Central de atendimento da Liq: mais de metade da receita depende da Oi (Germano Lüders/Exame)
Letícia Toledo
Publicado em 29 de março de 2018 às 05h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2018 às 15h26.
Ouvir reclamações é o dia a dia das empresas de call center. Seus atendentes estão lá para escutar os problemas dos clientes de diferentes empresas e — ainda que isso não aconteça sempre — resolvê-los. Mas a Liq, novo nome da Contax e uma das maiores companhias desse setor, passou os últimos meses escutando outro tipo de queixa: de um grupo de acionistas minoritários inconformado com os rumos da empresa. Eles questionam a remuneração dos executivos, a reestruturação da dívida, a venda de participações. E resolveram partir para a briga. Desde fevereiro, já obtiveram uma liminar para impedir a emissão de títulos de dívida da companhia, conseguiram que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abrisse um processo para analisar a remuneração da diretoria e pediram até a abertura de um inquérito policial. O comando da Liq diz que as reclamações não têm fundamento, e outros acionistas minoritários apoiam a empresa — o que deu origem a uma disputa que pode piorar a já difícil situação financeira da Liq.
Os questionamentos dos acionistas minoritários começaram por causa da remuneração aprovada para os quatro diretores estatutários, incluindo o presidente, da Liq em 2017. O valor ficou em 18,5 milhões de reais entre salário e bônus — cifra pouco menor do que o valor de mercado da companhia, de 19 milhões de reais no fim de março. A gestora de ativos Bams, que detém 5% do capital da Liq, e a administradora de bens Hipca, que é procuradora de acionistas detém menos de 1%, pediram a instauração de um processo na CVM para analisar os pagamentos. “Não entendemos os critérios. Como os executivos podem ter uma remuneração tão alta em meio a uma piora da companhia?”, questiona Fabio Camata, sócio da Hipca. Depois de liderar, com folga, o mercado de call center no país, a Liq entrou em declínio. Deu prejuízo nos últimos três anos, o faturamento caiu pela metade desde 2014, para 1,7 bilhão de reais, e a dívida aumentou. No auge, chegou a valer quase 2 bilhões de reais na bolsa.
A empresa diz que a remuneração é necessária para conseguir bons profissionais para coordenar a retomada dos negócios. Desde 2016, a Liq vem contratando executivos da concorrente Atento. É o caso do próprio presidente, Nelson Armbrust, que foi presidente da Atento no Brasil e assumiu a Liq em março de 2016. “O mais importante é que a remuneração foi aprovada em assembleia de acionistas. Então entendemos que é um valor adequado e que os acionistas se sentem confortáveis em pagar”, diz Armbrust. A companhia informa ainda que o valor de 18,5 milhões de reais foi a quantia máxima para a remuneração aprovada em assembleia, mas o valor pago foi menor, de 14,7 milhões de reais, o que corresponde a uma média de 3,7 milhões de reais para cada diretor (os valores individuais não foram divulgados). Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa mostra que a média de remuneração anual de diretores de companhias listadas na bolsa brasileira é de 2,2 milhões de reais. “Não existe uma prática no mercado a ser seguida, mas é importante que haja reavaliação da remuneração quando o momento financeiro não é favorável”, diz Heloisa Be-dicks, superintendente-geral do instituto.
Em outro capítulo das desavenças, Bams e Hipca questionam a venda, em fevereiro, da participação de 8,4% que o grupo Jereissati tinha no capital da Liq. O comprador foi a Parthica Participações, empresa que pertence ao advogado Fabio Carvalho, vice-presidente do conselho da Liq. Carvalho é conhecido por comprar ações de empresas em dificuldades. Ele é dono de 49,9% da varejista carioca Casa & Vídeo, que ajudou a tirar do buraco, e controlador de outra varejista carioca, a Leader, que está em recuperação extrajudicial. Os acionistas minoritários alegam que a Parthica não era uma empresa constituída no Brasil quando comprou a participação da Jereissati. A Parthica, que é subsidiária de uma companhia americana, a Parthica Holdings, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que já tinha realizado todos os trâmites para estabelecer sua presença no país e aguardava apenas a confirmação da Junta Comercial quando a transação com a Jereissati foi anunciada. A Hipca entrou com um pedido de instauração de inquérito na Polícia Federal, pedindo uma investigação sobre a Parthica e sobre a assembleia que aprovou a remuneração da diretoria.
