Alunos em simulado do Enem: as notas registradas no exame mostram como a educação tem avançado lentamente no Brasil (Marcos Santos/USP Imagens)
Da Redação
Publicado em 25 de setembro de 2015 às 15h21.
São Paulo — Nos diferentes países, os empresários e os provedores de educação e formação profissional divergem em suas percepções. Enquanto os empresários reclamam da falta de preparo dos candidatos a emprego, os formadores, por sua vez, queixam-se da falta de treinamento nas empresas.
No Brasil, quando falamos em mão de obra, estamos nos referindo a uma maioria de empregados com nove anos ou menos de escolaridade, pouco mais de 20% com nível médio completo ou incompleto e menos de 20% com nível superior. O ponto crítico é a qualidade: de acordo com a avaliação do Instituto Montenegro, 40% do pessoal de nível superior é analfabeto funcional.
O aumento relativo do nível de escolaridade não tem mudado esse panorama. A quantidade de trabalhadores com qualificação ou certificação técnica formal é inferior a 10% da força de trabalho. O restante possui, no máximo, cursos de curta duração.
Nos países desenvolvidos, a formação profissional se dá prioritariamente no nível médio. Nesses países, de 30% a 70% dos alunos de nível médio frequentam cursos médios profissionalizantes. Em contraste, no Brasil, apenas 7% dos alunos do ensino médio frequentam cursos médios profissionalizantes e, pela legislação, precisam também cursar o curso médio acadêmico — o que reflete o preconceito da sociedade em relação à formação profissional.
Onde estão os problemas? Os principais entraves podem ser resumidos em quatro aspectos. O primeiro é a baixa qualidade da educação geral. Essa qualidade cresce muito lentamente, mas a melhoria se deve mais a fatores externos à escola, como aumento da escolaridade das mães e do nível socioeconômico das pessoas.
Em termos de qualidade, o setor educacional encontra-se estagnado há décadas — a falta de avanço nas notas dos alunos nas redações do Enem é uma prova disso. O ensino de conteúdos é fraco e a aprendizagem é pífia.
O segundo problema é de natureza cultural: cada vez mais, a escola brasileira — especialmente a pública — vem deixando de ser uma matriz de formação de valores considerados fundamentais para o sucesso na vida e no trabalho, como a pontualidade, a autodisciplina e a valorização da iniciativa, da persistência e do esforço para atingir resultados.
Diretores e professores raramente figuram como mestres, personagens marcantes na vida dos jovens. A escola não os prepara academicamente, não fornece bons modelos de comportamento adulto e não forma para a vida e para o trabalho.
Um terceiro problema refere-se à política governamental para o ensino médio. Diferentemente de todos os países desenvolvidos do mundo, o sistema educacional brasileiro só admite um tipo de ensino médio: o acadêmico. O resultado é desastroso: cerca de 40% dos alunos repetem o primeiro ano; e, dos que iniciam o ensino médio, apenas 50% o concluem.
Dos concluintes das escolas públicas, menos de 10% obtêm desempenho satisfatório em língua portuguesa e matemática. Mas não é só a escola que pune seus alunos. O mercado de trabalho também pune impiedosamente os jovens que não concluem o ensino médio por considerar que não tiveram capacidade para ir até o fim do curso: eles ganham menos até do que os concluintes do ensino fundamental.
O problema número 4: nada indica que o panorama vá se alterar nos próximos anos. Hoje podemos prever com bastante segurança o desempenho das crianças que estão matriculadas na pré-escola e que chegarão ao ensino médio daqui a dez anos. Não há razão para euforia.
Onde estariam as soluções? Onde encontrar modelos de sucesso? As soluções são conhecidas — elas existem no Brasil e em outros países. Mas o fato de serem conhecidas não significa que sejam de fácil execução.
No longo prazo, a melhoria do capital humano depende de esforços gigantescos na redução da pobreza e, em paralelo, de políticas voltadas para promover o desenvolvimento das crianças nos primeiros anos de vida, especialmente antes da entrada nas pré-escolas. Mas só isso não basta — é preciso que essas crianças recebam atenção e ensino de qualidade quando entrarem na escola.
No que se refere ao ensino médio, a saída conhecida se chama diversificação — oferecer aos jovens do ensino médio modelos e opções de escolas e cursos diferenciados, que correspondam às capacidades, aos interesses, ao talento e ao nível de esforço desses estudantes.
