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Da Redação
Publicado em 8 de janeiro de 2013 às 13h00.
Não se pode nem de longe comparar a intervenção do Banco Central no Banco Santos, decretada na noite de 12 de novembro, com as grandes intervenções de alguns anos atrás.
O Santos é uma casa bancária proporcionalmente modesta, que aparece em 21o lugar na lista dos maiores do setor. Não tem agências, emprega 300 funcionários e trabalha para menos de 2 000 clientes, aí incluídos investidores e empresas (pequenas e médias, na maioria).
É um perfil baixo se comparado ao do Bamerindus, do ex-senador José Eduardo Andrade Vieira, liquidado em 1998, que possuía uma rede de 1 000 agências e 2,5 milhões de correntistas. Ou ao do Nacional, fechado três anos antes. Sabe-se que o banco da família Magalhães Pinto deixou um rombo nas contas do governo estimado em 18 bilhões de reais, em valores de hoje.
De acordo com os técnicos do Banco Central, o desencaixe patrimonial identificado preliminarmente no Santos é de apenas 100 milhões de reais. Essa é a dimensão técnica do episódio cujo desfecho é aguardado com ansiedade pelos clientes. Especula-se até sobre sua possível venda a um dos grandes do setor.
Nesse caso, o comprador precisaria cobrir os 100 milhões negativos e injetar mais 600 milhões para manter o banco operando dentro das regras estabelecidas. O fechamento puro e simples do Santos também não está descartado.
Embora a intervenção não tenha muitas implicações no âmbito financeiro, ela representa o primeiro grande fracasso na trajetória até então vencedora do banqueiro Edemar Cid Ferreira, uma das personalidades mais exuberantes e controversas do país. Quando escuta seu nome, o ambiente dos negócios se divide entre os que o admiram e os que o odeiam.
É difícil encontrar quem tenha a respeito dele uma opinião neutra. No meio político acontece algo parecido. No mundo cultural é a mesma coisa. Tem seguidores e críticos. Nada no meio do caminho. De modo geral, os banqueiros não são as pessoas mais adoradas na face da Terra -- nem no Brasil, nem em nenhuma outra parte do mundo.
Há piadas adoráveis envolvendo os bancos, e elas são contadas em francês, alemão, inglês, árabe, japonês. (Conhece aquela que diz que os bancos cobram ju ros tão altos que se o cliente pode pagá-los certamente não precisa do empréstimo?) Mas não é por ser banqueiro que Edemar provoca controvérsia.
Em parte, as opiniões extremadas se devem à forma sábia (segundo os amigos) ou ardilosa (segundo os desafetos) pela qual ele se aproximou dos políticos no tempo em que isso parecia proveitoso, para em seguida afastar-se deles e dedicar-se principalmente à promoção das artes plásticas, fixando a imagem de mecenas que tem hoje.
O amigo da política transformou-se no amigo da cultura e, na última década, tornou-se o mais destacado brasileiro na promoção de eventos grandiosos, como a Mostra dos 500 Anos do Descobrimento, realizada em 2000, a retrospectiva com obras de Picasso ou a exposição que reuniu os Guerreiros de Xi'an, feitos de terracota há quase 2 000 anos.
Além desses, Edemar organizou peças de teatro, espetáculos musicais, financiou orquestras sinfônicas e exposições artísticas de todo tipo. Até a data da intervenção, era um dos mais destacados agitadores culturais do Brasil. Seus amigos acham que merece o título de número 1 no setor. Já seus críticos...
Enquanto a maioria de seus colegas banqueiros fazia -- e faz -- questão de ficar o mais longe possível dos políticos, Edemar, ao contrário, buscava a proximidade. Um de seus grandes amigos é o atual presidente do Senado, José Sarney. No governo Sarney, Edemar relacionava-se maravilhosamente bem com o genro do presidente, Jorge Murad, casado com Roseana.
Nascido numa família de classe média há 61 anos, na cidade paulista de Santos, Edemar começou a vida profissional como funcionário do Banco do Brasil. Aos 23 anos, decidiu empreender e montou uma corretora, mais tarde transformada em banco. Edemar dedicou uma parte significativa de sua vida a construir uma rede de relacionamentos de primeira linha em Brasília.
A relação das famílias é próxima. Edemar foi padrinho de casamento de Roseana. Na cerimônia, apresentaram-no à sua atual mulher, Márcia, filha de um aliado político de Sarney, o senador Alexandre Costa, já falecido.
