Revista Exame

Chega de contar calorias

Perder peso sempre foi uma questão matemática: gastar mais energia e ingerir menos alimentos. Novos estudos revelam que a equação não é tão exata assim

Alimentação: estudos mudam a percepção de como se alimentar (Arte/Exame)

Alimentação: estudos mudam a percepção de como se alimentar (Arte/Exame)

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Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h15.

Última atualização em 27 de fevereiro de 2020 às 15h44.

Segunda-feira, 5 da tarde. Sua concentração no trabalho é interrompida pela fome. Já se passaram algumas horas desde que você almoçou — provavelmente uma refeição leve, pois a semana está apenas começando. Um snack parece boa opção. Nada do que se envergonhar: seis em cada dez adultos estão acima do peso no Brasil, segundo o IBGE. Aí começam os problemas: um pacote com míseros 50 gramas de castanhas tem quase 200 calorias, diz o rótulo.

Você sai da lanchonete com o combo barrinha de cereal e refrigerante light, com 64 calorias, certo de que não ficará saciado, mas convencido de que tomou a decisão certa para perder peso.

Temos uma má notícia: você errou. Mas a culpa não é sua. Durante décadas aprendemos que emagrecer era simples como uma conta de padaria: queime mais do que você ingere e pronto. Os rótulos mostram as calorias que colocamos para dentro, assim como a esteira da academia mostra aquelas que colocamos para fora. É só subtrair então, certo? Errado. Novos estudos revelam falhas nesse consenso.

“O balanço energético vale como referência, mas hoje sabemos que mais importante do que as calorias do alimento é sua densidade nutritiva”, explica Francisco Tostes, endocrinologista da clínica Nutrindo -Ideais. “Na prática, ingerir 100 calorias de uma fruta não é a mesma coisa que ingerir 100 calorias de biscoito recheado.”

As calorias da comida são calculadas usando um método criado no final do século 19 pelo químico americano Wilbur Olin Atwater. Em seu laboratório, ele queimou diversos alimentos e mediu a quantidade de calor que eles liberavam na combustão, gerando energia. Uma caloria é a quantidade de calor suficiente para aumentar em 1 grau centígrado a quantidade de 1 mililitro de água. Com os testes, concluiu que seria mais adequado usar a medida de quilocalorias. Atwater convencionou que carboidratos e proteínas fornecem 4 quilocalorias por grama, enquanto as gorduras geram 9.

Coloque esses números em outra equação igualmente genérica, aquela que preconiza que uma mulher deve consumir, em média, 2.000 quilocalorias diárias e um homem 2.500, e provavelmente você entrará para o grupo das pessoas acima do peso. Estudos reunidos no best-seller O Peso das Dietas, da nutricionista franco-brasileira Sophie Deram, mostram que 95% das pessoas voltam a engordar depois de uma restrição alimentar.

Um dos motivos: se o alimento tiver alta qualidade nutricional, vai fazer o metabolismo funcionar com rapidez. Se tiver poucas calorias e poucos nutrientes, o metabolismo ficará mais lento e o corpo vai se adaptar a esse cenário. “Na prática, inicialmente a pessoa vai perder peso, porque restringiu a ingestão de calorias, mas rapidamente passará a gastar menos calorias para realizar as mesmas funções e voltará a engordar”, diz Tostes.

Hoje, exames clínicos e laboratoriais, como a calorimetria, são capazes de calcular de forma mais precisa quanta energia o corpo consome apenas para sobreviver. “Estima-se que o gasto metabólico basal diário represente de 50% a 70% das calorias gastas pelo corpo. De 20% a 40% são utilizados em atividades físicas; e 10%, na digestão e assimilação dos nutrientes”, explica Clarissa Hiwatashi -Fujiwara, do Departamento de Nutrição da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. E mais: a proteína é o nutriente que mais requer energia para ser digerido — de 20% a 35% das calorias gastas no processo de digestão, ante de 5% a 15% de carboidratos e gorduras.

Também se sabe que, quanto mais cru e integral estiver o alimento, mais difícil será sua mastigação e digestão, e mais energia será gasta. “A forma como cada alimento é absorvido e metabolizado varia de pessoa para pessoa, e isso depende de fatores tão distintos quanto massa muscular, altura e peso. Com o envelhecimento, há também a tendência de perda de massa magra e aumento de massa gorda. E existem fatores genéticos”, esclarece Fujiwara.

Até as bactérias que vivem no intestino influenciam na perda e no ganho de peso: ali vivem mais de 100 trilhões de micro-organismos, e alguns absorvem mais calorias do que outros. Ou seja, você e seu colega podem comer a mesma quantidade do mesmo alimento e extrair quantidades diferentes de energia.

Na academia não é diferente. Hoje se sabe que os exercícios para ganho de massa muscular contribuem mais do que se pensava para a perda de peso. “Se consumimos mais energia do que precisamos, engordamos. Mas o contrário não é tão simples: se consumimos pouca energia, perdemos peso, gordura e, eventualmente, massa muscular”, explica Páblius Staduto Braga, médico do esporte do Centro de Medicina Especializada do Hospital 9 de Julho.

As novas abordagens são personalizadas. Avaliações físicas mais completas, nutrição funcional e exercícios que levem em consideração a fisiologia de cada um têm maior chance de sucesso na perda e na manutenção de peso do que uma simples contagem de calorias. Como as calorias não devem sair tão cedo das embalagens, dos aplicativos de celular e dos equipamentos da academia, só há uma saída: talvez seja a hora de você não levá-las tão a sério.

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