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Da Redação
Publicado em 11 de outubro de 2011 às 17h57.
Dono de um império estimado em 15 bilhões de dólares, o clã Pritzker é hoje constituído por 11 primos da terceira e quarta geração de uma família de origem ucraniana que controla, entre outros negócios, a luxuosa rede de hotéis Hyatt.
Nos últimos anos, a fortuna iniciada por Nicholas Pritzker, em 1880, quando desembarcou nos Estados Unidos, vem sendo abalada por uma das maiores ameaças a que uma empresa familiar está sujeita: a disputa entre herdeiros.
A crise veio a público no final de 2002, quando uma das herdeiras da quarta geração, Liesel, que segue uma modesta carreira de atriz em Hollywood, entrou com um processo contra o pai, acusando-o de retirar cerca de 1 bilhão de dólares de um fundo em seu nome.
Mas bem antes que essa desavença ganhasse a mídia, os problemas já estavam corroendo laços na família Pritzker. Eles vão de discussões sobre o enriquecimento de sócios que trabalham na gestão das empresas, como Thomas Pritzker, presidente do Hyatt, a estremecimentos motivados pela falta de afinidade quanto à visão de futuro.
Além de Liesel, outros integrantes do império Pritzker optaram por se dedicar a áreas completamente diferentes do negócio de hotéis -- como o cenário musical, o budismo e as Forças Armadas. Não que isso seja um impedimento para que se mantenham unidos. Consultores afirmam ser saudável para as famílias que alguns herdeiros sigam carreiras fora da empresa.
Mas isso não basta quando entre sócios com interesses tão distintos instaura-se uma crise de confiança. "Nesses casos, a separação é muitas vezes o melhor caminho para a família e o próprio negócio", diz a professora Elismar Álvares, da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.
Conduzir um divórcio na vida empresarial, mesmo quando amigável, nunca é fácil. Mas há formas de amenizar o desgaste desse processo. Para tanto, é fundamental que as regras para a saída de um acionista sejam definidas antecipadamente. No caso de empresas familiares, cujo controle acionário se dilui geração após geração, isso passa a ser ainda mais necessário.
Estudos mostram que apenas 5% dessas companhias continuam a gerar dividendos atrativos para seus acionistas após a terceira geração. Isso significa que, com o número cada vez maior de sócios, cresce a possibilidade de alguém querer sair para transformar o seu quinhão em dinheiro vivo.
Por isso, no momento em que o assunto vier à tona, quando é comum os ânimos estarem mais exaltados, o ideal é que a negociação seja pautada por princípios predefinidos de comum acordo.
O ponto mais sensível no rompimento de uma sociedade é a definição de quanto ela vale. Daí a importância de constar no acordo de acionistas como será a forma de avaliação e por quem ela será feita.
"Estabelecer previamente essas regras é fundamental para a perenidade dessas companhias", diz Henry Foley, diretor da consultoria americana OMBI, especializada em empresas familiares. No grupo Odebrecht, que possui 16 membros na quarta geração, essa questão foi resolvida há dez anos.
Os cinco núcleos familiares descendentes do fundador, Norberto Odebrecht, constituíram empresas que integram a holding Kieppe, dona de 62% do grupo. Do total do patrimônio da holding familiar, 20% estão alocados num fundo administrado por um banco independente, o Credit Suisse.
"Fizemos isso para contar com recursos em casos de saída de acionistas, que podem ser parcial ou total", afirma o empresário Emilio Odebrecht. Para desestimular os acionistas a vender seus papéis, a holding Kieppe estabeleceu que o valor pago deve corresponder a 80% da avaliação feita pelo banco. Na gaúcha Gerdau, o valor é definido pelas ações negociadas em bolsa.
"Decidimos dessa forma para que não haja discussão. Negócio entre parentes sempre dá briga, não é?", afirma Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do grupo.
