Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Função do Estado? O governo do Rio Grande do Sul é dono até de uma companhia mineradora de carvão, a CRM (Blackdovfx/Thinkstock)
J.R. Guzzo
Publicado em 30 de novembro de 2016 às 18h00.
Última atualização em 30 de novembro de 2016 às 18h00.
São Paulo — Depois de deixar claro para o Brasil, para o mundo e para os próprios gaúchos que estava quebrado, o estado do Rio Grande do Sul anunciou oficialmente, enfim, que está quebrado.
Quebrou por insuficiência financeira crônica e aguda ao mesmo tempo, inépcia absoluta de seus governantes nos últimos 50 anos, incapacidade de entender princípios de aritmética elementar — e, mais que tudo, como grande pano de fundo, quebrou porque os políticos brasileiros têm a certeza eterna de que a pior coisa que podem fazer em sua carreira é governar qualquer ente público gastando apenas aquilo que se arrecada.
Limitar a despesa pública à receita é algo que se faz, exclusivamente, em discursos e em programas de “metas”; fora daí passa a ser estupidez suicida. “Responsabilidade fiscal”, na prática da política nacional, significa corte de despesas, austeridade ou “arrocho” — posturas denunciadas o tempo todo como de “extrema direita”, inimigas dos interesses do povo, destinadas a atender exigências do capital estrangeiro e exterminadoras de “direitos”, adquiridos ou ainda por adquirir.
Quem quer ser acusado desses crimes todos? É muito melhor gastar dinheiro que o Erário não tem — atender a todas as reivindicações de grupos de funcionários públicos, dar aumentos, conceder “incentivos” a empresas, igualar “direitos”, criar cargos, começar obras que não serão entregues, endividar-se até o fundo da alma, e por aí afora. E quando a coisa estourar? Bem, ela vai estourar em cima de um outro qualquer, jamais sobre quem fez a calamidade. E, de qualquer jeito, não é mesmo dinheiro deles.
Não há incentivo nenhum para um governante se comportar com decência fiscal durante sua permanência na gestão dos interesses públicos. Ele terá zero de apoio se porventura lembrar, mesmo num mero momento de distração, que “o governo” não tem dinheiro nenhum, pois 100% dos recursos vêm de impostos tirados do público ou de empréstimos que esse mesmo público terá de pagar — a taxas de juro que estão entre as mais altas do mundo.
Qualquer tentativa de manter o Estado razoavelmente solvente será classificada, de imediato, como sabotagem deliberada às “políticas públicas de investimento” — e colocada sob a suspeita de estar a serviço de “interesses privados”, possivelmente apátridas. Todo o privilégio em termos de remuneração ou aposentadoria para o funcionalismo público é visto como uma “conquista” dos trabalhadores e, portanto, não pode ser toca-do. E quando esse direito popular significa um salário de 100 000 reais por mês?
O argumento é que se trata de “exceção”, como se 1 real de “exceção” valesse menos, aritmeticamente — e que a solução, óbvia, justa e progressista, não é reduzir os supersalários, mas pagar supersalários a todos os brasileiros. O gestor público que tiver respeito pelos números terá contra si, maciçamente, quase toda a mídia. Passará a vida lidando com greves arbitrárias de servidores e invasões de locais públicos. Se recorrer à polícia para fazer cumprir a lei, será chamado de “fascista” pela oposição, pela imprensa e até pelos próprios aliados. Quem quer uma vida dessas?
Na autópsia do cadáver fiscal do Rio Grande do Sul foram encontrados sinais de todas essas patologias, e de outras originadas na mesma matriz. Descobriu-se, comicamente, que o estado é dono de uma companhia de artes gráficas e até de uma mineradora — isso mesmo, uma mineradora, dedicada à extração de carvão. Pode? Naturalmente, cada uma dessas aberrações vem acompanhada das respectivas aposentadorias com salário integral mais bonificações, adicionais, quinquênios, auxílios para tudo o que possa ser auxiliado — e os juros para saldar as dívidas acumuladas com o pagamento de tudo isso e muito mais.
E agora, na prática, em termos de soluções objetivas para a inexistência de dinheiro no caixa? Essa é a parte mais fácil: já está decidido que o “ajuste” não poderá ser feito com o “sacrifício dos direitos dos trabalhadores”. O resto é detalhe.