Prédio em obras: falhas na capacitação dificultam a adoção de novas tecnologias (Alexandre Battibugli / EXAME)
Da Redação
Publicado em 25 de setembro de 2015 às 15h29.
São Paulo - Empregos, riqueza e bem-estar individual são coisas que dependem apenas do que as pessoas sabem e do que elas podem fazer com o que sabem. Não existem atalhos para equipar pessoas com as habilidades apropriadas e oferecer-lhes as oportunidades para que usem suas aptidões de maneira eficiente.
Andreas Schleicher é físico e matemático. É diretor da área de educação da OCDE responsável pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)
E se há algo que a economia global nos ensinou nos últimos anos é que não basta nos estimular para sair de uma crise e que não podemos simplesmente imprimir mais dinheiro para superá-la. Países como o Brasil podem se sair muito melhor preparando mais pessoas com condições de colaborar, competir e se conectar de maneira que possam obter um emprego mais atraente, melhorando de vida e impulsionando a economia.
A atual deficiência na capacitação dos trabalhadores brasileiros limita seriamente o acesso das pessoas a empregos mais bem remunerados e compensadores. E a distribuição desigual das habilidades tem implicações significativas na maneira como os benefícios do crescimento econômico do país são divididos na sociedade brasileira.
Em outras palavras, onde grande parte dos adultos são precariamente capacitados, fica difícil incorporar tecnologias que aumentem a produtividade e introduzam novas maneiras de trabalhar, retardando assim um avanço nos seus níveis de vida.
Nesse aspecto, as qualificações têm um peso maior do que a renda ou o emprego. Pessoas menos capacitadas são muito mais propensas a ter problemas de saúde, a enxergar-se como objetos — e não como atores em processos políticos — e a confiar menos em outras pessoas.
O Brasil não conseguirá desenvolver políticas justas e inclusivas e mobilizar todos os cidadãos enquanto a falta de proficiência em habilidades básicas impedir as pessoas de participar plenamente da sociedade. E para nenhum grupo isso é mais importante do que para a juventude atual, que não consegue competir em experiência ou em conexões sociais com os mais velhos.
Investir cedo é crucial. As escolas brasileiras de hoje serão a economia e a sociedade do Brasil de amanhã. O conhecimento e as habilidades dos estudantes de 15 anos, conforme medidos pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), são altamente preditivos das habilidades que os adultos têm ou que adquirirão mais tarde na vida.
O Brasil tem muito a ganhar com a elevação da qualidade e da equidade nos resultados do aprendizado. Se o país conseguir garantir que todos os estudantes de 15 anos atinjam com sucesso pelo menos o nível mais baixo de desempenho do Pisa (nível 1), só isso acrescentará 23 trilhões de dólares à economia brasileira durante o tempo de vida dos que hoje estão com 15 anos.
Isso equivale a 7,5 vezes o tamanho atual da economia brasileira e mostra que as recompensas da melhor escolaridade eclipsam qualquer custo que se estime necessário para o avanço.
É verdade que o sistema educacional brasileiro enfrenta desafios sociais bem maiores do que os de muitos países. Mas o fato de os garotos socialmente mais desfavorecidos em Xangai superarem o desempenho escolar dos garotos mais ricos do Brasil nos lembra que pobreza não é destino, e isso retira as desculpas dos mais complacentes.
Entretanto, podemos dizer que o copo está meio cheio em vez de meio vazio. Entre os países que aderiram ao Pisa desde 2000, o Brasil é o que mais avançou em desempenho. Além disso, o país conseguiu ampliar significativamente a população de 15 anos que tem acesso à escola. Mas o sistema educacional brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar padrões mundiais de excelência.
Evidentemente, ninguém pode simplesmente copiar e colar sistemas escolares no atacado. Mas o Pisa revelou uma quantidade surpreendente de características compartilhadas pelos sistemas escolares mais bem-sucedidos do mundo. Todos concordam que educação é importante, mas a prova real ocorre quando se compara a educação com outras prioridades.
Como os países remuneram seus professores em comparação com outros trabalhadores altamente especializados? Você gostaria que seu filho fosse um professor em vez de um advogado? Como a mídia se refere aos professores? A primeira coisa que aprendi com o Pisa é que os líderes em sistemas escolares de alto desempenho convenceram seus cidadãos a fazer escolhas que valorizam mais a educação do que outras coisas.
Pais e avós chineses não hesitarão em investir seu último centavo na educação de seus filhos, no futuro deles. Enquanto isso, o Brasil e o mundo ocidental começaram a tomar emprestado o dinheiro de seus filhos para financiar seu consumo atual. É importante corrigir isso.
