Área central de Londres: os serviços de compartilhamento de carro se espalham pelo mundo (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2015 às 18h00.
São Paulo — Leia um trecho exclusivo do livro "Sociedade com Custo Marginal Zero", do futurólogo americano Jeremy Rifkin, que prevê a substituição do capitalismo pela economia do compartilhamento:
"O capitalismo está dando à luz uma descendência. Chama-se economia do compartilhamento. Esse é o primeiro novo sistema econômico a entrar no palco mundial desde o advento do capitalismo e do socialismo. A economia do compartilhamento já está mudando a forma como organizamos a vida econômica, oferecendo a possibilidade de reduzir drasticamente a divisão de renda, democratizar a economia global e criar uma sociedade mais ecologicamente sustentável.
Mercados estão começando a dar lugar a redes, a posse está se tornando menos importante do que o acesso, a busca do interesse próprio está sendo moderada pela pressão de interesses colaborativos e o tradicional sonho de enriquecimento financeiro está sendo suplantado pelo sonho de uma qualidade de vida sustentável. Os jovens colaborativistas estão tomando emprestado as virtudes do capitalismo e do socialismo e eliminando a natureza centralizadora tanto do livre mercado quanto do estado burocrático.
Esses jovens não apenas produzem e compartilham as próprias informações, entretenimento, energia renovável, imprimem em 3D e frequentam cursos online abertos a um custo marginal próximo de zero. Eles também compartilham carro, casa e até roupas em sites de mídia social, locadoras, clubes de redistribuição e cooperativas a um custo marginal baixo ou de quase zero.
Jovens empreendedores criam empresas ecologicamente sensíveis e novos negócios com a ajuda do crowdfunding. Com isso, o ‘valor de troca’ no mercado está cada vez mais sendo substituído pelo ‘valor de compartilhamento’. À medida que mais jovens passam a compartilhar seus bens e serviços, as regras que regem uma economia de mercado se tornam menos relevantes para a vida da sociedade como um todo.
Na fase atual, estamos testemunhando o surgimento de uma economia híbrida. Uma parte é uma economia de mercado capitalista e a outra é uma economia compartilhada. Mas, mesmo nesse momento muito inicial, tem se tornado cada vez mais claro que o sistema capitalista, que forneceu uma narrativa tão convincente da natureza humana, atingiu o auge e começou seu lento declínio.
Embora os indicadores da grande transformação para um novo sistema econômico ainda sejam suaves e, em grande parte, anedóticos, a economia de compartilhamento está em ascensão e, em 2050, provavelmente terá se estabelecido como principal árbitro da vida econômica. Um sistema capitalista cada vez mais ágil continuará a prosperar, encontrando vulnerabilidades para explorar, principalmente como um agregador de serviços de rede e soluções.
Entendo que isso pareça totalmente inverossímil para a maioria das pessoas, de tão condicionados que nos tornamos à crença de que o capitalismo é tão indispensável para nosso bem-estar quanto o ar que respiramos. Mas, a despeito dos esforços de economistas ao longo dos séculos para atribuir as premissas operacionais do capitalismo às mesmas leis que governam a natureza, os paradigmas econômicos são apenas construções do homem, não fenômenos naturais.
A razão de ser do capitalismo é levar cada aspecto da vida humana para a área econômica, na qual é transformado em uma mercadoria que será negociada como um bem. Muito pouco do esforço humano escapou dessa transformação. A comida que comemos, a água que bebemos, os artefatos que produzimos e usamos, as relações sociais em que nos envolvemos, as ideias que trazemos à luz, o tempo que gastamos e até mesmo o DNA que determina tanto do que somos, tudo foi lançado no caldeirão capitalista — sendo reorganizado, precificado e levado ao mercado.
Durante a maior parte da história, os mercados eram pontos de encontro ocasionais onde bens eram negociados. Hoje, praticamente cada aspecto de nossa vida cotidiana está de algum modo conectado a trocas comerciais. O mercado nos define. E, numa economia de mercado, o lucro é obtido nas margens. Por exemplo, como autor, vendo meu produto de trabalho intelectual para uma editora.
O livro, então, passa por diversas mãos em seu caminho até o consumidor, incluindo serviços de editoração e impressão. Cada parte envolvida no processo aumenta o custo da transação ao incluir uma margem de lucro. Mas e se o custo marginal de produzir e distribuir um livro despencasse para praticamente zero? Na verdade, isso já está acontecendo. Um número crescente de autores está escrevendo livros e disponibilizando-os por um preço muito baixo, ou até mesmo de graça, na internet.
Atualmente, mais de um terço da raça humana está produzindo a própria informação e compartilhando-a por meio de vídeos, áudios e texto por um custo marginal próximo de zero. Essa revolução está começando a afetar setores como a indústria e a educação. Falo da impressão 3D e dos cursos online. Já existem milhões de consumidores que se tornaram produtores, gerando a própria energia renovável por um custo marginal próximo de zero.
Dentro das próximas duas ou três décadas, esses produtores-consumidores estarão produzindo e compartilhando energia renovável, assim como bens físicos e serviços. E, dessa forma, levando a economia mundial a uma nova era: um tempo em que as coisas serão praticamente gratuitas. Com isso, o mercado capitalista continuará a encolher. Empresas com fins lucrativos sobreviverão somente à margem da economia, com uma base reduzida de clientes de produtos e serviços altamente especializados.
A relutância atual em lidar com o advento do custo marginal próximo de zero é compreensível. Para poder entender as imensas mudanças econômicas, sociais, políticas e psicológicas que deverão vir é útil comparar este momento a outros igualmente disruptivos, como a passagem da economia feudal para a de mercado no final da Idade Média e, novamente, da economia de mercado para a economia capitalista na era moderna."