Os candidatos à presidência Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) (Paulo Whitaker e Sergio Moraes/Reuters)
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2014 às 14h12.
São Paulo - Em uma hipótese otimista, o Brasil iniciará o próximo ano experimentando uma agitação há muito esperada — a produzida pela entrada em cena de uma série de reformas estruturais. O desejo dos brasileiros por transformações está expresso nas pesquisas com tal força que os discursos dos três principais candidatos à Presidência o incorporam.
No caso da pretendente à reeleição Dilma Rousseff, do PT, a palavra “mudança” compõe o lema da campanha — embora daí é que menos se esperem alterações. Seus principais desafiantes, Marina Silva, do PSB, e Aécio Neves, do PSDB, acenam com reformas de impacto, não explicitando totalmente o que seriam.
O gênero, o número e o grau das medidas futuras vão depender de quem for vitorioso nas urnas e dos apoios que juntar. A disposição para negociar e, idealmente, construir uma espécie de acordo nacional em prol de reformas será decisiva — caso o futuro presidente de fato queira mudar algo.
Se a necessidade de mudanças em 2015 já é palpável para a maioria da população brasileira, nos círculos dos negócios é unânime a opinião de que as reformas são nada menos do que urgentes. Esse tipo de agenda sempre aparece em época de eleições, mas, neste ano, a desaceleração da economia brasileira acentuou uma sensação de falta de rumo.
“Os investidores gostam de ver um país caminhar na direção certa”, diz Roberto Setubal, presidente do banco Itaú. “E, nos últimos anos, o Brasil esteve completamente perdido.” Para saber o que a elite empresarial brasileira pensa a respeito das medidas estruturais que o próximo presidente deverá tomar, EXAME montou uma operação especial.
Em primeiro lugar, encomendou uma pesquisa à consultora de gestão Betania Tanure. Nos últimos meses, um total de 528 presidentes das maiores companhias do país respondeu à seguinte pergunta: qual é a reforma mais urgente para o Brasil? A mais votada, colocada à frente por 35% dos entrevistados, foi a da educação.
Em seguida vieram a da gestão pública (20%), a da infraestrutura (16%), a do sistema tributário (9%), a da segurança pública (8%) e a do sistema político (6%). A segunda parte da operação foi um corpo a corpo: mais de 30 líderes, representantes dos mais diversos setores, concederam entrevistas para expor sua visão sobre as áreas que escolheram para ter prioridade.
Diz Jorge Gerdau, presidente do conselho da siderúrgica Gerdau e um dos entrevistados: “As reformas são fundamentais para que o Brasil consiga ter uma trajetória sustentável de desenvolvimento econômico nos próximos anos, principalmente frente ao cenário de crescente concorrência global”.
Na década passada, o Brasil aproveitou a bonança externa e cresceu distribuindo renda. Mas, ao observar um espaço de tempo mais longo, nota-se que a expansão — agora já abortada — foi extremamente modesta ante as necessidades de desenvolvimento do país. Do início dos anos 80 para cá, o Brasil elevou a renda per capita a uma taxa anual de 1,1% — a média global foi de 1,9% ao ano.
Enquanto isso, outros emergentes, como China e Índia, puxavam a média do mundo para cima: os chineses com média de quase 8% de crescimento do PIB per capita e os indianos com 4,3% no mesmo período. Hoje, mesmo esses países se deram conta de que os tempos mudaram e que, para continuar a crescer, terão de dar uma boa mexida nos alicerces da economia.
A China já segue uma significativa agenda de reformas desde a chegada do presidente Xi Jinping ao poder, no ano passado. Xi mudou regras para compra e venda de propriedades na zona rural, flexibilizou a política do filho único e está ampliando o sistema previdenciário para permitir que o chinês médio poupe menos e consuma mais.
Já a Índia, após a eleição de Narendra Modi como primeiro-ministro, no início do ano, sinaliza com medidas de abertura ao capital privado em setores como seguros, energia e infraestrutura — embora lá as resistências sejam muito mais profundas do que as da China. “Os tempos de bonança externa acabaram.
O preço das commodities está caindo, o dinheiro não está tão facilmente disponível porque os bancos estão mais restritivos, o fluxo de capital perdeu a robustez de antes e as populações estão clamando por mudanças”, diz Ruchir Sharma, chefe para mercados emergentes do banco de investimento Morgan Stanley.
“Em 20 anos acompanhando a economia desses países, eu nunca havia visto a chegada de novas lideranças políticas ser tão importante para impulsionar o desempenho dos mercados como vejo neste ano.” É nesse rol de países que enfrentam reformas que o Brasil precisa se inscrever.
Desejo de mudança
Um exemplo próximo de nós e que merece ser observado é o México. Os mexicanos iniciaram sua trajetória de reformas apenas dois anos atrás, após a eleição de Enrique Peña Nieto, em 2 de julho de 2012.
Os cinco meses seguintes até sua posse, em 1o de dezembro, foram utilizados para negociar um pacto com os outros dois principais partidos do país em torno de uma ambiciosa agenda de reformas que mira problemas crônicos do México — como monopólios e preços altos em energia e telefonia, e estrutura de tributos complexa e regressiva.
Vinte meses depois, as mudanças constitucionais necessárias terminaram de passar pelo Congresso. Agora o país enfrenta o processo de implementação (leia o quadro ao lado). “A sociedade mexicana estava pronta para enfrentar reformas duras porque o país está há 30 anos sem crescer significativamente”, diz o equatoriano Augusto de la Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina.
“Resta saber se a dinâmica social do Brasil vai resultar em apoio a um projeto de reformas igualmente significativas.” Felizmente, há fortes indicações de que sim.
Sete em cada dez eleitores brasileiros afirmam querer mudanças no próximo governo, de acordo com pesquisa do instituto Ibope de meados de setembro. A última vez que essa pesquisa captou proporção tão alta foi em 2002, quando a oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso venceu, levando Luiz Inácio Lula da Silva e o PT ao poder.
Lá atrás, percebendo os sinais de esgotamento de um ciclo, um grupo de economistas notáveis, liderado pelo professor da universidade americana Colúmbia José Alexandre Scheinkman, reuniu-se para escrever um documento com propostas de governo: a chamada Agenda Perdida.
Muitas das sugestões do documento foram aproveitadas nos mandatos de Lula, como a criação do Simples para o combate à informalidade, o reforço às políticas de transferência de renda com a implantação do Bolsa Família e as microrreformas para destravar o crédito.
“De lá para cá, os conhecimentos da academia aumentaram muito em relação a dois pontos: criminalidade e produtividade. E, coincidentemente, essas áreas têm deficiências graves no Brasil atual”, diz Scheinkman. É cada vez maior o número de economistas e empresários a apontar que o Brasil só crescerá se elevar o nível de produtividade, hoje correspondente em média a um quinto da obtida nos Estados Unidos.
“Se aumentarmos os investimentos, tanto nas fábricas e na infraestrutura quanto nas pessoas, a produtividade vai crescer e, com isso, a indústria voltará a contribuir para o desenvolvimento do país”, diz Pedro Passos, sócio da fabricante de cosméticos Natura e presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.
Um levantamento do banco HSBC mostra que o Brasil foi o país da América Latina em que houve o maior descolamento entre aumento real de salário e produtividade do trabalho de 2008 a 2012.
Ninguém discute quão importante é oferecer ganhos reais de salário, mas essa política precisa estar vinculada a mais retorno para o negócio — senão, os custos de mão de obra aumentarão indefinidamente, piorando o já absurdo custo Brasil.
O resultado do descompasso foi que 2012 e 2013 foram os anos em que a rentabilidade do patrimônio das 500 maiores empresas atingiu o ponto mais fundo dos últimos dez anos, de acordo com a edição Melhores e Maiores, de EXAME. Não surpreende que os investimentos tenham caído à taxa mais baixa desde 2006.
“Os maiores avanços institucionais que fizemos vieram após consensos. O consenso em torno da democracia nos anos 80, da estabilidade da moeda nos 90 e da redução da desigualdade nos anos 2000”, diz Flavio Rocha, presidente da varejista Riachuelo. “Hoje, o consenso precisa ser a busca por maior produtividade e competitividade.”
Risco de retrocesso
Livrar-se dos nós que amarram a competitividade e o crescimento é o caminho para que o Brasil continue o processo de inclusão das últimas décadas. De 2003 a 2013, mais de 50 milhões de brasileiros ascenderam das camadas mais pobres para as classes A, B e C, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado à Presidência da República.
Mas isso não significa que eles estejam a salvo do risco de retroceder. Quase 70% dos brasileiros têm renda de até 790 reais por mês — ou seja, na melhor das hipóteses estão numa condição que o Banco Mundial chama de vulnerável, porque seu risco de voltar à pobreza é grande.
Como garantir que a renda dos brasileiros continue avançando para além do valor mínimo adequado para ter alimentação balanceada, educação, saúde, lazer e transporte e esteja livre do risco de recaída na pobreza?
“As expectativas da população que melhorou de renda são bem maiores hoje do que antes, e a única forma de continuar incluindo os mais pobres é reformar a economia para destravar o crescimento”, diz De la Torre, do Banco Mundial.
Estudos estimam que o país precisará crescer, em média, 4,2% ao ano nos próximos 20 anos para resgatar metade da população que está abaixo da linha da renda digna próxima de 800 reais e dobrar o PIB per capita para 24 000 dólares por ano.
De acordo com outro levantamento do Banco Mundial, desde 2005 um grupo de 189 países realizou 2 439 reformas para melhorar o chamado “ambiente de negócios”, que inclui pontos como facilidade para abrir empresas e obter crédito e garantias de respeito aos contratos e de proteção aos investidores. O ranking é liderado por países da Europa Oriental. O Brasil está em 75º lugar.
O primeiro lugar entre os reformadores é da Geórgia, pequeno país encravado entre Rússia e Turquia. Resultado: após 37 reformas para melhorar a competitividade dos negócios instalados por lá, a Geórgia subiu do 100o para o oitavo lugar no ranking Doing Business, o que retrata a qualidade do ambiente de negócios de forma ampla.
O Brasil saiu do 119o para o 116o posto no Doing Business. A relação entre reformas e facilidade para fazer negócios não poderia ser mais clara. O receio: e se passarmos mais quatro anos com as reformas engavetadas? Como estará a atividade econômica em 2018?
Nas páginas seguintes, EXAME apresenta ações fundamentais para que o próximo presidente entre para a história como um estadista que enfrentou resistências e transformou as cinco áreas mais citadas pelos líderes das maiores empresas do país.
As reformas trabalhista e política não estão detalhadas a seguir, mas também foram mencionadas por nomes importantes do capitalismo brasileiro, como o presidente da mineradora Vale, Murilo Ferreira.
“Eu poderia falar de educação, de reforma tributária ou previdenciária, que são fundamentais para colocar o Brasil na rota do crescimento sustentado, mas não acredito que seja possível fazer qualquer reforma importante com o arcabouço institucional que temos hoje”, diz Ferreira.
“Precisamos modernizar nosso sistema político.” Esse é o ponto que foi mencionado também por Roberto Setubal, do Itaú: “A política é a mãe de todas as reformas”. O desafio à frente de quem assumir o comando do país em 2015 será enorme.
Alguns analistas tendem a achar que promover reformas seria particularmente difícil em um cenário de polarização política excessiva que poderia se desenhar após as eleições, dependendo do resultado.
Por isso, as visões e sugestões de mudança apresentadas pelos empresários ouvidos por EXAME constituem uma contribuição relevante para quem quiser, de fato, conduzir o Brasil a uma nova fase de prosperidade.
Elas não têm coloração partidária e visam essencialmente à melhoria das condições para que a economia brasileira floresça. E esse objetivo, queremos crer, é compartilhado pelos três principais candidatos à Presidência da República.