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Com modelo “antiquado”, CVC vai bem na maior crise brasileira

A chegada dos sites de turismo acabou com centenas de empresas do setor. Analistas acreditavam que esse seria o destino da maior agência de viagens do país

Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC: eu mandato na empresa vai até 2019 (Germano Luders/Exame)

Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC: eu mandato na empresa vai até 2019 (Germano Luders/Exame)

PV

Patrícia Valle

Publicado em 10 de maio de 2017 às 05h55.

Última atualização em 10 de maio de 2017 às 05h55.

São Paulo — A tecnologia está transformando tantos negócios que virou moda decretar o fim de certas empresas logo que surgem seus concorrentes do mundo digital. Não é à toa: alguns ícones do mundo corporativo acabaram assim mesmo. A locadora de filmes BlockBuster, que chegou a ter 9 000 lojas espalhadas pelo mundo, faliu em 2013 pouco depois da criação da Netflix, que no início enviava filmes pelo correio e hoje virou uma empresa totalmente digital. Grandes redes de livrarias americanas sucumbiram ao estrondoso sucesso da Amazon. E por aí vai.

Assim como as pessoas pararam de ir às locadoras, pareceria natural que deixassem também de comprar passagens aéreas e reservar hotéis indo a uma agência de viagens. O surgimento de sites de turismo acabou mesmo com centenas dessas empresas no exterior, e muitos analistas acreditavam que esse seria o destino da CVC, maior agência de viagens do Brasil. Quando a companhia estava prestes a abrir o capital, em 2013, foi questionada sobre a ameaça da internet, e as ações foram vendidas abaixo da pretensão inicial dos controladores. Mas os últimos resultados mostram que aquele pessimismo todo era um tanto exagerado. Ser “arcaica” está, paradoxalmente, ajudando a CVC.

Em plena crise, o lucro da operadora de turismo aumentou 10% no ano passado, enquanto as receitas cresceram 3% e chegaram a 1 bilhão de reais. Embora não sejam números de cair o queixo, ganham certo destaque quando se constata que as vendas do varejo brasileiro caíram 6%. O modelo de negócios da CVC representou uma vantagem em meio à recessão. Para horror de muitos turistas mais antenados, a especialidade da empresa é vender pacotes fechados — quatro dias em Cancún, três em Foz do Iguaçu, cinco em Orlando, com dias fixos para partir e chegar e passeios incluídos.

Na grande maioria das agências e dos sites, os clientes escolhem quando querem ir e onde ficar, com mais opções à disposição. A função do agente é inventar um pacote de acordo com a demanda do cliente. Mas não é assim na CVC. Por ter um padrão e ser a maior agência de viagens do país, a empresa consegue reservar grandes quantidades de passagens e quartos numa mesma data, aumentando seu poder de negociação com os fornecedores.

Em tempos normais, a CVC consegue os melhores preços fora da temporada, quando os hotéis estão vazios; e seus donos, apavorados. Numa crise, essa mesma estratégia pôde ser estendida para datas mais nobres. “Nessa hora, ser grande ajuda”, diz Luiz Eduardo Falco, presidente da CVC, que chegou a fechar resorts inteiros na recessão para conseguir preços menores. Além disso, com a desvalorização do real, os brasileiros passaram a viajar mais dentro do país, onde o poder de fogo da CVC é maior.

A dificuldade de crédito também favoreceu a empresa. Na maioria dos sites, o pagamento é feito com cartões de crédito, e muitas famílias ficaram sem limite, enquanto a CVC aceita pagamentos em parcelas de boleto bancário — hoje, esse meio representa cerca de 30% das vendas. O bom desempenho fez as ações da CVC subir 61% nos últimos 12 meses, enquanto o Ibovespa valorizou 19%.