Nos países desenvolvidos há quatro modelos de diversificação.
O primeiro deles, e o mais tradicional, é o sistema usado nos países de tradição germânica. Nesses países, cerca de 70% dos jovens matriculam-se em escolas de ensino médio de cunho profissionalizante. Os alunos passam metade do tempo na escola, aprendendo conteúdos relevantes para a vida e para a formação profissional, e metade como aprendizes nas empresas.
O segundo é o modelo das escolas técnicas de nível médio, que possuem laboratórios, ateliês e oficinas próprias onde o aluno aprende a teoria e a prática. Na maioria desses países há cursos técnicos médios para indústria, comércio, serviços — com diferentes graus de especialização. Nesses dois casos, o aluno frequenta escolas onde predomina o ethos da formação profissional.
Em alguns países, esses cursos dão acesso geral ou limitado a cursos superiores. Um terceiro modelo — existente sobretudo nos Estados Unidos — é o das career academies. Estas são escolas de nível médio com vocação definida — moda, artes, culinária etc. — e nas quais as disciplinas acadêmicas são ministradas de forma contextualizada.
O nível de exigência acadêmica dessas escolas é muito variável, mas a taxa de conclusão de cursos é muito elevada, especialmente considerando o fato de que esses alunos dificilmente concluiriam o curso acadêmico convencional.
Por fim, a Finlândia vem experimentando um modelo de ensino médio aberto — o aluno do ensino médio escolhe entre 75 disciplinas aquilo que ele quer fazer a cada ano. Ou seja: não faltam modelos de como diversificar o ensino médio. Mas é preciso que eles sejam ajustados à cultura de cada país.
O que o empresariado pode fazer diante desse quadro? Permito-me sugerir algumas ideias. Como indivíduo, empresário e cidadão, há três contribuições importantes. Uma delas é sinalizar, diretamente para as escolas onde se formaram seus candidatos a emprego, quais são as habilidades que sua empresa está procurando e como os candidatos se saem nelas.
Se as escolas começarem a entender melhor o que o setor produtivo espera das pessoas, elas vão levar um susto enorme, mas vão acabar respondendo a essa demanda — de uma forma ou de outra. Outra contribuição é proporcionar estágios relevantes para os jovens — para que eles tenham oportunidades verdadeiras de aprender a trabalhar.
Isso vale para alunos dos vários níveis de ensino, estejam eles ou não no ensino médio. A Lei da Aprendizagem é bastante restritiva, mas há espaços para toda empresa oferecer estágios relevantes e ensinar os jovens a trabalhar. A terceira contribuição dos empresários é entender que a função da escola não é preparar a mão de obra, mas preparar as pessoas para aprender.
Portanto, cabe à empresa ensinar as pessoas a trabalhar, e para isso é necessário oferecer programas de treinamento e desenvolvimento de pessoal de alta qualidade. E é necessário abrir mão da exigência de que as pessoas tenham experiência. Experiência se adquire na prática. E, se sua empresa é boa, ela tem obrigação cívica de contribuir para a formação dos recursos humanos do país.
Como membros de associações profissionais, há muito que os empresários podem fazer. Primeiro, cobrar e exigir do governo que ofereça um ensino público de qualidade. Empresários sabem como fazer para promover seus interesses. Segundo, propor, por meio das confederações e de outras associações empresariais, uma reforma profunda no ensino médio.
Um primeiro passo concreto seria promover encontros para apresentar e debater os modelos de ensino médio de outros países, realidade que as autoridades brasileiras e a imprensa insistem em ignorar. Um terceiro passo seria propor alterações na Lei da Aprendizagem, menos no sentido de criar obrigações para os empresários e mais para estimular ações que transformem o estágio em verdadeira iniciação ao mundo do trabalho, focada no primeiro emprego e articulada com incentivos para a contratação posterior dos estagiários.
Finalmente, urge transformar as entidades do sistema S (como Senac, Senai e Sebrae) em verdadeiros modelos de ensino médio diversificado — utilizando de forma mais eficiente e eficaz a enorme capacidade instalada e os vultosos recursos que hoje são pulverizados em ações de curta duração e impacto duvidoso.