Revista Exame

Como fugir do show de horror do escoamento da safra de grãos

O espetáculo tenebroso dos gargalos para escoar a safra de grãos está de volta. Só escapa dele quem estoca a produção — uma parcela de apenas 16% dos agricultores


	Nada de novo: caminhões formam fila rumo ao porto de Santos
 (Claudio Rossi/EXAME.com)

Nada de novo: caminhões formam fila rumo ao porto de Santos (Claudio Rossi/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 16h27.

São Paulo - O Brasil vem assistindo, nas últimas semanas, a um show de horror que tem como protagonista o porto de Santos, principal via de entrada e saída de mercadorias do país. Não é um espetáculo novo. Ao contrário, ele entra em cartaz todo ano nesta época, quando se colhem as maiores safras agrícolas. Neste ano, porém, o espetáculo está ainda pior.

As filas de caminhões carregados de soja e milho formadas na estrada de acesso ao porto alcançam até 30 quilômetros por causa do atraso no carregamento dos navios que levarão os grãos a países compradores. O atraso no embarque da soja é tamanho que a importadora Sunrise, a maior da China, cancelou a compra de 2 milhões de toneladas.

Ou seja, uma bênção no campo — a safra recorde de grãos estimada em 184 milhões de toneladas — converteu-se numa tragédia logística. Em junho, o quadro poderá ficar mais dramático, com a entrada em cena dos caminhões carregados de açúcar.

Os problemas de escoamento ocorrem pelas mesmas razões de sempre: inépcia na gestão, excesso de burocracia, obstáculos aos investimentos que poderiam melhorar a situação.

São questões ainda longe de ser resolvidas. Mas uma parcela dos produtores consegue escapar desse vexame e dos prejuízos dele decorrentes. Eles estocam e escoam sua safra de forma planejada, ao longo do ano.

A família Gatto, produtora de soja e milho em Canarana, no leste de Mato Grosso, está investindo para isso. Os grãos de sua lavoura são transportados em caminhões, numa operação que custa, a cada safra, 300 000 reais. A realidade vai mudar em junho, quando ficarão prontos armazéns para 70% do que a fazenda colherá no ano. A estocagem deve elevar a rentabilidade do negócio em 10%.

Com a opção de guardar a produção, os Gatto poderão vender quando a oferta cair, por preços melhores. O prêmio pode chegar a 1,5 dólar por saca de soja, hoje cotada em 30 dólares.


Eles também vão se livrar do frete, pois, após o período de fartura da colheita, quem paga a conta é o comprador. “A economia com o frete cobrirá as prestações do sistema de estocagem”, diz Felipe Rampelotto Gatto, diretor da Gatto Agricultura. Desde os anos 90, a família investiu 15 milhões de reais em silos para equipar outras duas fazendas, também em Mato Grosso.

Vale cada centavo 

Os Gatto são uma honrosa exceção no Brasil. Apenas 16% das fazendas do país têm armazéns. Nos Estados Unidos, o índice é de 65%. Por causa da falta de silos, os grãos precisam ser embarcados logo após a colheita.

“Infelizmente, poucos produtores enxergam os ganhos que a armazenagem proporciona”, diz Carlos Cogo, consultor de agronegócio no sul do país. Boa parte da miopia ocorre porque não há linhas de crédito facilitadas para armazéns.

Se quiser ter um silo, o produtor precisa encarar financiamentos burocráticos e caros. As linhas do Finame, com juros subsidiados, cobrem a compra de equipamentos, mas não arcam com as obras civis, que correspondem à metade do custo.

Cabe ao produtor desembolsar 300 reais por tonelada estocada. Embora os silos tenham vida útil de 30 anos e o retorno do investimento venha em até seis anos, poucos fazendeiros querem esperar.

Desde 2000, o uso de equipamentos e novas tecnologias fez com que a produção de grãos passasse de 100 milhões para 184 milhões de toneladas. Mas a capacidade de armazenagem, que já era insuficiente, cresceu só 65%. Se toda a safra tivesse de ser guardada, faltaria espaço para 35 milhões de toneladas.

O ideal, segundo a Organização das Nações Unidas, é que a capacidade de estocagem seja equivalente a 120% da produção do país — ou seja, que possa abrigar a colheita e ainda garantir lugar para reservas destinadas a equilibrar a oferta.

Estima-se que o Brasil precise investir 10 bilhões de reais para obter o nível ideal de cobertura. Como o país está longe de contar com uma infraestrutura à altura do agronegócio, é bom não esperar. Esse é um investimento que, como mostra a família Gatto, vale cada centavo.

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