Revista Exame

Chocolate amargo

Sócio contra sócio, perda de faturamento e de mercado. Eis a receita da Garoto para uma boa crise

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2011 às 09h02.

No dia 22 de julho, por volta das 14 horas, o empresário capixaba Helmut Meyerfreund aguardava a chegada de nove membros de sua família para uma assembléia geral extraordinária dos acionistas da Chocolates Garoto, que comanda desde 1972. A reunião fora convocada pelos nove, todos integrantes do conselho de administração da empresa. O objetivo era avaliar o desempenho da atual diretoria. Mas os parentes não apareceram. Mandaram em seu lugar o advogado paulista Renato Ochman.</p>

Na sala de reuniões do segundo andar da sede da Garoto, em Vila Velha, no Espírito Santo, Ochman apresentou uma procuração outorgada pelos acionistas. Também anunciou que a avaliação já estava feita. E que ia comunicá-la a Helmut. Estupefato, Helmut, 63 anos, ouviu que a partir daquele momento fora destituído da presidência da empresa e do conselho de administração da Garoto. Seu filho Victor e um executivo de confiança também perderiam seus empregos. O primo Klaus Zennig e o sobrinho Paulo Meyerfreund, filho de seu irmão mais velho, Ferdinand, assumiriam as funções de Helmut.

O que está acontecendo na maior fabricante de chocolates de capital nacional? Trata-se de uma típica briga de empresa familiar, na qual negócios e ressentimentos se misturam como leite e cacau, as matérias primas do chocolate produzido pela Garoto. Nos últimos 26 anos, Helmut, um agitado senhor louro de olhos azuis e que cultiva um forte sotaque alemão a despeito de ter nascido no Espírito Santo, presidiu e personificou a Garoto.

Sob sua batuta, a empresa passou, nesse período, de um faturamento de 8 milhões de dólares para 494 milhões em 1996. E mais: sobretudo na década de 90, alternou-se na liderança do setor com a Nestlé e a Lacta. Em 1997, as dificuldades começaram: as vendas caíram para 391 milhões de dólares. A Garoto perdeu participação, passando de 30% para 20% do total das vendas de chocolates no Brasil, um mercado que movimenta 2,4 bilhões de dólares por ano. Foi a senha para que os demais acionistas, que juntos detêm 59,8% do capital, resolvessem intervir. O articulador foi Zennig, filho do falecido Günther, cunhado e sócio do fundador Henrique Meyerfreund.

O golpe palaciano instaurou um clima de guerra entre os Meyerfreund. Zennig, 40 anos, e seu grupo publicaram anúncios nos jornais dizendo que a Garoto estava sendo disputada judicialmente. Helmut não aceita a destituição. "Não quero entregar tudo que construí em 34 anos de trabalho para pessoas que não têm capacidade de gerir o negócio", afirma. Zennig, por sua vez, afirma que seu primo não soube conduzir a empresa após a abertura do mercado e a chegada de novos concorrentes. "O senhor Helmut só queria investir em máquinas, mas deixou o marketing e a área comercial de lado", diz Zennig.


Não foi somente a perda de mercado que acirrou os ânimos da família. Helmut vinha preparando um de seus filhos, Victor, 34 anos, para sucedê-lo e isso não agradou aos outros acionistas. "Meu tio sempre tratou a empresa como se fosse somente dele", afirma Paulo, 30 anos, escolhido pelos dissidentes para ser o presidente do conselho de administração. Ele trabalhou como engenheiro na empresa até 1996, quando saiu para montar um negócio na área de cerâmica que ainda está no papel. Outros parentes passaram pela Garoto, mas atualmente só Helmut e Victor trabalham lá.

