Xi Jinping é recebido por Hassan Rouhani: os dois países estão no centro da turbulência da economia global (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 14 de março de 2016 às 11h03.
Sao Paulo — A foto ao lado, tirada no final de janeiro, mostra Xi Jinping, presidente da China, em visita a Teerã junto a Hassan Rouhani, presidente do Irã. A viagem do líder chinês ao Oriente Médio, sua primeira, também incluiu a Arábia Saudita e o Egito e estava programada há meses.
Mas, por coincidência, acabou reunindo os líderes dos dois países que fizeram do começo de 2016 um dos inícios de ano mais conturbados dos últimos tempos. Ao longo de janeiro, as principais bolsas de valores do mundo desabaram, e o preço do barril do petróleo foi negociado abaixo do patamar de 30 dólares.
Com essa arrancada nervosa, o medo sobre o futuro da economia global só fez aumentar — má notícia para todo mundo, claro, mas especialmente para países em posição vulnerável, como o Brasil. O cenário externo não vai ajudar a economia brasileira — e muito provavelmente irá nos atrapalhar.
Já no final de 2015 a previsão predominante apontava um 2016 complicado, com o PIB global crescendo 3,6%, cifra modesta em comparação com os melhores anos da década passada. Mas isso foi antes de janeiro começar. No primeiro dia do ano, o governo chinês anunciou que a atividade industrial tinha caído em dezembro pelo quinto mês consecutivo.
Foi o suficiente para que o principal índice de ações da bolsa de Xangai iniciasse uma queda vertiginosa, levando os maiores mercados globais abaixo. Ao longo do mês, as dúvidas sobre a firmeza da economia chinesa e os efeitos da volta do Irã a um mercado internacional de petróleo já com excesso de oferta foram combustível para o crescente clima de crise.
No dia 20 de janeiro, o preço do barril foi negociado a 27 dólares, o ponto mais baixo dos últimos 12 anos. Do dia 1o ao dia 20, a bolsa de Nova York, a maior do mundo, caiu 10%, a maior desvalorização para o período desde a criação do índice Dow Jones em 1896, segundo a consultoria americana FactSet. No dia 26, a bolsa de Xangai chegou à mínima do ano, 2 749 pontos, acumulando queda de 22% em 2016.
Nas três primeiras semanas de janeiro, os investidores tiraram quase 29 bilhões de dólares de fundos de ações do mundo todo. Segundo um levantamento da consultoria EPFR Global, foi a maior fuga de recursos de ações em um começo de ano desde o fatídico 2008. Tentar encontrar uma explicação para o comportamento dos mercados financeiros nos fundamentos da economia nem sempre é possível.
Em janeiro, o governo chinês anunciou que o crescimento do PIB em 2015 foi de 6,9%, o mais baixo em 25 anos, mas, ainda assim, dentro da meta de cerca de 7%. As dúvidas sobre o futuro da economia da China e o grau de veracidade de suas estatísticas existem há anos.
Os dirigentes chineses já reconheceram várias vezes a necessidade de fazer uma transição de um modelo de crescimento com base nos investimentos e na indústria para outro voltado para o setor de serviços.
É por isso que alguns economistas de peso — como Olivier Blanchard, professor de economia no MIT, uma das mais renomadas universidades americanas, e ex-economista-chefe do FMI — têm alertado para o risco de um efeito manada.
As reações aos novos números da economia chinesa podem ou não ter sido exageradas, mas deixaram claro uma mudança de percepção com óbvias implicações nos mercados. Os investidores começam a duvidar da capacidade da liderança chinesa de evitar uma desaceleração econômica mais acentuada que a vista até agora.
Foi nesse contexto que começaram a pipocar as perguntas iniciadas por “se”. Uma foi constante em janeiro. Se a China tiver uma freada brusca e reduzir ainda mais o crescimento global, o que acontecerá com o preço das commodities, em especial do petróleo? A possibilidade de uma demanda menor por energia era tudo o que os países produtores de petróleo não queriam ouvir.