Definir antecipadamente o prazo do pagamento ao sócio que deixa a companhia também é uma medida que protege a saúde financeira do negócio. Dessa forma, no caso de o comprador ser a própria empresa, evita-se que ela sofra uma descapitalização inesperada. Esses prazos costumam não ser inferiores a 12 meses.
Os controladores da Odebrecht também estabeleceram regras nesse sentido. O herdeiro receberá sua parte em dinheiro em quatro parcelas pagas ao longo de três anos.
Um estudo feito pela consultoria McKinsey com 11 das empresas familiares mais antigas dos Estados Unidos e Europa revelou que, invariavelmente, todas impõem algumas restrições à saída de herdeiros.
"Em algumas, eventos de recompra de ações acontecem somente a cada cinco anos", diz Heinz-Peter Elstrodt, diretor da filial brasileira da McKinsey. "Outras só permitem ao herdeiro negociar sua cota com familiares e ainda assim pela metade do valor de mercado."
Isso ocorre, segundo ele, porque as famílias que guardam uma visão de perpetuação do negócio consideram que o herdeiro é "dono temporário" e tem obrigações como acionista. Em companhias como a americana Cargill, controlada por um truste -- empresa que representa direitos e obrigações do investidor --, é virtualmente impossível ao herdeiro negociar sua saída.
Foi também com trustes que os Rockefeller se organizaram para multiplicar o patrimônio acumulado pelo patriarca John D. Rockefeller, fundador do banco Chase Manhattan, o atual JP Morgan Chase. Ao morrer, em 1937, seu filho John Jr. já havia estabelecido sete trustes para proteger os ativos e os investimentos da família. São esses fundos que zelam pela fortuna dos 132 descendentes vivos -- alguns deles com patrimônio superior a 1 bilhão de dólares.
Alguns dos grandes grupos brasileiros de origem familiar estão seguindo caminhos semelhantes. Na Gerdau, que está na quarta geração e tem seu controle distribuído entre quatro ramos familiares, a quinta geração já soma 16 herdeiros.
Se alguém quiser deixar o grupo, deve primeiramente oferecer a sua parte ao próprio núcleo familiar. Se ele não tiver como pagar, a cobertura será feita por um fundo de reserva criado para esse fim. É assim que se garante que a composição acionária entre as famílias controladoras permaneça inalterada com o tempo.
Também com o objetivo de manter o controle da empresa nas mãos das famílias fundadoras, o RBS, um dos maiores grupos de comunicação do país, definiu que um herdeiro só pode vender a sua parte caso tenha recebido uma oferta de alguém de fora da sociedade.
Antes de aceitá-la, porém, ele deve apresentá-la aos demais integrantes de seu grupo familiar. "O direito de preferência na compra é dos sócios da holding do vendedor", diz Nelson Sirotsky, presidente do grupo. Atualmente, já são mais de 20 os herdeiros do RBS, incluindo filhos, netos e bisnetos dos três fundadores.
Como o grupo planeja abrir seu capital em 2006, aguarda o evento para forjar regras de saída mais detalhadas para as próximas gerações.
A abertura de capital representa uma oportunidade para a eventual saída de um sócio, que pode então vender a sua parte via bolsa de valores. Foi o que aconteceu no Pão de Açúcar, em maio deste ano, quando o sócio majoritário, o empresário Abilio Diniz, passou a dividir o controle da empresa com o grupo francês Casino.
De acordo com Pércio de Souza, da Estáter, consultoria que representou o Pão de Açúcar nas negociações, a saída do fundador, Valentim Diniz, e da filha Lucília não estava prevista inicialmente. Mas como detinham uma participação minoritária, tornou-se mais vantajoso para eles ter a possibilidade de vendê-la no mercado acionário.
A alternativa foi transformar as ações dos dois em papéis preferenciais, as chamadas ações PN, fáceis de ser negociadas na bolsa. Dos 22,5 bilhões de ações PN que eles receberam, 5,5 bilhões foram vendidas até agora.
Para evitar que uma ruptura societária dilapide as reservas de uma empresa inesperadamente, uma alternativa recomendada pelos consultores é a criação de um fundo. Essa reserva deve ser formada aos poucos, com parte do lucro gerado pela empresa. O saldo ideal desses fundos depende do número de sócios da companhia.
