Revista Exame

Com o governo fica mais fácil fundir com o Carrefour

Para levar adiante a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour, Abilio Diniz pode ter 4,5 bilhões de reais do BNDES — difícil é encontrar uma justificativa para o negócio

o empresário Abilio Diniz, sócio do Pão 
de Açúcar: as negociações com o BNDES começaram há pelo menos seis meses (Edu Lopes/Veja)

o empresário Abilio Diniz, sócio do Pão de Açúcar: as negociações com o BNDES começaram há pelo menos seis meses (Edu Lopes/Veja)

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Da Redação

Publicado em 8 de julho de 2011 às 08h23.

São Paulo - Desde que a notícia envolvendo a aproximação do empresário Abilio Diniz, sócio do Grupo Pão de Açúcar — maior rede de varejo do país, com faturamento de 37 bilhões de reais —, com o Carrefour vazou para a imprensa, no dia 22 de maio, banqueiros, advogados e investidores não têm feito outra coisa senão aventar possíveis desfechos para o negócio.

Nenhum deles, no entanto, mostrou-se tão preocupado quanto os franceses do Casino, que dividem com Abilio o controle da empresa. Pegos totalmente de surpresa, eles encomendaram ao banco de investimento Goldman Sachs um relatório com cenários prováveis de negociação tão logo souberam das conversas — e ainda despacharam executivos ao Brasil com a missão de investigar quais seriam as reais intenções de Abilio.

O clima de apreensão chegou ao fim na terça-feira 28 de junho, quando o Carrefour finalmente veio a público informar que, de fato, havia recebido uma proposta formal para fundir suas operações no Brasil com o Pão de Açúcar. O que ninguém, nem mesmo o Goldman Sachs, esperava eram os termos desse acordo.

Por meio da Gama, empresa que pertence ao banco BTG Pactual, seria formada uma nova holding, batizada de Novo Pão de Açúcar, que dividiria o controle da empresa resultante da fusão com o Carrefour. A holding abrigaria, além da Gama, o Casino, a família Diniz — e o BNDES.


O banco de desenvolvimento, financiado essencialmente por dinheiro público, desembolsaria quase 4,5 bilhões de reais para se tornar o segundo maior acionista do negócio, com 18% das ações (o primeiro seria o Casino, com 29,8%). É, de longe, o maior aporte já realizado pelo BNDES de uma só vez. O BTG, que pertence ao banqueiro André Esteves, entraria com 700 milhões de reais; e o Carrefour, com cerca de 1 bilhão.

Pelos termos do acordo, o Novo Pão de Açúcar deteria 11,7% das ações do Carrefour no mundo. "Depois de criar os ‘campeões mundiais’ de telefonia, celulose e carnes, parece que chegou a vez do varejo", diz Eduardo Giannetti da Fonseca, doutor em economia pela Universidade de Cambridge e professor do Insper, de São Paulo.  "Essa operação, no entanto, contraria qualquer lógica de mercado."

Ainda que não se saiba exatamente o fim dessa história — os acionistas de ambas as partes têm 60 dias para avaliar a fusão, e na data de fechamento desta edição Luciano Coutinho, presidente do BNDES, veio a público para comunicar que só entraria no negócio caso Abilio e Casino entrassem em acordo  —, o simples fato de o banco estatal ter aceitado participar da operação foi uma decisão, no mínimo, controversa.

Primeiro porque, ao contrário do que pregam autoridades do governo, não se trata, aqui, da criação de um "gigante nacional" — metade do controle da empresa resultante da fusão ficaria nas mãos dos franceses do Carrefour, enquanto o também francês Casino teria a maior fatia da holding que controlaria a outra metade.

O Novo Pão de Açúcar seria, portanto, uma empresa francesa. Depois, porque um aporte de um banco estatal sinaliza apoio irrestrito a uma manobra classificada como ilegal por um dos sócios envolvidos — o Casino acusa Abilio de negociar com o Carrefour sem consultá-lo previamente, o que feriria os termos do acordo de acionistas assinado em 2005.

A criação do que seria o terceiro maior grupo nacional, atrás somente da Vale e da Petrobras, atenderia acima de tudo, portanto, aos interesses de um indivíduo, Abilio Diniz, em sua cruzada para não perder o controle do Grupo Pão de Açúcar.