Em meados de janeiro, o acordo nuclear entre Irã, Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Rússia e China passou a vigorar e pôs fim às sanções econômicas impostas pelas Nações Unidas que impediam os iranianos de exportar. Atualmente, o excesso de oferta de petróleo no mundo é estimado em 1 milhão de barris por dia.
A Agência Internacional de Energia prevê que, se a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) não reduzir sua produção para acomodar o Irã até meados do ano, o excesso poderá chegar a 1,5 milhão de barris diários.
Essa perspectiva é a explicação não só para a queda no preço do petróleo neste ano mas também para a desvalorização das ações das empresas do setor, o que derrubou os índices das principais bolsas de valores. Olhando para a frente é difícil prever quando o valor do barril voltará a subir de forma consistente — até o fechamento desta edição, em 26 de janeiro, estava sendo negociado a 31 dólares.
“O certo é que o período de preços excessivos, acima de 100 dólares o barril, chegou ao fim”, diz Roberto Aguilera, ex-analista da Opep e autor do recém-lançado The Price of Oil (“O preço do petróleo”, numa tradução livre). No final de janeiro, um relatório do Banco Mundial estimou o valor médio do barril em 2016 em 37 dólares — há três meses a previsão era de 51 dólares.
A Arábia Saudita já vinha se negando a reduzir sua produção, o que elevaria o preço, na tentativa de tirar do mercado competidores com custos mais elevados, como os produtores americanos de óleo de xisto. Agora a entrada do Irã complicou ainda mais o quadro.
Sauditas e iranianos estão em lados opostos nos conflitos do Oriente Médio e romperam — também em janeiro — relações diplomáticas. Como qualquer diminuição da Arábia Saudita na extração de petróleo equivale a dar uma fatia do mercado aos iranianos, ninguém arrisca dizer quando haverá uma correção da oferta.
Para a Petrobras, a manutenção do preço baixo do barril, se confirmada, é uma péssima notícia. Ela coloca em risco o retorno dos investimentos nas reservas do pré-sal — cujo custo de produção beira os 35 dólares. Em janeiro, a estatal anunciou corte de 24% no plano que previa investir 130 bilhões de dólares até 2019.
“A previsão é de uma perda de 80 bilhões de reais no faturamento do setor e de 1 milhão de empregos diretos e indiretos”, diz o economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados. Outro efeito colateral ruim é a perda de competitividade das empresas afetadas pelo custo dos combustíveis.
Na maior parte do mundo, os valores do diesel e da gasolina vão acompanhar a queda do petróleo — e isso vai reduzir custos de transporte, energia e produtos industrializados. No Brasil, não. Por aqui, os preços devem seguir altos para reforçar o caixa da Petrobras, que perdeu dinheiro entre 2011 e 2014, quando o diesel e a gasolina foram mantidos artificialmente baratos por interferência do governo.
Em 2013, o diesel no Brasil chegou a custar 21% menos do que o valor cobrado nas refinarias americanas. Agora a defasagem é de 62% em favor deles. “Quem depende do insumo, como a indústria, deve ficar menos competitivo”, diz o economista Adriano Pires, sócio da Câmara Brasileira de Infraestrutura.
Ou seja, devido às trapalhadas do governo que debilitaram a Petrobras, o restante da economia será impedido de aproveitar as vantagens da queda no preço do petróleo — o transporte, por exemplo, vai continuar caro. Mesmo antes de as incertezas no cenário internacional aumentarem em janeiro, o Brasil já vinha sentindo os efeitos da desaceleração da China.
O índice que mede o valor das commodities exportadas pelo Brasil vem perdendo terreno desde setembro de 2011. A China, que consome quase metade da produção mundial de minério de ferro, é a principal responsável pela corrosão do preço da matéria-prima, que caiu cerca de 70% em dois anos. O curioso é que os chineses não têm diminuído a quantidade de minério de ferro importada do Brasil.
Mas, como estão inundando o mercado internacional com cada vez mais aço, acabam por diminuir a demanda e o valor do minério de ferro. “A economia brasileira sofre mais com a redução do preço do que com a quantidade exportada para a China”, diz Artur Passos, analista do banco Itaú responsável pela cobertura da economia chinesa.