A última disputa diz respeito a duas emissões de debêntures feitas pela Liq em março, as quais totalizaram 1,04 bilhão de reais. Cerca de 630 milhões podem ser convertidos em ações. Para a Bams e a Hipca, a operação tem como objetivo ampliar a participação dos maiores acionistas na empresa — além da Parthica, a construtora Andrade Gutierrez tem 8,4% do capital da companhia por meio da Telis Participações — e diluir os investidores minoritários (a Liq tem o capital pulverizado na bolsa). As emissões chegaram a ser suspensas por uma liminar concedida pela 4a Vara Cível de Jundiaí, no interior de São Paulo, mas a decisão foi revertida poucos dias depois. “Nós demos um período de preferência para que todos os acionistas que tivessem interesse pu-dessem aderir à oferta”, diz Armbrust. Os acionistas minoritários afirmam que não conseguiriam acompanhar a operação por causa do capital exigido. “É uma forma de vender a empresa fora da bolsa e impedir que os minoritários tenham voz”, diz Armando Mesquita, advogado da Bams. A posição, no entanto, está longe de ser unânime. “Nós seremos diluídos, mas a empresa vai conseguir eliminar boa parte da dívida. A Liq estava para quebrar e os diretores propuseram um plano para impedir isso”, diz Fabio Salles, que faz parte de um grupo de acionistas minoritários que apoiam as decisões da companhia.
As desavenças acontecem num momento delicado para a Liq. A emissão de debêntures era a última etapa de uma difícil reestruturação iniciada em 2016. A empresa conseguiu ampliar o prazo de pagamento de suas dívidas. Com isso, o total a ser quitado neste e nos próximos três anos foi reduzido de 1,2 bilhão de reais para 205 milhões de reais. A maior parte começará a ser paga em 2024. Além disso, a Liq demitiu 11 000 funcionários (hoje tem 45 000) e uniu suas operações às da empresa de marketing promocional Ability, que pertencia à Liq desde 2010 mas funcionava de maneira separada. Como resultado, os custos caíram 18 milhões de reais no ano passado. Para Armbrust, parte dos problemas da companhia se deve à recessão. Mas ele admite que há o que melhorar. Um ponto que precisa mudar, segundo ele, é a dependência da empresa de telefonia Oi, que está em recuperação judicial e responde por 52,5% da receita bruta da Liq. Os demais clientes com grande participação são os bancos Itaú e Santander e a América Móvil, dona da companhia telefônica Claro. “Estamos fazendo um esforço para conquistar clientes em outros segmentos e depender menos dos setores financeiros e de telefonia”, diz.
O problema é que a Liq precisa ir atrás de clientes num momento em que as empresas não estão mais tão dispostas como no passado a contratar serviços de call center. A péssima imagem que esse serviço passou a ter, em razão da falta de preparo de alguns atendentes, levou algumas companhias a reativar os próprios departamentos de atendimento ao cliente, especialmente o cliente mais vip. Além disso, as novas tecnologias permitiram a criação de centrais informatizadas, que custam menos e pressionaram para baixo os preços cobrados pelas empresas terceirizadas. Para se diferenciar, essas empresas vêm investindo na melhoria dos serviços, o que tem se mostrado difícil e custoso. A Atento viu seu faturamento cair de 3,9 bilhões para 3,1 bilhões de reais e o lucro operacional diminuir 86% entre 2014 e 2017. A situação da Liq, porém, é bem mais crítica — e dificilmente será resolvida sem uma trégua entre seus acionistas.