Eficiência: em Juruti, no Pará, a produtora de alumínio Alcoa ajuda a prefeitura a melhorar a qualidade do gasto público (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2014 às 17h33.
São Paulo - Francisco Alves Ferreira, um tocantinense de 35 anos, entrou para o mundo do empreendedorismo em 2008. Na época, ele trabalhava numa loja de material de construção em Pedro Afonso, cidade de 12 500 habitantes a 170 quilômetros de Palmas, capital de Tocantins. “O dono da loja morreu, e os herdeiros decidiram passar a empresa adiante”, afirma Ferreira.
“Achei que era uma boa oportunidade para ter meu próprio negócio.” O começo foi difícil. Suas responsabilidades passaram a ir além de atrair a clientela e fechar boas vendas — foi preciso aprender a administrar uma empresa com dois funcionários, negociar com fornecedores, gerenciar estoques e cuidar das finanças.
“Eu não tinha nenhuma formação em administração”, diz Ferreira. “Apanhei muito e fiz algumas trapalhadas.” As coisas só melhoraram em 2009, quando a multinacional americana de agronegócio Bunge começou a investir 600 milhões de reais na construção de uma usina de açúcar e etanol em Pedro Afonso.
Com as vendas de material para as obras, as receitas da loja de Ferreira aumentaram 70%, chegando a 120 000 reais mensais. Não foi o único impulso para o negócio.
Ferreira passou a frequentar cursos de administração oferecidos gratuitamente pela Bunge aos empreendedores da cidade. Nos últimos quatro anos, ele teve aulas de gestão de pessoas, planejamento financeiro, administração de tributos e técnicas de liderança. “Hoje, tenho uma empresa mais próspera e lucrativa”, afirma Ferreira.
Desde 2010, a Bunge investiu mais de 4 milhões de reais em projetos de apoio ao empreendedorismo e treinamento de mão de obra em Pedro Afonso — até o fim do próximo ano, mais 1 milhão de reais deverá ser aplicado nessas iniciativas. O objetivo é aumentar a produtividade dos fornecedores locais e diminuir a informalidade, um problema comum nos rincões do país.
“A Bunge tem como política comprar produtos e serviços apenas de empresas que cumpram as formalidades trabalhistas e tributárias”, diz Claudia Calais, diretora executiva da Fundação Bunge. “Nosso trabalho é ajudar os empreendedores locais a registrar e a profissionalizar seus negócios. Assim, eles podem fazer parte da cadeia que abastece nossa empresa.”
Um dos resultados é que, desde 2009, o número de empresas formais aumentou quase 20% em Pedro Afonso. Um projeto semelhante começa a ser desenvolvido em Itaituba, no Pará, onde a Bunge está concluindo a construção de um porto fluvial para o escoamento de grãos. “Mais de 60% dos negócios nessa parte do Pará são informais”, diz Claudia. “Vamos trabalhar para os donos dessas empresas se legalizarem.”
Infraestrutura
Casos como o de Pedro Afonso e Itaituba tornaram-se comuns à medida que a economia do interior do país se desenvolveu. As pequenas cidades crescem em um ritmo mais acelerado do que o das capitais. Segundo estudo do banco Itaú BBA, de 2007 a 2011 o PIB das cidades do interior cresceu 4,8% ao ano, acima da expansão média de 4% das capitais.
Os dados também indicam que, no período, a participação da indústria na economia dos municípios interioranos aumentou quase 2 pontos, para 17,5%. Além disso, o interior começa a receber investimentos pesados em infraestrutura — quatro das dez maiores obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento 2 estão sendo construídas em áreas do Norte e do Nordeste distantes dos grandes centros.
“Nos últimos anos, o Brasil viveu um período de expansão para o interior”, diz Mario Monzoni, diretor do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, responsável pela metodologia do Guia EXAME de Sustentabilidade, o maior levantamento de responsabilidade corporativa do país. O anuário, em sua 15ª edição, será lançado no início de novembro.
