Revista Exame

Como atrair o capital

O financiamento oficial impera nas concessões de estradas e aeroportos. Uma conclusão do EXAME Fórum Infraestrutura: daqui para a frente, o setor terá de contar mais com as fontes privadas

Soluções para destravar os investimentos: André Lahóz (à esq.), de EXAME, o economista Alexandre Rands, o ministro César Borges, da Secretaria de Portos, e o economista João Manoel Pinho de Mello (Alexandre Battibugli/EXAME)

Soluções para destravar os investimentos: André Lahóz (à esq.), de EXAME, o economista Alexandre Rands, o ministro César Borges, da Secretaria de Portos, e o economista João Manoel Pinho de Mello (Alexandre Battibugli/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 6 de novembro de 2014 às 16h12.

São Paulo - Há pouco mais de um ano, após muitas idas e vindas, o governo ensaiou dar início a um programa de concessões de obras de infraestrutura para a iniciativa privada. De setembro de 2013 a maio de 2014, foram leiloados 4 900 quilômetros em seis trechos de rodovias federais e concedidos os aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e de Confins, em Minas Gerais.

Embora com atraso, parecia um bom sinal: finalmente seriam destravados os investimentos de que o país tanto necessita. Desde então, porém, pouca coisa aconteceu. Boa parte das concessões previstas de ferrovias, portos, obras de saneamento e trens urbanos ficou na promessa.

Mesmo nos projetos entregues a investidores privados, a dependência de fontes de recursos oficiais ­— como as linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco do Brasil e da Caixa Econômica ­— é enorme.

De acordo com um levantamento do banco Itaú BBA, em 2013 só o ­BNDES respondeu por 76% do dinheiro destinado ao financiamento de projetos de infraestrutura. A constatação de que é preciso ajustar o modelo para atrair dinheiro privado foi uma das conclusões do EXAME Fórum Infraestrutura, que reuniu empresários, consultores e integrantes do governo no dia 24 de setembro, no Rio de Janeiro. 

Até agora, o BNDES manteve os desembolsos contando com a ajuda do Tesouro Nacional, de quem recebeu 363 bilhões de reais em aportes desde 2009. O repasse resultou numa farta oferta de crédito a taxas abaixo das cobradas no mercado e com prazo de até 25 anos para pagamento.

“O financiamento subsidiado permitiu às concessionárias cobrar pedágios e tarifas mais baixos, como queria o governo”, diz Alberto Zoffmann, diretor da área de infraestrutura do Itaú BBA. Mas essa fórmula está se esgotando, como mostram os resultados recentes das contas públicas ­— o déficit primário do governo central em agosto foi o pior resultado para o mês desde o início da série histórica, em 1997.

“O modelo de juros negativos do BNDES bateu no limite, e o governo terá pouco fôlego pela frente”, diz o economista Armando Castelar, da Fundação Getulio Vargas. Ou seja: com os cofres cada vez mais minguados, é preciso achar opções ao financiamento oficial.

Os representantes do governo que participaram do EXAME Fórum concordam que é necessário atrair mais capital privado. Reconhecer o problema é um passo importante. Mas também é preciso saber como resolvê-lo. Uma das saídas propostas pelo BNDES é incentivar as empresas a captar recursos no mercado por meio da emissão de títulos.

Como se daria esse estímulo? O banco estatal garantiria às empresas a compra de parte dos títulos emitidos e formaria um fundo com eles. “Então, cotas do fundo seriam revendidas para investidores”, diz Antonio Tovar, chefe do departamento de energias alternativas do BNDES. Tovar estima que possa ser constituído um fundo com um montante entre 800 milhões e 1 bilhão de reais até o fim de 2015. 

A iniciativa de criar alternativas para atrair dinheiro de investidores é louvável. Mas propostas como a do BNDES — que mantém o Estado no circuito do custeio da infraestrutura ­— estão longe de ser o suficiente. Dificilmente o capital privado fluirá enquanto o ambiente de negócios não melhorar.

Para isso, é fundamental diminuir os riscos para os investidores nas concessões. Caberia ao governo, por exemplo, desbastar a burocracia que causa muitos atrasos nas obras. Tomem-se como exemplo as fases de licenciamento dos projetos. Há mais de 30 000 normas ambientais no país, segundo um levantamento da Confederação Nacional da Indústria.

