Máquinas de venda de Coca-Cola: consumidores americanos achavam que cada lata tinha 900 calorias — quase sete vezes mais do que de fato contém (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 31 de janeiro de 2013 às 05h00.
Nova York - A cada ano a americana Coca-Cola gasta mais de 3 bilhões de dólares em propaganda para manter sua marca centenária no topo da lista das mais valiosas do planeta. Tornaram-se clássicas suas campanhas com crianças sorridentes ou ursos-polares que se divertem — e, claro, tomam uns goles do refrigerante.
Neste início de ano, porém, a empresa decidiu mudar o tom e a mensagem de maneira inédita. Pela primeira vez em sua história, pôs no ar nos Estados Unidos um anúncio em que discute por 2 minutos um assunto que cada vez mais coloca seu principal produto na berlinda — a obesidade. Num tom solene, uma voz feminina descreve o esforço da companhia para lançar versões da bebida com menos calorias e deixar mais visível para os consumidores a quantidade de açúcar presente em cada lata.
Também mostra que patrocina a pesquisa de novos adoçantes naturais e não está mais abarrotando as geladeiras de lanchonetes das escolas só com refrigerante mas também com sucos e chás. Depois de fazer um mea culpa, a empresa divide a responsabilidade com os consumidores e conclui: "Todas as calorias contam. Se você bebe e come mais calorias do que queima, você vai engordar".
Outro anúncio na mesma linha, com duração de 30 segundos, foi ao ar nos intervalos do programa de calouros American Idol, um dos campeões de audiência nos Estados Unidos. Com o slogan "Be Ok" (ou "Fique bem"), mostra opções para queimar as calorias contidas numa lata do refrigerante — como passear com o cachorro, jogar boliche ou andar de bicicleta. Uma campanha com o mesmo mote também foi lançada no Brasil.
Maior produtora mundial de bebidas, a Coca-Cola parte para essa estratégia radical em meio a uma das maiores crises de imagem da indústria de refrigerantes. Em 2012, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, aprovou uma medida para banir a venda de bebidas açucaradas em copos com mais de 473 mililitros em bares e lanchonetes.
Para Bloomberg, os copões estão entre os responsáveis pela obesidade na cidade — onde 58% dos adultos estão acima do peso. Pelas contas do prefeito, doenças associadas à obesidade custam 4 bilhões de dólares por ano a Nova York.
A proibição deve entrar em vigor em março. Segundo Diana Garza Ciarlante, vice-presidente mundial de relações públicas da Coca-Cola, a campanha não é só uma reação ao cerco em torno do produto e sim parte da estratégia da empresa. "Nossos esforços não param aqui. Vamos continuar a educar, inovar e ajudar as pessoas a ter uma vida saudável", afirmou Diana num comunicado.
Lembrar os consumidores de que refrigerantes engordam não parece uma tática muito recomendável. À primeira vista, a decisão contraria os manuais de marketing que mandam associar uma marca só a características positivas — e deixar para lá o que parecer desabonador. Esse princípio guiou as empresas sob ataque nos últimos anos, como a indústria do tabaco.
Mesmo com evidências do mal que o cigarro causava à saúde, as campanhas da indústria passaram anos a fio sem tocar no assunto até ser banidas do rádio e da TV em muitos países. Em vez de rebater diretamente as críticas, outras empresas costumam desviar a atenção para medidas politicamente corretas que tomam em outras frentes.
O varejista Walmart, constantemente atacado pela maneira com que lida com trabalhadores e fornecedores, anunciou em janeiro que pretende contratar 100.000 veteranos de guerra, além de comprar mais produtos fabricados nos Estados Unidos. Tudo isso logo após acusações de corrupção e mais uma onda de conflitos com funcionários exigindo melhores condições de trabalho.
A Pepsico, fabricante de duas categorias cada vez mais perseguidas — refrigerantes e salgadinhos —, também se esforçou recentemente para promover atividades consideradas responsáveis. Em 2010, após 23 anos ininterruptos, cancelou o anúncio da Pepsi no Super Bowl, final do futebol americano e filé do mercado publicitário do país, em favor de uma campanha para investir 20 milhões de dólares em projetos para comunidades pobres. Não deu certo. Ao perder participação de mercado para a líder Coca-Cola, logo voltou aos anúncios tradicionais.
Até agora a própria Coca vinha seguindo caminho parecido: fugia do debate e tentava brilhar em outra seara. O urso-polar, protagonista de muitas de suas campanhas, tornou-se símbolo de seu ativismo ambiental. Em 2011, a empresa investiu 3 milhões de dólares para salvar os ursos no Ártico. Mas, segundo especialistas, a situação chegou a um extremo em que a empresa tinha mais a perder do que a ganhar ao não encarar a obesidade.
Pesquisas mostraram que, em meio à polêmica, alguns americanos achavam que cada lata de Coca tinha 900 calorias — quase sete vezes mais do que de fato contém. "Por vezes é melhor falar abertamente do que deixar a discussão crescer sem controle", diz Kamel Jedidi, professor de marketing da Universidade Columbia.
Ainda assim a campanha não agradou a todos. “É uma defesa da companhia e não uma tentativa de promover a saúde pública”, afirma Jeff Cronin, diretor da organização Center for Science in the Public Interest, que monitora a qualidade da alimentação dos americanos. Uma paródia já circula na rede.
"Se você quer uma vida saudável, não beba nossos produtos", diz o narrador. A campanha contra tem surtido efeito. A venda de refrigerante nos Estados Unidos cai em média 1% por ano. A bebida ainda representa 60% das vendas da Coca-Cola, mas a diversificação da linha de produtos segue acelerada.
Em dezembro, a empresa comprou a marca de bebidas lácteas americana Core Power — que descreve seus produtos como os ideais para os "entusiastas da saúde". A Coca-Cola sabe, afinal, que a guerra contra a maior crise de imagem de sua história não vai ser ganha só na base do marketing.