O que torna este momento diferente de outros também marcados pela marcha de empresas e investidores para pontos distantes é que, agora, as companhias estão mais preocupadas com situações que possam manchar sua imagem. “As grandes companhias hoje precisam manter uma rede de relacionamento global, envolvendo instituições de financiamento, clientes e acionistas”, afirma Monzoni.
“É importante afastar riscos à reputação, como sonegação fiscal ou trabalho ilegal, em algum ponto da cadeia.” Uma empresa que vem se beneficiando desse movimento é a Diagonal, consultoria paulistana especializada em projetos de integração entre grandes empreendimentos e comunidades.
Desde 2007, sua clientela — hoje formada por companhias como a Bunge, a construtora Odebrecht, a cimenteira Votorantim e a Petrobras — quintuplicou. “No passado, as empresas que investiam nas fronteiras do país se isolavam da comunidade. Os funcionários moravam em vilas separadas”, afirma Katia Mello, presidente da Diagonal. “Hoje, a principal preocupação é evitar a criação de uma ilha de prosperidade em meio à miséria.”
O resultado é uma espécie de choque de capitalismo nos pequenos municípios que recebem grandes projetos. Ao fortalecer a economia local, as empresas diminuem as mazelas que costumam surgir quando investimentos vultosos são destinados a localidades.
Veja o caso da Fiat. A montadora italiana está construindo uma fábrica com capacidade para produzir 250 000 veículos por ano em Goiana, no interior pernambucano. Contratou 7 000 operários para as obras, ajudando a elevar o nível de emprego formal na cidade. Com 78 000 habitantes, Goiana tem hoje cerca de 12 400 trabalhadores com carteira assinada, 30% mais do que em 2009.
Em casos assim, é comum que, terminada a obra, parte do pessoal fique desempregada, ao mesmo tempo que a empresa se vê obrigada a atrair funcionários mais qualificados para as linhas de produção. Para evitar essa situação, a Fiat desenvolveu um programa de qualificação para que peões da construção possam trabalhar como metalúrgicos quando a fábrica estiver pronta.
Outro exemplo é o do porto privado construído em Itapoá, cidade de 17 000 habitantes no litoral nordeste de Santa Catarina. Inaugurado em 2011, o empreendimento gerou 600 postos de trabalho diretos e 3 000 indiretos, além de levar para a cidade um tráfego pesado de caminhões.
A empresa Porto Itapoá está ajudando a prefeitura na elaboração de um plano diretor, que agora precisa levar em conta as pressões na infraestrutura provocadas pelo terminal. “Temos consciência do impacto de nosso negócio numa cidade como Itapoá”, diz Patrício Junior, presidente do porto, que tem como acionistas o grupo Battistella e as empresas de logística Aliança e Logz.
Investimento público
Outro problema frequente nas cidades interioranas agraciadas com a chegada de uma grande empresa é o súbito enriquecimento dos cofres municipais — isso tanto pode ser uma bênção, caso os recursos sejam usados para melhorar os serviços públicos, quanto uma maldição, uma vez que maus gestores serão mais tentados a praticar desvios.
Para tentar garantir um bom uso da riqueza que está gerando na forma de tributos, a mineradora americana Alcoa está desenvolvendo um projeto institucional em Juruti, cidade às margens do rio Amazonas, no oeste paraense, onde abriu uma mina de bauxita em 2009.
A empresa criou um comitê que reúne alguns de seus executivos e representantes do poder público e da comunidade local para discutir alternativas de desenvolvimento sustentável e debater a melhor maneira de aplicar os impostos. Além disso, montou um fundo de 2 milhões de reais para atender às necessidades dos projetos — 40% desse valor já foi destinado a 21 iniciativas.
Parte dos recursos começou a ser usada recentemente para incentivar o aumento na produção de castanha e de babaçu, matérias-primas florestais que interessam à fabricante de cosméticos Natura.
“Nosso propósito é ajudar Juruti a diversificar as atividades econômicas para não sofrer uma excessiva dependência da mineração”, afirma Fábio Abdala, gerente de sustentabilidade da Alcoa. A bênção, afinal, não pode virar uma maldição.