Irascibilidade: líderes como Jeff Bezos, da Amazon, dificilmente ganhariam um troféu de executivo parceiro do RH (Gus Ruelas/Reuters)
Da Redação
Publicado em 4 de dezembro de 2013 às 05h00.
— Você é preguiçoso ou só incompetente?
— Desculpe, mas será que esqueci de tomar as pílulas antiburrice (dos outros) hoje?
— Vou precisar sair e pegar o certificado que diz que sou o presidente desta empresa para que você pare de me desafiar dessa forma?
— Se eu ouvir essa ideia novamente, vou me matar.
Esse é Jeff Bezos tratando seus executivos no dia a dia, segundo o jornalista americano Brad Stone, autor de um já celebrado e polêmico livro sobre o criador da maior e mais poderosa empresa de comércio eletrônico do mundo, a Amazon. Em The Everything Store: Jeff Bezos and the Age of Amazon (algo como “A loja de tudo: Jeff Bezos e a era da Amazon”), Bezos encarna a irascibilidade que caracterizou muitas das mentes brilhantes que ajudaram a mudar, de uma forma ou de outra, o rumo da história.
Muitos de nós não aguentariam ficar 5 minutos na mesma sala que um sujeito como ele. Na descrição de Stone, Bezos é o típico babaca, que faz questão de exibir sua agilidade mental, fazendo com que os demais — profissionais bem preparados e regiamente remunerados — se sintam um bando de idiotas.
Steve Jobs também era um babaca. Incrivelmente charmoso, mas babaca. O homem que construiu e reconstruiu a Apple e que, já abatido por um câncer devastador, fez de sua companhia o negócio mais valioso do mundo dava ordens aos berros e demitia funcionários dentro de elevadores lotados. No mesmo dia, podia ir às lágrimas diante da visão de um jardim florido.
Como alguém assim levava as pessoas a fazer coisas que elas mesmas julgavam ser impossíveis? O mundo dos negócios — e sobretudo o mundo da tecnologia, em que mentes e personalidades desafiantes, competitivas e inconformistas são indispensáveis para gerar ambientes de inovação — está cheio de gente assim.
Hoje, Bill Gates está mais interessado em buscar a cura da malária, mas, nos tempos de Microsoft, costumava dar chiliques memoráveis. (A coisa pioraria muito com a ascensão de Steve Ballmer à liderança da Microsoft. Ele é reconhecido pela propensão a atirar cadeiras sempre que fica enfurecido.)
Andy Grove, presidente da Intel em sua fase mais brilhante, e Larry Ellison, fundador da Oracle, passavam como trator sobre os problemas — não importa o nome que tivessem: funcionários, fornecedores, concorrentes. Nenhum deles ganharia um troféu de executivo parceiro do RH — mas isso nunca pareceu incomodá-los.
Como pessoas capazes de atitudes tão desprezíveis podem estar no centro de algumas das mais fascinantes histórias de negócios da atualidade? Pelo menos três características separam essas figuras de outros tiranos que encontramos por aí dirigindo empresas. Primeiro: Bezos, Jobs, Gates e companhia fazem parte da categoria dos gênios, seres que, ao mesmo tempo, despertam incômodo e admiração. (Genialidade e cordialidade, não raro, são excludentes.)
Somos estranhamente atraídos pela luz e pelo calor que essas personalidades emanam. Segundo: eles têm foco. Sabem bem o que querem e não saem da trilha, não olham para os lados e não abdicam da liderança. Não é uma questão de controle absoluto da operação. É uma questão de controle (quase) absoluto da situação.
Num mundo cada vez mais instável, isso oferece grande sensação de segurança. Terceiro: todos demonstram uma paixão quase sem limites por aquilo que produzem e trabalham para que o fruto de sua genialidade, sua visão e seu esforço seja desejado e admirado por aqueles que o consomem. Amam genuinamente suas empresas — talvez porque elas sejam feitas à sua imagem e semelhança. Amam seus produtos. Amam ser amados pelo mercado.
Líderes mercuriais como Bezos e Jobs não devem ser vistos como modelos de gestão. Mas é bom refletir se eles — com todos os problemas que têm — não são necessários, sobretudo, nas grandes transformações. É provável que a resposta seja sim. Aí, é tapar o nariz e seguir em frente.