Na intimidade, Márcia e Edemar tratam-se por "Joquinha". Os desafetos do banqueiro insinuam que seu patrimônio cresceu justamente durante o governo Sarney, ao viabilizar bons negócios para empresários e fundos de pensão de origem estatal. Edemar se irrita quando identifica nas insinuações a afirmação de que as transações saíram como resultado de algum privilégio obtido.
Uma das histórias desagradáveis daquele período envolvendo seu nome foi o processo de naturalização de um americano chamado William Reed Elswick, que morou no Brasil durante três anos, entre 1983 e 1986. Vivia num belo apartamento na avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, e freqüentava o Iate Clube da cidade.
Criminoso condenado várias vezes por tráfico de drogas nos Estados Unidos, ele se casou com uma brasileira e entrou com um pedido para obter cidadania. Ela chegou a ser concedida, mas o processo de naturalização acabou barrado. Para retomá-lo, Elswick contou com a ajuda de Edemar, que procurou o ministro da Justiça da época, Fernando Lyra, e pediu o destravamento da ação.
Edemar alega que apenas atendeu a um pedido de seu então advogado, Durval de Noronha Goyos Junior, e que nada sabia sobre os antecedentes criminais de Elswick.
Quando Sarney deixou a Presidência, Edemar estabeleceu uma ponte com o novo governo. Foi nessa época que conheceu o empresário Paulo César Farias, o PC, tesoureiro oficial da campanha de Fernando Collor. Não foi o único a aproximar-se de PC Farias. O mesmo fizeram outros tantos nomões da elite empresarial, que busca vam acesso privilegiado em Brasília.
Edemar e PC aproximaram-se em função de interesses comuns. O destino acabou por afastá-los. Edemar manteve mais de uma reunião para discutir com pessoas de sua confiança os efeitos que a associação de sua imagem com a de PC Farias poderiam produzir sobre seus negócios.
A partir da constatação de que a situação poderia se complicar caso alguém questionasse sua lisura como se fazia com PC, Edemar contratou uma equipe de profissionais com os quais iniciou um dos mais bem-sucedidos processos de polimento de imagem de que se tem notícia no Brasil.
O banqueiro distanciou-se de Brasília e aproximou-se da vida cultural brasileira. Escolheu para isso mergulhar numa área com a qual tinha familiaridade desde criança: as artes. Foi sua mãe, Marina, que o ensinou a apreciar música erudita e pintura.
Edemar tinha a seu favor a inclinação natural pelo tema e uma enorme capacidade de gerir a realização de grandes eventos culturais. O marco da virada foi assumir a presidência da Fundação Bienal de São Paulo, em 1993, à frente da qual teve atuação notável.
De lá para cá, Edemar montou quase 50 exposições, algumas delas inesquecíveis. No começo deste ano foi ele quem levou a São Paulo a maior retrospectiva de Pablo Picasso já realizada na América Latina. Foram 131 obras representando as diversas fases da carreira daquele que é considerado o maior artista do século 20.
Outra mostra organizada por ele, esta na sede do banco, em São Paulo: uma coletânea de 220 mapas dos séculos 15 a 19, selecionados de seu acervo pessoal. De todas as mostras que organizou, a mais ambiciosa e bem-sucedida talvez tenha sido uma das primeiras, a que festejou os 500 anos de descobrimento do Brasil, realizada em 2000.
Foram mais de 15 000 obras e objetos que recontam a trajetória da cultura nacional, através da visão de artistas como Franz Post, Albert Eckhout, Debret, Rugendas e Taunay.
A intervenção do Banco Central no Banco Santos chega no momento em que Edemar e sua empresa de eventos artísticos, a BrasilConnects, organizavam uma grande exposição de arte indígena, fotografia e arte contemporâneas pro gramada para ocorrer na França em 2005.
Nada impede que o projeto se concretize, pois a ação do Banco Central incide apenas sobre a fatia financeira de seus negócios. A BrasilConnects não foi atingida pela ação do BC. Nem pode ser.
Nos últimos tempos, foram muitos os rumores sobre a saúde financeira do Banco Santos. No final do ano passado, a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota da instituição. As agências de classificação de risco são pagas pelo próprio banco para afirmar, de maneira independente, o quanto ele é seguro para os investidores.
A decisão da Fitch incomodou o Santos, que rompeu o contrato que mantinham. O rebaixamento chamou a atenção do mercado.