O emaranhado de normas é uma das razões para que a obtenção das licenças nos órgãos do meio ambiente demore, em média, 28 meses. A morosidade na solução de controvérsias é outro gargalo. Um processo para arrendar 29 áreas em terminais portuários no Pará e no porto de Santos está parado há quase um ano no Tribunal de Contas da União.

O motivo é uma discussão sobre a criação de um teto para as tarifas que vão orientar os estudos de viabilidade das concessões ­— e, enquanto a questão se arrasta, os leilões não podem acontecer. A lógica de funcionamento do setor público é uma fonte frequente de atrasos.

“Muitas vezes, o gestor público prefere andar mais devagar para não correr o risco de ser punido pelos órgãos de controle”, diz o ministro César Borges, da Secretaria de Portos. Segundo ele, o governo hoje poderia renovar antecipadamente os contratos de concessão dos terminais portuá­rios já existentes, o que incentivaria investimentos de 30 bilhões de reais.

“Se eu tomasse essa iniciativa, minha conduta poderia ser questionada, numa avaliação subjetiva, e eu teria problemas seriíssimos”, afirma Borges. “Isso impede decisões mais rápidas.”

Nó burocrático

O resultado mais visível desse enrosco é o distanciamento de empresas e investidores estrangeiros dos projetos de infraestrutura no Brasil. Em março do ano passado, o governo fez uma série de apresentações no exterior com o objetivo de atrair empresas para as concessões. Em Londres, compareceram ao evento aproximadamente 600 pessoas.

A então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, afirmou que ninguém iria perder dinheiro se investisse no Brasil. “Há muitos interessados no país, mas poucos inves­tidores internacionais acabam realmente vindo para a área de infraestrutura”, diz James Stewart, presidente da área de infraestrutura da KPMG.

Uma das razões, segundo ele, é o risco elevado de atrasos e contratempos em decorrência da burocracia. “As amarras têm um grande impacto nos prazos de conclusão dos projetos”, afirma Gustavo Rocha, presidente da Invepar, holding de concessionárias de rodovias, aeroportos e trens urbanos. 

Enquanto isso não é resolvido, a defasagem do país aumenta. Segundo o Itaú BBA, os investimentos previstos em ferrovias, rodovias, energia elétrica, portos, mobilidade urbana e na área de petróleo e gás somam 1 trilhão de reais nos próximos cinco anos, uma média de 208 bilhões por ano.

Mesmo que tudo saia do papel, ainda será pouco. O Brasil precisaria investir pelo menos 290 bilhões de reais por ano nas próximas duas décadas para elevar a qualidade de sua estrutura até o padrão médio mundial. O estoque de estradas, portos, aeroportos e outros equipamentos básicos corresponde a 48% do PIB no Brasil. A média global é de 71%. 

Parte considerável do problema é que, no fim das contas, pouco se avançou na construção de um modelo capaz de atrair empresas para as concessões. De certo modo, leiloar estradas e aeroportos era a tarefa menos complicada.

No caso das rodovias, o Brasil acumulou uma experiência razoável nas últimas duas décadas, com a concessão de 1 300 quilômetros de estradas federais no governo de Fernando Henrique Cardoso, de 3 300 quilômetros no período de Lula e de quase 5 000 no mandato de Dilma.

“A malha concedida nos anos 90 foi menor, e os investimentos previstos eram mais modestos”, diz Daniel Sigelmann, secretário de Fomento do Ministério dos Transportes. “Além disso, as tarifas eram altas: 9 reais a cada 100 quilômetros concedidos, em comparação aos atuais 3,90 reais.”

Também havia riscos menores nos aeroportos. Como eles já estavam em funcionamento no momento do leilão, os novos concessionários puderam começar quase imediatamente a cobrança de tarifas enquanto davam início aos investimentos em reformas e ampliação.

É mais complexo atrair interessados para projetos que têm de sair praticamente do zero e em áreas nas quais os papéis do poder público e dos concessionários não estejam claros. É o caso das ferrovias.

