Oscar Müller, presidente da Arbeit Investimentos (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Aos 52 anos, o empresário paulista Oscar Müller orgulha-se de ser um pão-duro convicto. Tanto na vida pessoal quanto nos negócios, ele é do tipo que regateia até o preço do cafezinho — algo que já virou folclore entre amigos e colegas de trabalho. Mas é na hora de fechar os negócios de sua empresa que Müller demonstra com mais ênfase sua capacidade de tirar do bolso o menor volume possível de dinheiro. Dono da Arbeit Investimentos, Müller jamais desembolsou mais do que 1 real para comprar uma empresa — e foram cerca de 15 aquisições desde 1998. Com sede na região do Itaim, na zona sul de São Paulo, a Arbeit (“trabalho”, em alemão) especializou-se no resgate de pequenas empresas em apuros financeiros. Graças aos montantes envolvidos — nenhuma das empresas compradas fatura mais de 100 milhões de reais por ano —, os negócios feitos por Müller passaram praticamente despercebidos em meio à recente onda de megaoperações de fusões e aquisições realizadas nos últimos tempos no Brasil.
Até que, no final de junho, Müller saiu do anonimato. Foi nessa época que ele comprou o controle da Imbra, a maior rede de clínicas odontológicas do país, com uma receita de 200 milhões de reais. Müller nunca havia adquirido algo tão grande nem negociado com alguém tão poderoso. Afinal, do lado vendedor da mesa estava a GP Investments, maior gestora de fundos de private equity da América Latina. A transação custou caro para os padrões do empresário: 1 dólar, ou menos de 1,80 real, mas permitiu que, numa só tacada, a Arbeit quase dobrasse de tamanho. Com a Imbra, a empresa fundada por Müller passa a faturar 500 milhões de reais por ano, ante os 300 milhões de até então. “Meu negócio é comprar empresas por, no máximo, 1 real”, afirma Müller. “Abri uma exceção no caso da Imbra graças a seu potencial de crescimento. Existem 40 milhões de brasileiros que não têm pelo menos um dente na boca.”
O modus operandi da Arbeit é, na realidade, bem mais complexo. O valor de 1 real é obviamente simbólico. Em geral, a Arbeit assume a dívida da empresa comprada, injeta dinheiro novo na operação, troca o comando. Enfim, faz o trabalho pesado para colocar o negócio nos trilhos. Valorizado, o ativo é geralmente vendido após alguns anos — e Müller, claro, embolsa a diferença. No caso da Imbra, ele ainda conseguiu da GP um empréstimo de 40 milhões de reais para saldar parte das dívidas da empresa, estimadas em 50 milhões — mesmo depois de o fundo já ter investido mais de 140 milhões de dólares desde que adquiriu a rede, em outubro de 2008. Após tantas tentativas de fazer o negócio engrenar e de gastar tanto sem ver o retorno, a venda por 1 dólar pareceu a solução menos dolorosa para a GP.
Reestruturar companhias em apuros financeiros para depois vendê-las por valores mais altos é uma velha prática no disputado mercado de private equity. O que chama a atenção no caso da Arbeit é que a empresa tem colecionado mais fracassos do que sucessos — pelo menos até agora. Segundo pessoas próximas às operações, das oito companhias controladas pela Arbeit atualmente, apenas três dão lucro. As demais não começaram a operar — ou jamais saíram do vermelho. (Müller não comenta os números de suas empresas.) É o caso da fabricante de sucos Milani, célebre por produzir a groselha popularizada nos anos 80. Adquirida do grupo holandês Wessanen em dezembro de 2004, a Milani passou para as mãos de Müller com uma dívida de 25 milhões de reais. Mesmo após substituir o alto comando da empresa, investir mais de 7 milhões de reais na reforma da fábrica em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, e lançar uma marca de produtos orgânicos, o negócio não decolou. O acirramento da concorrência provocado pela venda das marcas Sucos Mais e Del Valle para a Coca-Cola, entre 2005 e 2007, praticamente fechou o mercado para marcas regionais como a Milani. “Nossa linha de produção está parada desde janeiro”, diz Müller.
A trajetória pontuada por altos e baixos não é de agora. Formado em arquitetura e história, ele trabalhou dez anos na área de projetos para o setor elétrico do grupo Camargo Corrêa. Até que, em 1992, com 34 anos, deixou o emprego para tornar-se sócio da Prisma, uma empresa especializada na construção de parques fabris. A experiência foi amarga. Apenas quatro anos depois, a Prisma levou um calote na construção de uma fábrica de bebidas, seu maior projeto em andamento. Afundada em dívidas, deixou de pagar seus fornecedores e entrou em concordata. As ações contra a construtora renderam a Müller o posto de maior devedor pessoa física do INSS, com um montante de 150 milhões de reais (a cobrança foi julgada ilegal no início deste ano). Depois da falência da Prisma, Müller propôs ao amigo italiano Pierluigi Mango, expresidente da petroquímica Montedison, uma sociedade numa empresa especializada em assessorar companhias estrangeiras interessadas em investir no Brasil. Era o início da Arbeit.
A empresa jamais cumpriu seu propósito inicial. Logo de cara, Mango — que chegou a ser investigado por suposto envolvimento no caso PC Farias quando ainda comandava a Montedison — articulou a compra de uma fabricante de papel-toalha localizada na cidade de Ribeirão Preto, no interior paulista, por 1,8 milhão de reais. Com um faturamento de 30 milhões de reais, a Serrana acumulava 5 milhões de reais em dívidas. A Arbeit comprou máquinas e contratou executivos para tocar a operação. Em 2004, a Serrana faturou 80 milhões de reais — e acabou vendida por 25 milhões a um de seus fornecedores. Durante alguns anos, para não ter de recorrer a empréstimos bancários para sanear as empresas adquiridas, Müller optou por uma saída alternativa: comprar créditos de impostos de empresas que haviam ganhado ações contra o governo. Dessa forma, ele saldava as dívidas de uma companhia com os créditos de outra. “Seu estilo é semelhante ao que fazem ‘fundos abutres’ como o Matlin Patterson, que comprou a falida Varig”, afirma Marcelo Gomes, diretor da consultoria de gestão Alvarez & Marsal.
O foco de Müller agora é fazer a Imbra voltar a dar dinheiro. Os altos custos para manter uma rede de 26 clínicas em 13 estados corroeram o caixa da empresa. Por isso seu plano é investir daqui para a frente no modelo de franquia — a previsão é abrir 150 unidades em dois anos de modo a diluir os custos das clínicas próprias. Pioneira em oferecer implantes dentários financiados em até 12 parcelas, a Imbra hoje sofre a concorrência e dentistas independentes e redes menores, que oferecem condições de pagamento semelhantes. Com mais competição, o preço médio do tratamento caiu de 4 000 reais para cerca de 2 000 reais em quatro anos. E, assim, as margens afundaram. Tudo isso contribuiu para o crescente descontentamento dos fundadores da empresa, que permanecem com 22% do negócio. Os médicos Rodrigo Martins e Fernando Soares já avisaram que pretendem processar a GP por má gestão e por não terem sido consultados sobre a venda da Imbra à Arbeit. “A Imbra é o maior negócio que já pegamos em termos de faturamento, mas não é o maior em volume de problemas”, afirma Müller. De problemas — não há dúvidas — Müller entende.