Nova fórmula

Que o modelo de negócios da CVC se mostrou vencedor na recessão ninguém duvida. Mas a empresa precisará de outra fórmula quando o mercado mudar. Hoje, 60% das vendas da empresa vêm das lojas, mas o segmento do mercado de turismo que mais cresce no mundo é o online — na Europa, responde por 50% do total de vendas; nos Estados Unidos e no Canadá, por 45%. O percentual é menor no Brasil, de 35%, mas vem aumentando: em 2014, estava em 26%. Falco admite que a empresa está “devendo uma solução para a internet”. “O modelo de fora não é lucrativo aqui, porque é preciso investir o dobro em marketing para ter o mesmo resultado de vendas. Então não podemos seguir um caminho que já sabemos ser problemático.”

A americana Priceline, dona do site de reservas de hotéis Booking.com, é lucrativa, mas analistas atribuem isso ao fato de o consumidor ser diferente. “No Brasil, há um número grande de pessoas com mais de 50 anos ou que está viajando pela primeira vez e que busca a assessoria tradicional de um agente de viagens numa loja. Esse mercado deverá durar por mais dez anos e ter um pequeno crescimento.

Lá fora, já está estagnado e perdendo espaço para a internet”, diz Carolina Haro, sócia da consultoria Mapie, especializada em turismo. No Brasil, o site de reservas Hotel Urbano chegou a ser líder do mercado de turismo online. Fundos estrangeiros tornaram-se sócios da empresa, que foi avaliada em 2 bilhões de reais, mas desavenças entre investidores e fundadores levaram a companhia a encolher e dar prejuízo.

Os fundadores compraram o site de volta e estão criando uma nova estratégia. Lucro, claro, o Hotel Urbano nunca deu. Com os canais CVC.com e Submarino Viagens (este último comprado em 2015), a CVC é somente a quinta maior agência online do país. O Submarino deu prejuízo nos últimos 12 meses. A CVC.com, que vende pacotes, é lucrativa, mas a margem é menor do que a do segmento tradicional — e esse site responde por apenas 3% das vendas da empresa.

Os críticos da CVC dizem que a empresa não está investindo como deveria na internet porque seus executivos não querem comprometer os resultados de curto prazo. Depois da saída do fundo de investimento Carlyle do capital da empresa, em agosto do ano passado, por meio de uma oferta de ações, a CVC passou a ter o controle pulverizado na bolsa. Hoje, o maior acionista é Guilherme Paulus, que fundou a companhia em 1972 e tem 8% das ações. Falco tem contrato para permanecer como executivo até julho de 2019 e depois irá para o conselho.

No dia 29 de março, o conselho de administração da CVC propôs aos acionistas a criação de um programa de remuneração em ações para a cúpula da empresa, avaliado em 41,6 milhões de reais — o que aumentaria as despesas em 23,1 milhões de reais em 2017. Os acionistas chiaram e, no dia 28 de abril, um novo plano foi aprovado, limitando o total de ações a ser distribuídas.

Como acontece com qualquer empresa que precise mudar seus canais de venda, a CVC tem de andar numa linha tênue rumo ao futuro digital — sem comprar uma briga com sua rede de franqueados, que hoje responde por 50% das vendas. Em abril, a empresa começou a testar um modelo para dividir as receitas de seu site com as lojas. Os vendedores das franquias próximas ao endereço do comprador do site recebem uma comissão e ficam responsáveis por assessorá-lo e tirar eventuais dúvidas.

O modelo procura evitar brigas como as que aconteceram no ano passado, quando alguns dos principais franqueados tiveram seu contrato cancelado. A CVC alega que eles não conseguiram cumprir as metas de vendas, o que, por contrato, abre espaço para o rompimento. Já os franqueados dizem que a CVC fixa metas impossíveis de ser cumpridas para conseguir rescindir contratos que não considera vantajosos.

Alguns casos foram parar na Justiça. “A empresa mudou muito nos últimos anos e hoje é mais agressiva na busca por resultados”, diz Guilherme Paulus, que atualmente é presidente do conselho da CVC. “É normal que haja certa nostalgia entre aqueles que trabalham há mais tempo com a CVC, mas hoje a empresa precisa prestar contas aos acionistas.” No último ano, a conta fechou com folga — o futuro fica para depois.

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