O modelo atualmente debatido para as ferrovias prevê conceder a uma empresa a responsabilidade de construir os trilhos, que poderão ser usados por diferentes operadoras de logística. Dessa forma, em tese, a concorrência estaria garantida. O caminho escolhido para isso, no entanto, é controverso.

A proposta é que uma estatal ­— a Valec ­— compre toda a capacidade de transporte da linha para garantir a remuneração do construtor da ferrovia. Depois, a Valec leiloaria os direitos de uso a diferentes operadoras de logística. A presença de uma estatal no meio do negócio desagrada aos empresários.

O resultado é que os projetos de 12 ferrovias prometidas em 2012 ­— que somariam 10 000 quilômetros de linhas ­— continuam empacados. “Fizemos um esforço intenso, mas as concessões de ferrovias têm muitas particularidades para resolver”, diz Sigelmann. “Mas há empresas estudando os projetos. Esperamos que alguns estejam prontos para ir a leilão em 2015.”

Barreiras

Se no setor ferroviário o modelo ainda está em gestação, a área de saneamento está praticamente entregue ao abandono. As carências no Brasil são imensas. Há cerca de 34 milhões de pessoas sem acesso a água tratada. Outras 6 milhões não têm sequer banheiro em casa.

Não há grandes investimentos públicos na área ­— e, mesmo assim, no Plano Nacional de Saneamento Básico, lançado pelo governo federal no ano passado, a iniciativa privada mal é citada em suas mais de 200 páginas. Segundo esse documento, o setor precisa de 270 bilhões de reais em investimento até 2030 para universalizar os serviços de água e esgoto.

“O governo afirma querer a participação de investidores, mas na prática há muitas barreiras”, diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, mantido por empresas do setor. “Cada um dos mais de 5 570 municípios brasileiros tem regras diferentes para o saneamento.”

A boa notícia é que já existem exemplos de solução na área. Nos últimos anos, a concessionária Águas de Niterói conseguiu levar água encanada a 180 000 pessoas da cidade fluminense que antes não tinham acesso ao serviço, reduzindo os desperdícios e sem aumentar a captação de água.

Já no setor elétrico, que conta com forte presença da iniciativa privada, medidas tomadas em Brasília para baixar na marra a conta de luz provocaram uma série de desarranjos nas empresas. Apesar disso, o governo garante que o interesse dos investidores permanece elevado.

“Há 1 100 projetos inscritos para o leilão de contratação de energia a ser entregue em 2019”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia.

Segundo o secretário executivo do Ministério, Márcio Zimmermann, isso é possível porque o setor tem um modelo de contratação de longo prazo. “Há receita, mesmo com queda na demanda”, diz ele. “Isso dá tranquilidade ao investidor e ao banco financiador do projeto.”

A participação privada é vista como essencial numa área em que os projetos demandam grande volume de capital por prazos longos. “Mais da metade dos 37 bilhões de reais que serão gastos no projeto olímpico vem da iniciativa privada”, diz Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, cidade que sediará a Olimpíada de 2016.

“Obras como o Porto Maravilha estão sendo construídas no modelo de parceria público-privada.” Para ele, acelerar a execução das obras com a iniciativa privada ajudaria a melhorar a imagem do país. “Há uma falta de confiança exagerada a respeito de nossa capacidade de cumprir prazos”, diz Paes.

“A Copa do Mundo foi um superevento, mas a jornada até a Copa, não. O Itaquerão, por exemplo, atrasou por causa da demora do governo em tomar decisões.” Para o economista Alexandre Rands, um dos colaboradores do programa de governo da candidata à Presidência Marina Silva, a participação privada é também o jeito de conseguir a chamada modicidade tarifária, tão almejada pelo atual governo.

“A redução das tarifas deve ocorrer por meio da competição”, diz Rands. Mesma avaliação fez João Manoel Pinho de Mello, professor da escola de negócios Insper e colaborador do candidato Aécio Neves, para quem a redução do risco regulatório é a solução para acelerar investimentos.

“O governo por muito tempo afugentou o investimento privado, e isso agora tem um preço.” Está na hora de rever a postura ­— e começar a fazer o que o país precisa.

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