Atribuir um alto valor à educação é apenas parte da equação. Outra parte é a crença no potencial das crianças. O fato de estudantes na Ásia oriental acreditarem que a realização é principalmente um produto do trabalho árduo, e não de inteligência herdada, sugere que a educação e seu contexto social podem fazer a diferença ao instilar os valores que promovem o sucesso na educação.
Contraste-se isso com o Brasil, onde a maioria dos estudantes acredita que o sucesso na escola é resultado de uma inteligência inata. Esses estudantes creem que as escolas é que os escolhem e não se enxergam como responsáveis pelo próprio sucesso.
Sistemas escolares de alto desempenho também compartilham padrões claros e ambiciosos em geral. Todos sabem o que é preciso para obter uma dada qualificação. Esta continua a ser uma das mais poderosas formas de prever o desempenho no Pisa.
Além disso, a qualidade do sistema educacional brasileiro depende fundamentalmente da qualidade de seus professores. O Brasil investiu muito para melhorar as condições de trabalho dos professores, mas isso é apenas o começo. Sistemas educacionais de alto desempenho tornam o ensino uma opção de carreira atrativa para os melhores candidatos possíveis.
Eles asseguram uma formação de alta qualidade do professor, oferecem estímulo e aconselhamento para novos docentes e baseiam o profissionalismo do professor numa compreensão do aprendizado efetivo com base em evidências. Também propiciam caminhos inteligentes para que os professores possam progredir na carreira, algo que ainda não está funcionando no Brasil.
Eles incentivam seus professores a fazer inovações pedagógicas, a melhorar o próprio desempenho e o de colegas e a trabalhar em conjunto para estruturar as boas práticas. E eles crescem e estimulam a liderança em todo o sistema escolar.
O resultado mais impressionante dos sistemas escolares de classe mundial talvez seja que eles oferecem alta qualidade educacional para que cada estudante se beneficie de um aprendizado excelente. Para tanto, esses sistemas conseguem atrair os professores mais talentosos para as classes mais desafiadoras e os diretores de escola mais preparados para as escolas mais difíceis.
Alguns estados brasileiros já começaram a conectar melhor as escolas e a criar um sistema escolar mais coerente, mas isso ainda está longe de ser uma política generalizada no país.
E, por fim, o Brasil precisará repensar seu sistema de ensino para melhor antecipar o conhecimento e as habilidades necessárias para revitalizar sua economia. A realidade é que, de um lado, há um grande número de graduados desempregados nas ruas; de outro, empregadores que não conseguem encontrar pessoas com as aptidões necessárias.
Isso mostra claramente que apenas mais educação não se traduz automaticamente em empregos melhores e vidas melhores. O descompasso das habilidades é um fenômeno muito real e se reflete nas perspectivas de ganhos das pessoas e em sua produtividade.
Saber quais habilidades serão necessárias na sociedade e quais caminhos educacionais levarão os jovens aonde eles querem estar é fundamental. Afinal, boa educação implica promover a paixão pelo aprendizado e o crescimento da humanidade, estimular a imaginação, desenvolver tomadores de decisões independentes capazes de moldar nosso futuro e aumentar a capacidade de regeneração e a alegria de seguir em frente.
Pode-se resolver a maioria das tarefas escolares no Brasil em segundos com a ajuda de um smartphone. Para as crianças brasileiras serem mais inteligentes do que um smartphone, o ensino precisa ir além: mais do que simplesmente reproduzir o que aprenderam, elas precisam extrapolar o que sabem e usar seu conhecimento em situações novas.
O mundo atual já não recompensa as pessoas pelo que elas sabem — o Google sabe tudo —, mas pelo que elas podem fazer com o que sabem. É precisamente disso também que trata o sucesso no Pisa.
Melhorar os sistemas educacionais, portanto, não é apenas atualizar e reembalar o conteúdo educacional, mas ajudar estudantes a descobrir quem eles são, aonde eles querem chegar na vida e como chegarão lá, num mundo em rápida transformação e com crescente incerteza.
Essa é uma tarefa formidável e, a cada três anos, o Pisa nos recorda que os países podem cumprir a promessa da educação. As comparações internacionais não são fáceis e, com certeza, não são perfeitas. Mas o Pisa mostra o que é possível em educação e ajuda o Brasil a se olhar no espelho dos resultados e das oportunidades propiciadas pelos dirigentes educacionais do mundo.
O certo é que, sem as aptidões adequadas, as pessoas terminarão às margens da sociedade brasileira e o progresso tecnológico não se traduzirá em crescimento econômico. O Brasil terá grande dificuldade para continuar no pelotão de frente neste mundo hiperconectado e, por fim, perderá o cimento social que mantém unidas as sociedades democráticas.