Revista Exame

Como a IA pode reformular a medicina

Inovações facilitam a detecção precoce de doenças como a pneumonia e o câncer

Algoritmos de aprendizagem profunda podem analisar raios X, ressonâncias magnéticas e outros exames médicos com precisão notável (Smederevac/Getty Images)

Algoritmos de aprendizagem profunda podem analisar raios X, ressonâncias magnéticas e outros exames médicos com precisão notável (Smederevac/Getty Images)

Publicado em 29 de abril de 2024 às 06h00.

Numa recente viagem internacional, estava atrasado para o aeroporto. Não sendo fluente na língua local, utilizei um aplicativo de tradução que me permitiu transmitir a urgência da minha situação ao taxista. A função de câmera do aplicativo também permitiu-me compreender os sinais de trânsito, fornecendo atualizações em tempo real.

Esses são apenas alguns exemplos de como as inovações digitais, em particular a inteligência artificial, estão reformulando nosso mundo. Como estudos recentes demonstram que os modelos de IA podem agora identificar sinais precoces de complicações de saúde, tais como a seps, essas tecnologias estão preparadas para revolucionar também a medicina.

Esses rápidos avanços tecnológicos também ressaltam a necessidade urgente de regulamentação da IA. A Lei da Inteligência Artificial da União Europeia, que deverá ser aprovada no segundo semestre de 2024, é um excelente exemplo. Essa lei pioneira classifica os sistemas de IA de acordo com seus níveis de risco e proíbe explicitamente aplicações específicas de alto risco, como a avaliação de todos os passos dos cidadãos e o reconhecimento de emoções, que representam uma ameaça à segurança pessoal, às liberdades civis e ao governo democrático. Destaca, também, a importância da transparência e da explicabilidade, para que os usuários possam aceder a informações sobre as decisões geradas pela inteligência artificial.

A ambiciosa legislação da UE constitui um bom ponto de partida para um debate global sobre como não utilizar a IA. Mas, dado o vasto potencial dessas tecnologias para transformar os cuidados de saúde, é igualmente crucial explorar a forma como podem ser utilizadas para aumentar os aspectos da medicina centrados no ser humano.

Para começar, a IA tem o potencial de tornar a medicina mais compassiva. Por exemplo, um estudo recente publicado na revista Jama Internal Medicine comparou as respostas do ­ChatGPT a perguntas relacionadas à saúde com as respostas dadas por médicos humanos. Curiosamente, um painel de profissionais de saúde licenciados preferiu as respostas do Chat­GPT em 79% das vezes, considerando-as mais empáticas em relação aos pacientes. Estudos anteriores demonstraram que uma maior empatia e compaixão podem melhorar os resultados dos pacientes e acelerar a recuperação.

Nos últimos anos, os prestadores de cuidados de saúde têm sido cada vez mais sobrecarregados com tarefas administrativas e de gestão, o que limita sua capacidade de estabelecer uma relação clínica com os pacientes. Esse “fardo da documentação”, muitas vezes, conduz ao esgotamento e prejudica a qualidade dos cuidados. Ao fornecerem respostas automatizadas a perguntas de rotina, marcarem consultas e gerirem a burocracia, as plataformas alimentadas por IA podem simplificar os processos administrativos e libertar os médicos para passar mais tempo com os pacientes.

Mas as aplicações da IA vão muito além da racionalização das tarefas administrativas. Um conjunto crescente de dados clínicos sugere que os algoritmos de aprendizagem profunda — formados nos vastos conjuntos de dados de imagens médicas e registros de pacientes — podem analisar raios X, ressonâncias magnéticas e outros exames médicos com uma precisão notável, frequentemente superando as capacidades de diagnóstico dos médicos humanos. Essas inovações podem revolucionar os diagnósticos de precisão, facilitando a detecção precoce de doenças como a pneumonia e o câncer e apoiando os esforços globais de saúde, particularmente em áreas remotas com acesso limitado a cuidados especializados.

Os governantes de todo o mundo reconhecem cada vez mais a importância dos cuidados de saúde preventivos, em grande parte devido a seus benefícios econômicos. A IA é essencial para essa mudança, interpretando dados de dispositivos e sensores práticos para identificar sinais precoces de patologias, em particular condições cardíacas, evitando assim que problemas de saúde pouco significativos se tornem crises catastróficas. Além disso, os smartwat­ches e as pulseiras de fitness utilizam sistemas de rastreio alimentados por IA capazes de ­detectar uma potencial apneia do sono e de incitar os usuários a procurar aconselhamento médico antes de desenvolverem problemas de saúde mais graves.

É certo que a integração da IA nos cuidados de saúde provoca desafios significativos e levanta numerosas questões éticas. Para além de garantir a equidade, combater a parcialidade algorítmica e manter a privacidade e a segurança dos dados, é fundamental reconhecer que a IA não pode substituir o toque pessoal, essencial à prática clínica. Os profissionais de saúde devem liderar essa transição, utilizando as novas tecnologias para aumentar suas competências. Embora seja improvável que os chat­bots substituam os médicos e os enfermeiros dentro de um curto espaço de tempo, as ferramentas de IA já estão apoiando os prestadores de cuidados de saúde, melhorando a precisão dos diagnósticos e facilitando cuidados mais personalizados e com base em dados.

Tendo em conta que os desafios de saúde persistentes, principalmente doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, resultam frequentemente de um investimento inadequado na saúde pública e de uma falta de coesão social, sua resolução exige mais do que apenas soluções tecnológicas. Nesses casos, é necessário haver uma reforma abrangente das políticas nacionais de saúde.

Ao adotarmos tecnologias digitais emergentes de forma responsável e ética, podemos transformar a forma como diagnosticamos, tratamos e prevenimos as doenças, dando início a uma era de medicina fundamentada em dados, na qual os profissionais de saúde e os sistemas de IA trabalhem em conjunto para prestar melhores cuidados a todos. Mas, embora as máquinas possam ajudar, só nós, humanos, temos a capacidade de construir um futuro mais saudável.

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