"Eles captavam dinheiro de fundos de pensão, que exigem boas classificações de risco e confiam nos números da Fitch", diz o administrador de recursos de um fundo de pensão de uma empresa privada que, como freqüentemente acontece no sistema financeiro, não quer se identificar por causa das restrições legais."Por haver essa suspeita, nosso fundo não renovou uma pequena aplicação de renda fixa que estava no Santos quando ela venceu, em meados de setembro."
No começo deste ano, foi a vez de a Standard & Poors também rebaixar a classificação do Santos. (A Austin Rating só adotou o mesmo movimento no dia seguinte à intervenção.) A situação se agravou com a divulgação do balanço das operações referentes ao primeiro semestre de 2004.
Apesar disso, o banco ainda teve vitalidade para apresentar um bom resultado nos fundos. Chegou a receber dois prêmios de gestão conferidos pelo Guia EXAME -- Os Melhores Fundos de Investimento. Para quem gosta de discutir a independência do Banco Central, a intervenção no Banco Santos é a prova de que ela já existe na prática.
Afinal, foram fechadas as portas do banco de um amigo do presidente do Senado e isso não abalou as estruturas de Brasília nem causou mobilizações do Congresso. Ao contrário do que ocorreu em 1995, quando o senador Antônio Carlos Magalhães liderou uma marcha sobre o Palácio do Planalto para pedir a salvação do Banco Econômico, de Ângelo Calmon de Sá.
Pelas regras do Banco Central, em caso de intervenção os aplicadores do banco podem sacar até 20 000 reais de suas contas. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, tem no Santos 500 000 reais, ori ginalmente destinados à construção de uma nova sede, em São Paulo.
Pouco antes da intervenção, numa tentativa de reverter a expectativa ruim, o banco iniciou uma campanha positiva, espalhando para a imprensa o desejo da instituição de entrar no competitivo mercado de varejo, no qual só prospera quem tem escala.
A iniciativa resultou até numa capa na revista IstoÉ Dinheiro, da Editora Três, que abriu espaço às promessas do banco de seduzir clientes e brigar contra os bancões, como Bradesco, Itaú e Unibanco. A operação fracassou. E todos os que dela participaram estão agora com os bens indisponíveis por ordem do Banco Central.
Há algum tempo, os demais bancos do sistema financeiro viam o Santos com reservas. "Nós não tínhamos dinheiro lá desde o ano passado", diz o principal executivo de um banco de médio porte que atua no mesmo nicho de mercado do banco de Edemar Cid Ferreira. "Havia sinais de problemas."
No dia-a-dia dos bancos médios é comum emprestar ou tomar dinheiro emprestado de um concorrente direto que tenha momentaneamente falta ou excesso de caixa. Como qualquer empresa ou pessoa física, os bancos também passam por períodos apertados e por outros com grande folga financeira.
Nos momentos ruins, os bancos costumam pagar mais aos investidores para convencê-los a aplicar. Essas dificuldades fazem parte da rotina e não indicam, por si sós, que um banco está com problemas.
O habitual é que, passado o pior, os números voltem ao normal. Porém, o que preocupou o mercado foi que as dificuldades do Santos não passavam. "Eles pagavam juros cada vez mais altos pelo dinheiro, especialmente para os fundos de pensão", diz o executivo.
Os sinais de dificuldades vinham se tornando cada vez mais perceptíveis aos olhares atentos. No balanço de junho, publicado no dia 4 de agosto, a empresa de auditoria Trevisan alertava que cerca de 10% do total de empréstimos era considerado de boa qualidade pelo banco, mas que a prudência recomendaria que eles fossem classificados como ruins.
"Essa nota deu muita briga, mas convencemos a Trevisan de que nossos critérios eram sólidos", disse Ricardo Gribel, o principal executivo do banco até a intervenção. Não foi possível convencer os técnicos do BC.
Como Edemar não é apenas um agitador cultural, mas também um ambicioso colecionador de obras de arte, todas compradas com a fortuna que ergueu no Banco Santos, o mercado agora está curioso.
O interesse geral é saber se sua coleção particular integra o patrimônio do banco ou está protegida das garras dos fiscais do Banco Central. Edemar possui mais de 20 000 peças, entre mapas, esculturas, fotografias, instalações e telas. Ele tem quadros de Di Cavalcanti, Portinari, Manabu Mabe e esculturas de Ceschiati e Galileo Emendabili.
Entre os documentos que amealhou estão cartas de brasileiros ilustres, como Tiradentes e os imperadores Pedro I e II. Também tem textos originais de Sigmund Freud e Machiavel.