Quanto maior, menor será a necessidade de recursos, uma vez que a participação acionária estará mais diluída. Mas ele costuma variar entre 10% e 30% do valor da empresa e pode ser somado a outros ativos, como imóveis.
O grupo mineiro Asamar, que entre seus negócios opera a rede de postos de combustíveis Ale, mantém um fundo misto -- formado por dinheiro e imóveis -- que soma cerca de 30% de seu valor.
Nos anos 90, os sócios tiveram a chance de escolher se queriam ou não permanecer juntos. Na época, as duas principais empresas do grupo, uma fábrica de cimento e uma de concreto, foram vendidas. Com dinheiro no bolso, os 22 herdeiros da segunda geração tiveram de optar se queriam investir nos demais negócios ou pular fora. Cinco decidiram aplicar seu capital em projetos próprios.
Desde então, dois quiseram sair da sociedade e outro vendeu parte de sua cota. Mas em nenhum dos casos foi preciso usar o dinheiro do fundo, porque os compradores foram membros dos próprios grupos familiares. Essa, aliás, é uma das regras do acordo de acionistas do grupo Asamar, fundado em 1932.
No caso de um dos herdeiros querer vender a sua parte, deve oferecê-la primeiro a seu grupo familiar. Não havendo interesse, deve procurar a própria empresa. Se ela fechar o negócio as cotas serão divididas igualmente entre todos os acionistas, man tendo assim inalterada a representação de cada um na sociedade.
É para esses casos que se utiliza o dinheiro do fundo de reserva, constituído com parte dos dividendos de todos. Se a empresa recusar a oferta, o herdeiro está livre para negociar com os demais grupos familiares individualmente. Se ainda assim ninguém manifestar interesse, ele poderá então vender a sua parte a um investidor externo.
Discutir de forma preventiva um eventual rompimento societário no futuro é uma prova de maturidade para uma empresa familiar, independentemente de seu tamanho. "Mas o fato é que 80% das empresas familiares não chegam à segunda geração porque não sabem lidar com o desligamento de um dos sócios", afirma o consultor paulistano René Werner.
A empresária Sandra Chieppe Moura, sócia da mineira Univale Transportes, sentiu na pele o risco que a saída inesperada de um dos acionistas pode representar. Com a morte do pai e fundador, a empresa foi assumida por ela, as quatro irmãs e a mãe.
Um executivo que trabalhara com o fundador assumiu a direção e tornou-se sócio. Cinco anos depois, em 2003, foi selada uma parceria com uma empresa em Vitória. O diretor e uma das irmãs decidiram sair da Univale. Juntos, os dois detinham 26% da empresa. "Foi um forte desgaste emocional", diz Sandra.
Segundo ela, a empresa só não entrou em crise porque houve troca de participação acionária. O prazo para o pagamento, se fosse necessário desembolso em dinheiro, estava previsto para 36 meses. Mas essa regra está agora sendo revista. "Como estamos em fase de expansão, não temos caixa adicional para suportar outra retirada", diz Sandra. "O prazo será ampliado para dez anos."
O que parecem formalidades pode ganhar o espectro de uma ameaça à sociedade -- e, portanto, à empresa -- com o passar dos anos. "Não existe uma fórmula-padrão", diz Ricardo Leonardos, diretor da Symphoni, consultoria para negócios familiares. "Importante é saber o risco que correm as famílias que não se preparam para essas separações
Desandam em guerras judiciais ou são compelidas a vender a empresa." Um exemplo entre muitos é o da Metal Leve. Como os seis grupos controladores que a fundaram não haviam formalizado um acordo, a vinda de novas gerações colocou em xeque a possibilidade de manter o controle da companhia -- afinal, vendida à alemã Mahle, depois que um dos sócios quebrou um acordo tácito ao negociar suas ações no mercado.
Com reportagem de Suzana Naiditch