Taxistas em Nova York: o sindicato foi à Justiça para tentar proibir o Uber (Gardel Bertrand/Corbis/Latinstock)
Da Redação
Publicado em 27 de junho de 2014 às 15h38.
São Paulo - Todo mês de janeiro, blogs de tecnologia fazem suas apostas de quais startups farão sucesso no Vale do Silício ao longo do ano. No início de 2014, as atenções estão voltadas para o Uber, aplicativo que permite chamar táxi, limusine e até helicóptero pelo smartphone.
A expectativa dos especialistas em tecnologia leva em conta o ritmo de crescimento da empresa, que entrou em operação em 2010 em São Francisco, na Califórnia. Em menos de quatro anos, o serviço espalhou-se por 70 cidades de 26 países. Os números já são de gente grande. O Uber, avaliado em 4 bilhões de dólares, faturou cerca de 200 milhões de dólares em 2013 e cresce a uma taxa de 20% ao mês.
A ideia do aplicativo surgiu em 2008. O americano Travis Kalanick, de 37 anos, atual presidente da empresa, havia acabado de receber 15 milhões de dólares com a venda do RedSwoosh, serviço de compartilhamento de arquivos online.
Durante um evento de empreendedorismo em Paris, ele encontrou o amigo Garret Camp, que também havia ficado milionário ao vender o site de busca StumbleUpon para a gigante de varejo online eBay. Camp falou a Kalanick sobre uma ideia de juntar um grupo de 100 amigos em São Francisco e comprar 20 veículos de luxo, com motorista particular, para ser compartilhados.
Para chamar o carro, bastaria usar um aplicativo que informaria a localização do passageiro por meio do GPS do smartphone. A ideia logo evoluiu para um negócio e os dois se tornaram sócios. O Uber estreou em 2010 com uma pequena frota de sedãs de luxo.
A corrida chegava a custar cinco vezes o valor cobrado por um táxi — nada que afastasse o público-alvo naquele momento: empresários e investidores endinheirados do Vale do Silício. Com a popularidade do serviço, usuários passaram a sugerir outras opções de transporte, como táxis e limusines.
Em 2012, Kalanick criou o UberX, opção que permite a qualquer proprietário de veículo virar motorista do Uber. O modelo de negócios é o mesmo para qualquer tipo de veículo: o usuário cadastra seu cartão de crédito no aplicativo e chama um carro próximo.
Os preços variam — vão de 9 dólares, para uma corrida rápida em um táxi, a 3 000 dólares, valor cobrado para viagens de helicóptero na cidade de Nova York. A startup fica com 20% do valor pago ao motorista.
Por ser uma tecnologia disruptiva, como são chamadas as inovações com potencial para criar e destruir mercados, o Uber esbarra constantemente em questões legais. Ao usar o GPS de um smartphone para localizar um veículo próximo ao usuário com apenas um toque na tela, o Uber assume o papel das centrais de radiotáxi, que só nos Estados Unidos faturam 6 bilhões de dólares ao ano.
Para tentar se defender, cooperativas de diversas cidades recorrem a liminares que proíbem o uso do Uber. A justificativa é que a startup não cumpre os requisitos necessários para obter uma licença de funcionamento. Quando isso ocorre, Kalanick, conhecido por seu temperamento jobsiano, entra em cena.
Ele costuma postar fotos de notificações extrajudiciais em redes sociais com comentários sarcásticos. Ele recorre a seus perfis online no Facebook e no Twitter para jogar os usuários, que querem usar o serviço, contra os governantes, que querem barrá-lo.
Em Washington, no ano passado, Kalanick convenceu seus seguidores a enviar mais de 50 000 e-mails para a Secretaria de Transportes, exigindo a liberação do aplicativo na cidade. Algo parecido aconteceu há dois anos em Nova York.
Na maior parte dos casos, as cidades cedem à pressão popular. Quando não consegue convencer as autoridades, Kalanick não economiza críticas. “Cambridge, cidade que abriga Harvard e MIT, além da regulamentação de transporte mais corrupta do país”, escreveu no Twitter no ano passado.
Discussões públicas
Os concorrentes e os usuários também não escapam do temperamento ácido do fundador do Uber. No início de 2013, Kalanick usou sua conta no Twitter para provocar John Zimmer, fundador da Lyft, startup que oferece serviço similar ao do Uber. Depois de uma troca de mensagens nada amigável, Kalanick encerrou o assunto escrevendo a frase: “Vocês ainda têm muito a fazer para nos alcançar... clones”.
No fim do ano passado, um usuário ficou revoltado ao pagar 250 dólares por uma corrida que normalmente custaria 40. Kalanick pegou o longo e-mail de seu cliente e colou-o em sua página do Facebook com o comentário irônico: “Pegue uma pipoca e comece a rolar a página para baixo”.
Depois, explicou no texto o conceito de precificação dinâmica. Há alguns meses, o Uber testa uma tecnologia similar à usada por empresas aéreas e hotéis. Em horários de alta demanda, o passageiro paga mais. “Se você realmente precisar de um carro entre 1 e 3 horas da manhã de uma sexta-feira, o Uber será confiável. Mas isso custará caro”, escreveu Kalanick.
Os eventuais percalços legais parecem não desanimar os planos de expansão do Uber. Das 70 cidades em que a startup atua, 40 foram incorporadas em 2013, e o objetivo é crescer ainda mais em 2014. O Uber deverá saltar dos atuais 540 para mais de 1 500 funcionários até o fim do ano.
Na América do Sul, o serviço chegou a três cidades: Bogotá e Cali, na Colômbia, e Santiago, no Chile. Apesar de os aplicativos de táxi — que funcionam com uma tecnologia similar à do Uber — serem bastante populares nas grandes cidades brasileiras, a startup não tem planos de estrear no Brasil nos próximos meses.
O excesso de oferta de aplicativos de táxi por aqui pode ser uma das justificativas. “O que posso adiantar é que não trabalharemos com táxis num primeiro momento”, diz Patrick Morselli, diretor do Uber para a América Latina. “Ofereceremos apenas o serviço de transporte executivo.”
Não será por falta de recursos que o Uber não virá para o Brasil. A startup já recebeu mais de 307 milhões de dólares em investimentos. Em agosto do ano passado, anunciou um aporte de 258 milhões do Google Ventures, braço de investimentos da gigante de internet.
Nos bastidores, dizem que o aporte foi liderado por Larry Page, fundador do Google, que enxerga no Uber um atalho para entrar no promissor mercado de entregas expressas, em que os varejistas online enviam produtos aos consumidores em poucas horas.
“O Uber tende a se tornar uma rede de distribuição rápida de qualquer coisa, não só de pessoas”, afirma o americano Kerry Rice, diretor do banco de investimento Needham&Company. “Por isso, faz todo o sentido para o Google comprá-lo.” O primeiro teste nesse sentido já foi feito.
Em julho do ano passado, o Uber lançou uma versão do aplicativo que permitia que os usuários chamassem carrinhos de sorvete pelo celular. Enquanto o Uber se expande, o Google vem intensificando seus testes com carros autônomos, que substituem motoristas por um conjunto de softwares e sensores.
Kalanick diz que o Uber não está à venda, mas dá para imaginar como seria o futuro numa eventual união das duas empresas. Bastaria um toque no celular para que em minutos aparecesse um carro — sem motorista — em frente de casa.