Vale lembrar que, segundo o acordo de acionistas assinado com o Casino, ele deve entregar o comando da empresa ao sócio francês em junho do ano que vem. “O ­BNDES está patrocinando uma quebra de contrato”, diz o economista Sérgio Lazzarini, professor de administração de empresas do Insper.


“Essa postura coloca em xeque a segurança jurídica brasileira justamente num momento em que o país precisa como nunca do capital internacional.” Só no ano passado, o Brasil recebeu 30,2 bilhões de dólares em investimento direto estrangeiro, 16% mais do que em 2009 e um recorde histórico. 

A despeito do discurso otimista do governo em favor das operações do BNDES — a ideia de "abrir as portas no exterior a produtos brasileiros", é bom que se diga, vem sendo empregada desde a criação da Ambev, no final da década de 90, e jamais saiu do papel —, os grandes negócios que tiveram o apoio público nos últimos quatro anos ainda não geraram os resultados prometidos, apesar das enormes cifras envolvidas (veja quadro).

A Oi, segunda maior empresa de telefonia do país, nasceu da fusão com a Brasil Telecom em abril de 2008 com o argumento de que era necessário criar uma gigante brasileira capaz de fazer frente ao avanço dos espanhóis da Telefónica e dos mexicanos da Claro e da Embratel.

Só nessa operação, o BNDES injetou 2,5 bilhões de reais e ficou com quase 17% da holding controladora da empresa — os sócios La Fonte e Jereissatti, controladores da Oi, investiram pouco mais de 600 milhões de reais.

Três anos após a operação, a Oi perdeu participação no Brasil, não entrou em nenhum mercado internacional e tem como principais acionistas os portugueses da Portugal Telecom. "Com tanta liquidez internacional, fica difícil entender por que o contribuinte brasileiro tem de subsidiar grandes empresas", diz o economista Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV.

Entre as dezenas de empresas agraciadas pelo BNDES nos últimos anos, nenhuma recebeu tanto dinheiro quanto o frigorífico JBS. Desde 2007, quando o banco estatal decidiu fazer do abatedouro goiano uma empresa global, foram investidos cerca de 7 bilhões de reais.

Se, por um lado, essa dinheirama financiou a aquisição do Bertin e das americanas Swift e Pilgrim’s Pride, fazendo da JBS a maior empresa de carnes do mundo, com faturamento de 55 bilhões de reais e 120 000 funcionários, por outro criou uma profunda dependência entre empresa e banco — no jargão americano, uma empresa too big to fail, ou grande demais para quebrar.


Em maio, depois que a crise internacional enterrou os planos do JBS de abrir o capital de sua operação americana, a família Batista, controladora do JBS, viu-se obrigada a emitir 3,4 bilhões de reais em ações para compensar o BNDES pelos títulos de dívida emitidos um ano antes.

A operação fez do banco o maior acionista individual da empresa, com 31% de participação — o JBS encerrou 2010 com prejuízo de 264 milhões de reais. “Se essas empresas tiverem problemas, o BNDES cobrirá o prejuízo com dinheiro do contribuinte”, diz Ricardo Amorim, da consultoria Ricam. "O governo está criando um enorme risco fiscal."

É cedo para saber se, de fato, o Grupo Pão de Açúcar aumentará a lista de investimentos do BNDES. A abertura de capital da operação colombiana do Casino, prevista para ocorrer em breve, deve deixar os franceses com dinheiro suficiente em caixa para fazer uma oferta pela parte de Abilio na empresa — algo em torno de 1,4 bilhão de dólares.

Outra possibilidade é a americana Walmart voltar a fazer uma oferta pelo Carrefour no Brasil, algo esperado pela rede francesa. De qualquer forma, o interesse demonstrado pelo BNDES em fazer avançar o negócio à custa de dinheiro público — Luciano Coutinho, presidente do banco, vem negociando a fusão das duas empresas com Abilio há pelo menos seis meses — não deixa de ser um sinal do caminho perigoso que vem sendo trilhado pela economia brasileira.

Garantir a igualdade de direitos e a boa gestão do dinheiro público é — e continua­rá sendo — alicerce fundamental de qualquer democracia de respeito.
 

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