Bernie Sanders: ele foi jornalista, prefeito da pequena Burlington, deputado federal e elegeu-se senador em 2006 (Win McNamee/Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de outubro de 2015 às 04h56.
Nova York — O músico Armand Aviram, de 29 anos, complementa a renda de professor de música com a produção de shows de artistas locais no Brooklyn, em Nova York. Ele precisa desses bicos para dar conta de pagar o empréstimo estudantil, que consome grande parte de sua renda mesmo após mais de cinco anos de formado.
“Quando meu pai emigrou de Israel para os Estados Unidos, 40 anos atrás, ele teve mais oportunidades do que eu tenho hoje”, diz Aviram. Para ele, as propostas do senador Bernie Sanders, pretendente à vaga de candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, soam como música.
Sanders defende o ensino superior gratuito nas universidades públicas e um apoio maior do governo americano na redução dos juros dos empréstimos estudantis. Ele promete baixar o desemprego dos mais jovens, que está em 11%, e aumentar o salário mínimo de 7,25 para 15 dólares por hora em quatro anos.
Com o objetivo de arrecadar doações à campanha de Sanders, Aviram organizou um show com amigos em um bar no bairro industrial de East Williamsburg, no Brooklyn. A entrada custava 10 dólares e cerca de 300 pessoas compareceram.
Elas fazem parte dos mais de 650 000 americanos que fizeram doações ou trabalho voluntário para Bernie Sanders — a maioria deles jovens e brancos. O tíquete médio é de 30 dólares. Somente durante as 4 horas seguintes ao instante em que o primeiro debate dos democratas começou na rede CNN, no dia 13 de outubro, ele arrecadou 1,3 milhão de dólares online.
Entre julho e agosto, ele levantou quase a mesma quantia que a líder nas pesquisas, Hillary Clinton, 28 milhões de dólares. Mas Sanders não recebe doações de grandes empresas, que costumam irrigar as campanhas políticas nos Estados Unidos.
O principal mote de sua candidatura é evitar o dinheiro dos bilionários — o jornal The New York Times calculou que apenas 158 famílias americanas doaram metade de toda a arrecadação feita até agora para a campanha presidencial de 2016. Bernie Sanders têm ascendido nas primárias do Partido Democrata como um competidor real para a ex-secretária de Estado Hillary Clinton.
Ele já está na frente de Hillary nas pesquisas do estado de New Hampshire, um dos primeiros a escolher o candidato democrata. Em Iowa, os dois têm alternado o primeiro lugar. Nas pesquisas nacionais, no entanto, ela ainda mantém uma liderança folgada de mais de 15 pontos percentuais.
O que Sanders promete é uma injeção de governo na economia que não se compara nem ao New Deal de Franklin Delano Roosevelt, nos anos 30. Sanders quer um sistema público de saúde universal e gratuito. Ele promete 1 trilhão de dólares de investimento em obras de infraestrutura. Também quer uma regulação pesada em cima dos bancos.
Ele propõe que as maiores instituições financeiras dos Estados Unidos sejam divididas em várias menores para evitar o conceito de “grande demais para quebrar”, que obrigou o governo americano a socorrer o mercado financeiro em 2008. Sanders também quer mais impostos para os mais ricos, incluindo novas faixas de imposto de renda acima do teto atual de 400 000 dólares anuais.
São os endinheirados que vão pagar pelo estado de bem-estar social que Sanders quer implementar na maior economia do planeta. A agenda mais à esquerda representada pelo senador do estado de Vermont contaminou a candidatura de Hillary Clinton, que tem feito propostas na mesma linha.
“O plano que ela divulgou para aumentar a regulação em Wall Street e a declaração de que é contrária ao acordo de comércio do Pacífico anunciado pelo presidente Obama são claras indicações de que está sendo influenciada pela ascensão de Sanders”, afirma Tony Fratto, sócio da agência de comunicação política Hamilton Place Strategies. Fratto foi porta-voz da Casa Branca durante o governo George W. Bush.
A pauta do debate do dia 13 de outubro é outro sinal claro de que, independentemente das chances de vitória de Sanders, os temas trazidos por ele vieram para ficar nessa campanha presidencial. Hillary prometeu renegociar todos os 40 milhões de empréstimos estudantis caso seja eleita.
Defendeu uma lei que obriga as empresas a dar licença-maternidade às funcionárias — um direito trabalhista que é obrigatório somente em alguns estados americanos. E também apoiou uma das principais propostas de Sanders: reduzir a população carcerária flexibilizando leis que mandam para a prisão usuários de drogas leves.
Antes de Bernie Sanders, a turma mais à esquerda do Partido Democrata flertou com a senadora por Massachussetts Elizabeth Warren, que se notabilizou com um discurso de defesa da classe média e de repúdio ao acordo comercial defendido por Obama. Ela preferiu não se candidatar. Sanders, por sua vez, só deverá ter uma chance: esta. Afinal, ele já está com 74 anos.
Mas o senador declarou que espera ver o movimento que impulsiona sua candidatura continuar além das primárias, sendo ele o candidato democrata ou não. “Nenhum presidente terá o poder de mudar a vida das famílias de classe média sozinho. O único jeito é se milhões de americanos se juntarem e começarem uma revolução”, disse Sanders para mais de 20 000 pessoas em Boston, no início de outubro.
A vitória do senador de Vermont ainda é um cenário improvável — ainda mais porque ele aparece atrás dos candidatos republicanos em simulações da eleição geral.
Mas é cada vez mais provável que suas ideias tenham um impacto real na agenda do próximo presidente dos Estados Unidos. O que, no caso da eleição de um democrata, deve significar mais impostos e mais Estado na economia na Meca do liberalismo.