Fukuyama: "nenhum país rico começou sua escalada com ótimos governos já estabelecidos" (Noah Berger/The New York Times/Latinstock)
Da Redação
Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 09h07.
São Paulo — O cientista político americano Francis Fukuyama, hoje professor na Universidade Stanford, ganhou notoriedade fora dos muros da academia no começo dos anos 90 ao publicar "O Fim da História e o Último Homem". No livro, ele diz que democracia e economia de mercado são a combinação mais adequada para promover o bem-estar nas sociedades.
Em seu mais novo livro, Ordem Política e Decadência Política, que será publicado no Brasil neste ano, Fukuyama analisa a construção histórica de instituições políticas desde a Revolução Industrial e chama a atenção para o que ele descreve como a grande questão da atualidade: a necessidade de os governos melhorarem a gestão.
“A maior ameaça à democracia são governos que não conseguem entregar serviços públicos de qualidade”, disse Fukuyama a EXAME. Para ele, é preciso reformar o Estado para que o sistema do voto popular não perca a legitimidade. Nas questões relacionadas a esse tema, Fukuyama afirma que o Brasil ainda tem muito o que avançar.
Exame - O senhor diz que existe uma forte correlação entre a alta qualidade de governos e políticas econômicas e sociais bem-sucedidas. Os países ricos são ricos porque têm bons governos ou eles têm bons governos porque são ricos?
Fukuyama - Os países precisam ter um governo com algum nível de qualidade para que possam ficar ricos. Mas nenhum país rico começou sua escalada com ótimos governos já estabelecidos. A melhoria da qualidade dos governos e o desenvolvimento econômico caminham juntos. Nesse sentido, o caso dos Estados Unidos é emblemático.
No século 19, o país tinha um governo que era bastante corrupto do alto ao baixo escalão, o clientelismo era a regra, a prestação de serviços era ruim porque sofria muita influência política. Apesar disso, o país conseguiu se tornar um gigante industrial no fim daquele mesmo século. À medida que se tornou mais rico, conseguiu reformar o Estado e diminuir a corrupção na primeira metade do século 20.
Exame - A corrupção não é um impedimento para o desenvolvimento econômico?
Fukuyama - Pode ser. Em alguns países, a corrupção é tamanha que o desenvolvimento não tem nem chance de começar. Nesses casos, o primeiro passo é aumentar a qualidade do governo.
Exame - Em que estágio o Brasil está nessa questão?
Fukuyama - O Brasil é um caso interessante. É um país que está ficando rico e tem as condições necessárias para que haja uma elevação na qualidade da gestão estatal. A classe média tem crescido, e isso aumenta a demanda por um Estado mais eficiente. Diria que o Brasil atualmente está no mesmo estágio que os Estados Unidos estavam no fim do século 19.
O Brasil se industrializou, promoveu mudanças na área social, mas isso tudo ainda não resultou numa ampla reforma do setor público. O que divide o mundo hoje não são democracias e governos autoritários. São cleptocracias, de um lado, e países com governos que servem ao bem-comum, de outro.
Alguns países têm eleições limpas, mas não conseguem entregar serviços públicos de qualidade, o que acaba por deslegitimar a democracia. Singapura e China não são democráticos, mas conseguem oferecer bons serviços. A qualidade dos serviços públicos é o grande tema da atualidade.
Exame - Quais são os melhores exemplos de países que fizeram uma ampla reforma do Estado?
Fukuyama - É importante ressaltar que nenhum país arrumou o setor público numa única tacada. A reforma do Estado é um processo gradual. Na América Latina, há alguns exemplos de instituições públicas de elite. Nos últimos 30 anos, a qualidade do corpo técnico dos bancos centrais e dos ministérios da Fazenda aumentou de forma muito expressiva.
Os problemas que culminaram com a crise da dívida, que afetou a região nos anos 80, não existem na maioria dos países. Por que os bancos centrais e os ministérios da Fazenda conseguiram dar esse salto e a qualidade das escolas não melhorou na mesma medida?
É mais fácil selecionar e treinar alguns poucos técnicos de alto nível e medir a qualidade do trabalho deles do que reformar um sistema educacional inteiro.
Exame - Os governos bem-sucedidos na reforma do Estado são aqueles com coragem de enfrentar a resistência dos sindicatos do funcionalismo público?
Fukuyama - As pessoas, de modo geral, resistem muito a prestar contas do que fazem. Isso é marcante em funcionários públicos de todas as partes do mundo. Eles abominam a ideia de ter metas e de ser punidos por não conseguir atingi-las. Os sindicatos são contra as tentativas de criar bônus por performance. Lutam pela segurança do emprego sem conexão com a qualidade do serviço.
É por isso que as reformas da burocracia quase sempre envolvem brigas com os sindicatos. Para elevar a eficiência do Estado, os governos precisam separar os funcionários que trabalham muito e são competentes dos preguiçosos e descomprometidos. Ao longo das últimas décadas, a prefeitura de Nova York tem sido bem-sucedida nessa tarefa.
Exame - Os brasileiros têm se surpreendido com os desdobramentos do caso de corrupção na Petrobras. Quais são as melhores armas contra ladrões dentro do Estado?
Fukuyama - O Brasil tem exemplos de instituições públicas de alto padrão, como a Petrobras e o BNDES. Mas sempre existe uma enorme tentação da parte dos políticos de usar essas instituições. Colocam seus amigos em postos-chaves e instauram práticas corruptas. De modo geral, uma estratégia para combater a corrupção é pagar melhor o funcionalismo.
Assim, não se sente tentado a aceitar propinas. Mas outro ponto muito importante é fazer com que os servidores se tornem fiéis à nação e ao interesse público. Sem esse sentimento, não existem polícia e sistema judiciário que consigam evitar a corrupção em larga escala.