Revista Exame

Clube dos ex-bilionários cresce sem parar no Brasil

Uma combinação de bolsa em baixa com dólar em alta e metas não atingidas reduziu as fortunas de dezenas de empresários brasileiros


	Aberturas de capital da AGX, da Grendene, do Marfrig e da Arezzo: os sorrisos ficaram para trás
 (Fernando Cavalcanti/Exame)

Aberturas de capital da AGX, da Grendene, do Marfrig e da Arezzo: os sorrisos ficaram para trás (Fernando Cavalcanti/Exame)

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Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2016 às 12h41.

São Paulo — O Brasil viu nascer uma nova geração de empresários na última década. Entre 2004 e 2015, 115 empreendedores aproveitaram a expansão do consumo e dos investimentos para levar seus negócios à bolsa. Boa parte deles foi premiada com a multiplicação de sua fortuna — entrou para o clube dos bilionários, dando um sopro de renovação a uma lista que tinha os mesmos nomes desde sempre.

Com capital abundante e planos ambiciosos de expansão, a expectativa era enriquecer ainda mais — a si mesmos e a seus acionistas — vendendo apartamentos, xarope para tosse, picanha, sapatos, seguros. Com o real valorizado, essa turma começou a frequentar as listas das maiores fortunas do planeta.

Em 2010, o Brasil tinha 18 bilionários na lista da revista americana Forbes. Em 2014, eram 65. O problema é que, do ano passado para cá, uma combinação perversa de bolsa em baixa com dólar em alta dizimou o valor dessas empresas — e, consequentemente, a fortuna desses empresários. O que mais cresce no Brasil, agora, é o clube dos ex-bilionários.

Um levantamento feito por EXAME revela o tamanho do tombo. No total, 32 empresários da “geração IPO” entraram na lista dos bilionários. No melhor momento de cada um, os 32 chegaram a acumular uma fortuna total de 73 bilhões de dólares em ações de suas companhias. Hoje, as participações somadas valem “apenas” 11 bilhões de dólares.

Alguns viram sua fortuna encolher mais de 90%. Em 2010, Eike Batista chegou a ter mais de 20 bilhões de dólares em ações. Hoje, as participações na petroleira OGX, na mineradora MMX, no estaleiro OSX e na empresa de carvão CCX valem pouco mais de 30 milhões de dólares. A queda foi de 99%.

Josué Gomes da Silva, dono da fabricante de têxteis Coteminas, perdeu 98% de seu patrimônio em dólares. Há sete anos, tinha 1,2 bilhão de dólares. Hoje, 20 milhões. Os quatro irmãos Constantino, donos da companhia aérea Gol, chegaram a ter 9 bilhões de dólares em ações em 2006 — hoje têm pouco mais de 250 milhões.

Uma queda de 97%. O clã Auriemo, da empresa de imóveis JHSF, perdeu 89% — queda similar à da fortuna de Marcos Molina, dono da empresa de alimentos Marfrig. No total, 15 empresários e suas famílias saíram do time dos bilionários em dólar nos últimos anos.

E todos os 32 empresários analisados por EXAME, sem exceção, estão centenas de milhões de dólares distantes de seu melhor momento. (O quadro ao lado mostra quanto cada empresário perdeu desde o auge de suas empresas na bolsa. Vale notar que a fortuna deles pode ser muito maior, já que o levantamento não inclui nenhum outro bem que não as ações.)

Mercado implacável

Em alguns casos, o maior responsável pela queda é realmente o dólar fora de controle. A seguradora Porto Seguro, por exemplo, deu um retorno 700 pontos percentuais acima do Ibovespa desde que foi à bolsa em 2004, de acordo com a consultoria Economatica. Ainda assim, o fundador Jayme Garfinkel perdeu 600 milhões de dólares nos últimos meses.

Mas muita gente ficou mais pobre (ou menos rica) porque o mercado é implacável com empresas que não cumprem o que prometem. Claro, o inacreditável Eike Batista é o maior exemplo. E as empresas de construção não ficam atrás. Os exemplos estão por toda parte.

Meyer Nigri, controlador da Tecnisa, viu sua fortuna encolher de 670 milhões de dólares, em 2011, para os atuais 75 milhões, em parte porque a margem líquida encolheu de 15% para 6%, e os lançamentos anuais caíram de 2 bilhões de reais para zero. Desde que abriu o capital em 2007, a Tecnisa rendeu 75 pontos menos do que o Ibovespa.

Elie Horn, fundador da Cyrela e tido como o melhor gestor de seu setor, tinha 1,8 bilhão de dólares. Hoje, sua participação vale 290 milhões de dólares. Sair do ranking das maiores fortunas do planeta não é um problema apenas para o ego desses empresários. É possível que o dia a dia de um ou de outro seja afetado, já que alguns dos brinquedos favoritos da turma são cotados em dólar.

Alexandre Grendene, dono da fabricante de calçados Grendene, comprou no início do ano um iate avaliado em 70 milhões de euros — se tivesse esperado alguns meses, teria de pagar 100 milhões de reais a mais. Mas o impacto real está no poder de fogo das companhias. Quem está exposto à variação cambial sofre duplamente — tanto no patrimônio quanto na capacidade da empresa.

A Gol, que paga suas aeronaves e seu combustível em dólar, viu o prejuízo crescer de 490 milhões de reais, nos primeiros nove meses de 2014, para 3,2 bilhões, em 2015. A queda do poder de compra também dificulta a vida de empresas com planos de investir no exterior e fragiliza as companhias numa possível oferta hostil de compra feita por investidores ou concorrentes com dólares nas mãos.

Um pequeno grupo de empresários, porém, é beneficiado pela situação, mesmo que tenha perdido uma fortuna em dólar — são aqueles que conseguem boa parte do faturamento no exterior. O maior exemplo é a família Batista, dona do frigorífico JBS, que tem 80% do faturamento em moeda estrangeira.

No terceiro trimestre deste ano, o faturamento cresceu 40% em relação ao ano passado, e o lucro operacional triplicou. A fortuna da família controladora caiu de 4 bilhões de dólares para 3,5 bilhões ao longo de 2015. O empresário que decide abrir o capital de sua empresa perde a privacidade. Seu patrimônio passa a variar a cada segundo — e à vista de todos. Seu sucesso acaba sendo potencializado.

E o fracasso também. Apesar do tropeço recente, o grupo retratado nesta reportagem está, sem dúvida, no time dos vencedores. Abrir o capital na bolsa e se provar, trimestre após trimestre, ao longo de uma década, com juros e inflação em alta, é um desafio astronômico. Prova disso é que muitos empresários brasileiros, nos últimos anos, tentaram ter sucesso na bolsa, mas ficaram pelo caminho.

“É uma geração vitoriosa, que aprendeu a ganhar dinheiro se financiando pelo mercado”, afirma Marcelo Kayath, diretor do banco Credit Suisse. “Entrar e sair da lista dos bilionários é natural. Os bons empresários vão voltar para lá em pouco tempo.” O pequeno investidor dessas empresas, que de bilionário não tem e nunca teve nada, está na torcida também.

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