Pelos cálculos da equipe econômica do Itaú, cada vez que há uma diminuição de 10 pontos percentuais no índice que mede o preço das commodities, os investimentos na economia sofrem uma redução de 1,2 ponto percentual nos dois anos seguintes. O câmbio também é afetado. Cerca de 20% da desvalorização do real desde janeiro de 2014 pode ser explicada pela queda no preço das commodities.
Ainda que a desaceleração da China e a redução do valor das matérias-primas até aqui tenham afetado a economia brasileira, não se pode creditar nossas mazelas econômicas ao cenário externo. As exportações representam apenas cerca de 10% do PIB.
“Que ninguém se confunda: as causas de nossa recessão são internas”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e sócio da Schwartsman & Associados.
Os estímulos setoriais e o uso dos bancos públicos para financiar a política econômica do governo, práticas chamadas de “nova matriz econômica” durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, produziram resultados desastrosos para a geração de riquezas e o consumo no país.
O mais surpreendente é que o governo parece não ter assimilado a necessidade de mudar de rumo mesmo diante do desastre econômico e depois de duas agências de avaliação de risco terem tirado do Brasil o grau de investimento, o selo de bom pagador.
No Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos em janeiro, Nelson Barbosa, novo ministro da Fazenda, não convenceu ninguém com sua fala sobre a necessidade de aumentar o crédito com a ajuda dos bancos públicos. Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, passou semanas sinalizando que apoiaria a alta dos juros na reunião do dia 20 de janeiro.
Na última hora, defendeu a manutenção da Selic em 14,25% dando como justificativa a recente piora no quadro internacional. Acabou desacreditado. Na opinião da maioria dos investidores e analistas, o que pesou mesmo foi a vontade da presidente Dilma Rousseff. Enquanto isso, o Brasil segue encolhendo diante do mundo.
Com a desvalorização do real somada à recessão, o PIB deverá fechar 2016 em 1,3 trilhão de dólares — 40% abaixo do patamar de 2014. A renda per capita, em míseros 6 484 dólares. Se confirmada essa previsão, será 45% inferior à renda per capita de dois anos atrás e equivalente à de países como Bulgária e República Dominicana.
Até dezembro, a soma do consumo do governo e das famílias deve chegar a 1 trilhão de dólares — quase metade do patamar de 2014. Quando se tenta medir quanto da situação brasileira é consequência das barbeiragens do governo e quanto é do cenário internacional, a comparação com a Rússia é ilustrativa.
O país governado por Vladimir Putin é alvo de sanções econômicas por parte das potências ocidentais e é dependente da exportação de commodities — as vendas de petróleo respondem por quase 70% da pauta. No ano passado, a economia russa teve retração de 3,7% (igual à do Brasil). Neste ano, a previsão é de uma nova redução do PIB russo, desta vez de 1%. O Brasil, por sua vez, deverá ter queda de 3,5%.
Por enquanto, o tumulto na economia internacional está circunscrito ao mercado de ações e ao de petróleo. Caso a situação saia de controle e uma crise na economia real se materialize, o Brasil será pego de calças curtas. A inflação de 2016, estimada pelo Banco Central em 7%, estará muito acima do centro da meta, de 4,5%. O desemprego, que encerrou 2015 em 7%, deverá subir para 10%.
A previsão para as contas públicas é fechar o ano com déficit nominal, o que inclui o pagamento de juros da dívida, equivalente a 10% do PIB. Até o fim de 2016, a dívida pública deverá ultrapassar o patamar de 70% do PIB — há três anos, estava em 51%.
Com essa perspectiva, a taxa de CDS, seguro pago sobre a venda de títulos no exterior, teve aumento de 139% nos últimos 12 meses, a maior piora numa lista de 12 países elaborada pela consultoria XP Investimentos.
O governo há anos tenta colocar toda a culpa da derrocada econômica na conta do cenário externo. A ironia é que agora existe mesmo a possibilidade de uma crise mundial piorar a situação da combalida economia brasileira. O ano de 2016 mal começou, mas a emoção até o final do ano parece estar garantida.