Há colecionadores de primeira grandeza, como a família Rockefeller, cujos Picassos, Matisses e Mondrians ajudaram a criar o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa). O mexicano Carlos Slim, dono do grupo de telecomunicações Telmex e o homem mais rico da América Latina, fez o mesmo.
Em 1994 inaugurou na Cidade do México o museu Soumaya, em homenagem à sua mulher. Seu acervo reúne a segunda maior coleção mundial de esculturas de Auguste Rodin, só perdendo para o museu Rodin, de Paris.
Além disso, tem obras de Degas, Renoir e Miró. Patricia Phelps de Cisneros, a mulher do magnata venezuelano Gustavo Cisneros, é outra grande representante do mecenato empresarial. Sua coleção, exposta num museu em Caracas, soma 1 500 peças -- a maior parte delas, de arte moderna latino- americana.
No Brasil, de acordo com o crítico de arte Jacob Klintowitz, exemplos de coleções de peso são a de Gilberto Chateaubriand, dono de obras de Portinari e Di Cavalcanti, e a da família Marinho, das Organizações Globo, que possui obras de Pancetti, Guignard e Di Cavalcanti.
Ante acervos tão portentosos, a coleção de Edemar pode ser definida como um conjunto fragmentado de peças contemporâneas de artistas de renome internacional, algumas de alto valor, como Frank Stella e Sol Lewitt. Um destaque é uma escultura de Henry Moore avaliada em 800 000 dólares. "Sua coleção de mapas contém peças caras, porém não raras", diz um especialista na área.
No momento, o xodó de Edemar não era nenhuma de suas obras, mas seu grande feito arquitetônico: a conclusão da casa mais cara do país, uma mansão com 4 100 metros quadrados, avaliada em 80 milhões de reais.
O imóvel tem cinco andares (um deles com pé-direito de 9 metros) e fica localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo, ao lado das mansões do também banqueiro José Safra e do empresário Antonio Ermírio de Moraes.
Com projeto de Ruy Ohtake e decoração do festejado arquiteto americano Peter Marino, a casa foi descrita por um visitante ilustre como o "mais impressionante projeto arquitetônico que já vi em toda a minha vida, seja na Europa, seja na Ásia, seja nos Estados Unidos".
Um dos traços mais marcantes de Edemar é a forma decidida como ele briga por seus objetivos. E não leva desaforo para casa. Certa vez, sentiu-se agredido por comentários feitos por Milú Villela, maior acionista individual do Banco Itaú, com quem disputava espaço na Fundação Bienal de São Paulo.
Não teve dúvidas. Abriu um processo contra ela. Mas o fez na Justiça americana. Alegando prejuízos financeiros para seus negócios no exterior, ele abriu um processo civil com o pedido de indenização de 10 milhões de dólares.
O acordo foi fechado após intermediação do então advogado brasileiro de Edemar, Márcio Thomaz Bastos, atual ministro da Justiça, e do vice-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, que é amigo de Milú. Outra característica marcante de sua personalidade é a maneira como lida com seus gostos pessoais.
Nos últimos anos, um dos principais temas de discussão de seus interlocutores é a busca do rejuvenescimento à qual Edemar vem se dedicando. Brincam que ele é o único presidente de empresa que precisa portar crachá de identificação, do contrário os funcionários da segurança jamais o reconheceriam. Afinal, está cada dia mais novo.
De fato, Edemar mudou tudo: o penteado, a cor do cabelo, a forma do corpo, algumas linhas da face e até os dentes estão recauchutados. Poucas pessoas de seu nível social e idade têm a sua ousadia de mudar tanto. Mas só se espanta quem não o conhece. Edemar sempre foi um homem apegado à moda, por exemplo.
Márcia, sua mulher, brinca que o banqueiro é capaz de levar mais de 20 gravatas na mala para passar apenas uma semana fora. E que tira quatro ternos do armário antes de escolher um. Uma de suas calças favoritas é um modelo de algodão da marca Ralph Lauren, que usa em momentos mais informais.
Não é uma calça qualquer. Ela é decorada com pequenas margaridas pretas e brancas. Quando alguém o critica pela vaidade, Edemar logo responde: "É ciúme ou inveja". O banqueiro se acostumou a enfrentar desafios ousados ao longo da vida sem se preocupar muito com o que dizem dele.
Agora, tem diante de si o maior desafio de todos: liberar seus bens, que estão bloqueados por ordem do Banco Central, e reconstruir sua imagem mais uma vez.
Com reportagem de Alexa Salomão, Daniela Diniz, Giuliana Napolitano, Marcos Coronato, Nely Caixeta e Nelson Blecher