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Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2012 às 15h50.
O americano Steven Spielberg é o diretor mais bem-sucedido da história do cinema. Filmes dirigidos por ele já faturaram quase 4 bilhões de dólares - e sua fortuna é estimada em 3 bilhões de dólares. Não satisfeito com esse currículo, em 1994 Spielberg deu o passo mais ousado de sua carreira: fundou seu próprio estúdio de cinema. Seus sócios na empreitada eram o bilionário David Geffen e Jeffrey Katzenberg, executivo que havia ressuscitado a divisão de animação da Disney. Nascia, ali, a DreamWorks SKG. A união dos três foi saudada como a maior soma de talento e poder a aparecer em Hollywood desde que Charlie Chaplin e D.W. Griffith ajudaram a criar a United Artists, em 1919. A promessa era virar a indústria cinematográfica de pernas para o ar. Numa cidade em que a turma do dinheiro (os executivos de estúdios) e a turma do talento (diretores, atores, roteiristas) vivem numa guerra constante, o estúdio de Spielberg faria tudo diferente. Os artistas tomariam as decisões, e a qualidade tomaria o lugar da quantidade. Os investidores adoraram a ideia: a DreamWorks nasceu com um capital de quase 3 bilhões de dólares. Mas aquela euforia toda se provou exagerada. Após quase quebrar, a DreamWorks foi vendida para a Paramount e, em seguida, acabou resgatada por um grupo indiano. Cada sócio foi parar num canto. Contrastado com aquela expectativa, o estúdio de Spielberg foi uma senhora decepção.
O que deu errado? A história da DreamWorks é o tema de The Men Who Would Be King ("Os homens que queriam ser rei", trocadilho com o filme O Homem Que Queria Ser Rei, de John Huston). Trata-se de uma biografia não autorizada: a jornalista Nicole LaPorte, que cobria a empresa pela revista Variety, não teve ajuda alguma dos três fundadores da DreamWorks. Tanto melhor: sua narrativa é uma chance única de conhecer as entranhas de um grande estúdio americano, suas relações com as estrelas da cidade e, sobretudo, os egos que o controlam.
E que egos. O ponto alto do livro é justamente a descrição das personalidades envolvidas na DreamWorks e a visão que cada um tinha do projeto - visões bastante diferentes, por sinal. Apesar de todo o seu sucesso, Spielberg vivia uma eterna busca por reconhecimento: as seguidas esnobadas que leva na noite do Oscar deixam o diretor à beira da depressão.
Spielberg viu na DreamWorks uma maneira de, finalmente, se sentir no comando. Mesmo com sua importância toda, afinal, ele ainda era um diretor empregado pelos estúdios dos outros. "Ele estava pronto para virar o patriarca", escreve Nicole. Para Katzenberg, a criação de um novo estúdio serviria de plataforma para declarar guerra à Disney, de onde tinha sido escorraçado pelo chefão Michael Eisner. Já Geffen viu na DreamWorks uma maneira de manter sua influência e, de quebra, executar suas vendetas pessoais contra outras personalidades hollywoodianas. A venda da gravadora Geffen Records já havia feito dele mais rico que o próprio Spielberg.
A união de três celebridades com objetivos tão diferentes acabou não gerando o resultado esperado. Spielberg criou na divisão de filmes um feudo para seus protegidos. E, para espanto dos sócios, o diretor continuou fazendo filmes para outros estúdios. Katzenberg, o fundador com maior vocação para administrar um estúdio, ficou relegado à divisão de animação, já que os filmes eram departamento da patota de Spielberg.
Nos primeiros anos, a briga com Eisner para receber um bônus dos tempos da Disney consumia boa parte do tempo de Katzenberg (ele levou 280 milhões de dólares). E o bilionário Geffen era, basicamente, estranho ao dia a dia do estúdio.
O livro de Nicole mostra, um a um, os sonhos anunciados pelo trio sendo desfeitos. Na esfera dos negócios, a ambição era produzir videogames e música e se aventurar pela internet. Os projetos foram abandonados, assim como o dinheiro dos investidores. Mas foi na arena que mais interessa - a produção de filmes - que a distância entre a ambição da DreamWorks e a realidade foi maior.
O estúdio padeceu de uma crônica falta de filmes em produção a cada ano. Promessas revolucionárias, como a ideia de pagar aos roteiristas uma porcentagem do faturamento de cada filme, foram esquecidas. Finalmente, colocar artistas no topo da cadeia de comando não foi uma ideia tão boa assim.
Atores e diretores consagrados se irritavam com a constante alteração nos roteiros dos filmes por parte da equipe de Spielberg - muitas vezes, na véspera da gravação de uma cena. Durante as filmagens de Gladiador, o ator Russell Crowe chegou a ligar no meio da madrugada para um dos produtores ameaçando "matá-lo com as próprias mãos".
Indignado com as mudanças em seu personagem, ele ameaçou largar o projeto. Todos os estúdios fazem isso, afirma Nicole, mas a DreamWorks editava de maneira tão agressiva que o talento, atraído pela promessa de trabalhar com Spielberg, começou a ir embora.
Com custos altos e receitas nem tanto, a situação financeira da DreamWorks piorou até que o estúdio esteve perto de quebrar, após o lançamento da animação Sinbad, em 2003. Enquanto concorrentes como a Pixar, de Steve Jobs, ganhavam os tubos com animações em três dimensões, Katzenberg insistia nos desenhos animados que haviam feito seu sucesso na Disney.
Sinbad perdeu 125 milhões de dólares. O estúdio acabou salvo pelo ogro Shrek, projeto para o qual os chefões do estúdio não davam muita bola. O sucesso da série foi tão grande que permitiu a Katzenberg abrir o capital da divisão de animação da DreamWorks. Mas não foi suficiente para evitar a venda para a Paramount, em 2005.
Três anos depois, a relação entre os fundadores e os novos donos do pedaço se deteriorou a ponto de o negócio ser desfeito. Nesse período, a situação era tão desesperadora que Spielberg teve de tirar dinheiro do próprio bolso para pagar as contas. Geffen deixou a DreamWorks em 2008. Katzenberg, salvo pelo ogro, ficou com a divisão de animação.
Spielberg conseguiu salvar o que restou da DreamWorks ao negociar um pacote de resgate liderado pelo grupo indiano Reliance - mais um a acreditar que o diretor mais bem-sucedido da história também leva jeito para tocar seu próprio estúdio. "Como investidores do Oriente Médio e da Índia provam, sempre haverá alguém disposto a fazer parte da fantasia", escreve Nicole. "O mito, mais que em qualquer outro tipo de negócio, ainda atrai."