeira de rodas através apenas de suas expressões faciais.