A Garoto vive a peculiar situação de ter dois dirigentes. Zennig já se apresenta como diretor executivo e anuncia planos para reestruturar a empresa assim que tomar posse. Mas Helmut é quem continua à frente da Garoto, graças à demora da Junta Comercial do estado em permitir a troca de comando. A repartição encontrou erros burocráticos no edital de convocação da assembléia e não aceitou a mudança. Os dissidentes recorreram. Se ganharem, assumem a empresa. Em caso contrário, realizam uma nova assembléia, dessa vez conforme os parâmetros desejados pela Junta.

As raízes da disputa devem ser procuradas no passado. A convivência entre os descendentes de Henrique Meyerfreund, um imigrante alemão que chegou ao Brasil após a Primeira Guerra Mundial, sempre foi fria. Na melhor das hipóteses, protocolar. Helmut foi escolhido para suceder o pai e ficou seis anos na Alemanha estudando engenharia mecânica. O patriarca deu-lhe 40,2% do capital da companhia, fundada em 1929. O primogênito Ferdinand, engenheiro químico, ficou com 33%. O restante foi dividido entre a madrasta Edith e a família Zennig. Margot, meia-irmã de Helmut e Ferdinand, também tem uma pequena participação.

Explica-se a frieza no relacionamento familiar. Não é a primeira vez que os Meyerfreund se dividiram por causa dos negócios. Em 1971, com o apoio dos parentes, Helmut destituiu Ferdinand da diretoria da empresa. Desde então, os irmãos limitaram seus contatos às assembléias e reuniões do conselho de administração. Eles pouco se falaram nos anos seguintes. "Nas poucas vezes que conversaram acabaram brigando", diz um interlocutor com trânsito em ambas as facções.


A derrubada da facção de Helmut começou a ser planejada em novembro de 1997 por Zennig. Admirador de motocicletas importadas, formado em administração de empresas, casado e pai de três filhos, ele trabalhou na Garoto até o início do ano passado, como diretor de RH. Segundo ele, resolveu desligar-se para passar mais tempo com a família. Alguns meses depois, quis voltar à empresa, mas foi barrado por Helmut. "Eu só queria dar conselhos", diz Zennig. Como não foi atendido, começou a procurar os demais conselheiros e a angariar seu apoio.

Cada um dos lados tem usado os números da Garoto a seu favor. Zennig argumenta que o faturamento da empresa não chegará a 300 milhões de dólares em 1998. Helmut, por sua vez, assegura que até outubro já foram fechadas vendas de 325 milhões. Ele e seu filho Victor, atual diretor comercial, admitem que a Garoto enfrentou problemas. "A empresa estava lenta e pouco competitiva, mas isso já está sendo superado", afirma Helmut.

Para Helmut e Victor, a Garoto está mais ágil, sendo capaz de lançar um novo produto em dois meses, quando antes fazia não mais que dois lançamentos por ano. Voltou a investir em propaganda - no segundo semestre deste ano os gastos chegarão a 8 milhões de dólares, o dobro do desembolsado em todo o ano passado. O lucro de 1998 será, de acordo com suas previsões, 50% maior que os 7 milhões de dólares de 1997.

Mas, sem o apoio dos outros acionistas, os dias de Helmut parecem estar contados na empresa. Ele imprimiu à companhia um estilo germânico de simplicidade e disciplina. Durante muito tempo, sua jornada começava às 7 horas e se estendia até a noite. Até o fim de 1994, quando sua filha Jeannette foi seqüestrada, Helmut costumava ir trabalhar de bicicleta.

Qual será o futuro da Garoto? O mercado de chocolates já viu uma disputa semelhante. Aconteceu na Lacta, que acabou vendida para a Philip Morris. Multinacionais, como as americanas Hershey e Mars, já fizeram ofertas pela Garoto, atraídas pela combinação de uma marca forte, boa saúde financeira e equipamentos de última geração. Mas os acionistas sempre resistiram à venda. Caso as brigas persistam, não se sabe por quanto tempo mais poderão manter essa postura.

Acompanhe tudo sobre:AlimentaçãoEmpresasEmpresas familiaresEmpresas suíçasGarotogestao-de-negocios

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon