Revista Exame

Brasil, de pobre a emergente

Nos 44 anos que separam a primeira da milésima edição de EXAME, o Brasil passou de pobre a emergente. Agora é hora de entrar no clube dos ricos

Se todas fossem iguais a você...: a escola pública gaúcha mostra o brasil que queremos  (Lailson Santos/EXAME.com/Site Exame)

Se todas fossem iguais a você...: a escola pública gaúcha mostra o brasil que queremos (Lailson Santos/EXAME.com/Site Exame)

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2011 às 12h48.

São Paulo - A queda do muro de berlim, um daqueles raros eventos da história que separam duas eras, tirou muito da névoa ideológica que tanto conturbou o debate intelectual no Brasil e no mundo.

A derrubada física dos tijolos trouxe abaixo também um esquema mental que via o mundo partido em três, no qual capitalistas e socialistas buscavam capturar aliados no que então se chamava Terceiro Mundo — onde inequivocamente estávamos.

Também o sistema mundial pós-muro é formado por três conglomerados de países, mas hoje, entre as nações ricas e as pobres, estão não mais os socialistas, mas os emergentes.

Esse bloco de países — composto por economias e sociedades gigantescas, como China, Índia, Indonésia e Brasil — superou uma condição disseminada de miséria, tornou-se relevante para o crescimento mundial, mas ainda não chegou ao desenvolvimento.

A nova divisão do mundo permite um olhar mais claro sobre o desempenho brasileiro nos 44 anos que separam a primeira desta milésima edição de EXAME. Foi nesse período que conseguimos transitar do terceiro ao segundo grupo.

Não é pouco. Ofuscados pelo brilho do exemplo americano, sempre tivemos quase um prazer ao nos referir a um suposto fracasso como nação — seríamos, para voltar à surrada piada, o eterno país do futuro. Talvez seja a hora, até para que possamos pensar no que vem à frente, de reavaliar nossa trajetória.

O Brasil de 1967 era o próprio retrato do atraso. Quase 40% das pessoas com mais de 15 anos eram analfabetas. Só metade das crianças frequentava a escola. A expectativa de vida ao nascer era de 52 anos e 131 crianças de cada 1  000 nascidas morriam antes do primeiro aniversário.

Num país rural e antigo, a modernidade ficava confinada a meia dúzia de cidades, especialmente o Rio de Janeiro. “Há muito saudosismo em relação àquele tempo, mas as pessoas se esquecem de quão excludente era a sociedade”, diz Paula Louzano, doutora em Políticas Educacionais pela Universidade Harvard e pesquisadora da Fundação Lemann.

“A tão falada escola pública de qualidade recebia um punhado de alunos selecionados dentre os melhores do país. A massa mais pobre só agora está indo à escola.”


Mudar um quadro tão dramático já não seria tarefa fácil. Mas às chagas históricas somaram-se algumas transformações profundas na sociedade que coincidiram no tempo e complicaram a equação. O Brasil de 1967 era composto de 90 milhões de pessoas. Hoje somos 192 milhões.

Contam-se nos dedos de uma mão os países que tiveram de incorporar tantas pessoas — com moradia, escolas, hospitais, postos de trabalho — em tão pouco tempo. Tivemos também naquelas décadas uma migração em massa para as cidades, um processo que levou mais de um século nas nações ricas.

Por fim, foi também nesse período que se deu o grosso de nossa industrialização, uma mudança com forte viés modernizador, mas que sempre abala as bases preexistentes. “A somatória de tantas mudanças simultâneas deixou sequelas duradouras e graves, e o sentimento que ficou daquele período foi ruim”, diz o cientista político Bolívar Lamounier.

Ele lembra que o país vinha desabrochando lenta e positivamente até os anos 50. A partir daí, vivemos rupturas tanto na esfera da política quanto na economia. “Mas nos aprumamos de novo. Somos hoje mais desenvolvidos do que as pessoas pensam.”

De pobre a emergente a...

O Brasil desponta agora como um dos mais promissores países aos olhos dos investidores. Ainda temos pela frente muito trabalho, como pode notar qualquer um que acompanha o noticiário. A criminalidade virou uma marca característica do Brasil. A corrupção está à vista de todos e ofende os brasileiros que trabalham duro e pagam seus impostos.

As carências sociais ainda são enormes. Mas nada disso muda o fato de que a economia fechada e sob tutela estatal dos anos 60 deu lugar a uma potência emergente. O PIB brasileiro multiplicou quase sete vezes desde 1967. A frota de veículos passou de 2,5 milhões de unidades para 65 milhões.

Tínhamos 1 milhão de telefones, hoje são mais de 200 milhões. O primeiro shopping center do país, o Iguatemi, tinha acabado de abrir as portas em São Paulo. Atualmente, já são quase 500 espalhados por praticamente todos os estados. São números que mostram que os desafios quantitativos do país estão sendo equacionados.


A população cresce cada vez menos, e a migração para as cidades, que tanta pressão jogou sobre a infraestrutura urbana, é um processo quase concluído. Até o fim da miséria virou uma possibilidade real.

O salto de que precisamos, agora, diz respeito não à quantidade, mas à qualidade. Sim, as crianças estão na escola, mas estão também aprendendo? As cidades são locais agradáveis para viver e trabalhar? Nosso sistema de saúde atende com dignidade o conjunto da população? O ambiente de negócios trata adequadamente nossos empresários e empreendedores? O governo tem respeito pelo dinheiro que recebe do cidadão?

Infelizmente, não. Conseguir responder sim a questões desse gênero é a chave para que consigamos deixar o grupo dos emergentes e virar um país desenvolvido. A tarefa não é simples. Nos últimos 40 anos, quase nenhum país deu um salto dessa magnitude. Por alguma razão que ainda desafia os cientistas sociais, tem sido mais fácil passar de pobre a emergente do que completar a trajetória.

Mas temos margem para otimismo. “A sedimentação da democracia facilita as mudanças, porque permite identificar mais rapidamente os problemas. O autoritarismo faz com que os equívocos se arrastem por muito tempo, o que nos custou muito caro”, diz o economista Marcos Lisboa, vice-presidente do banco Itaú.

É esse salto — de emergente a rico — que EXAME espera poder contar nas próximas 1 000 edições. De preferência, bem antes disso.

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