A nova loja da Nike em Nova York: um toque no app envia as roupas direto para o provador | Richard B.Levine/AGBPhoto / (Richard B.Levine/AGB Photo)
Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
Última atualização em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
Quando se apresentou ao mundo em abril de 2014, a Casper tinha de causar impacto. A empresa americana era mais uma startup do nascente mundo de vendas diretas ao consumidor, mas seu produto é muito diferente dos que tornaram Dollar Shave Club (barbeadores descartáveis) e Warby Parker (óculos) duas sensações daquele segmento nascente.
A Casper queria vender colchões pela internet. Com vídeos divertidos e criativos publicados nas redes sociais, a companhia conseguiu convencer os clientes de que a ideia não era tão absurda quanto podia parecer. O colchão chega enrolado numa caixa, e o cliente tem um período de testes de 100 dias — satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.
O modelo deu certo, a Casper teve um crescimento meteórico, os imitadores apareceram e, no começo de fevereiro, a empresa abriu o capital na bolsa. A estreia não foi tão positiva quanto o esperado (no fechamento desta edição, as ações estavam abaixo do valor de lançamento). A performance decepcionante vem sendo atribuída ao pouco apetite dos investidores por startups deficitárias.
Mas, no caso da Casper, há outro elemento fundamental: não é fácil a vida de quem só vende pela internet — tanto que até a Amazon está abrindo lojas físicas. No prospecto da oferta inicial, a Casper afirmou ter planos de abrir 200 lojas nos Estados Unidos nos próximos três anos — além das 60 já em operação.
Em meio a previsões de um iminente “apocalipse do varejo”, a boa e velha loja física, quem diria, continua relevante. Bem, nem todas as lojas. Somente no ano passado 9.300 fecharam as portas nos Estados Unidos, o terceiro ano seguido em que o recorde é batido. Tudo indica que a marca voltará a ser superada neste ano: antes mesmo de começar março, outros 2.200 fechamentos já foram anunciados, segundo o site Business Insider. A lista inclui nomes como Gap (230 lojas), Forever 21 (178) e Sears (51). A Macy’s, ícone do varejo com mais de 160 anos de história, anunciou há duas semanas o fechamento de 125 unidades, ou um quinto do total, em três anos.
Para competir com o comércio eletrônico e responder às mudanças de comportamento das gerações digitais, o varejo tradicional será muito diferente daquele que conhecemos hoje. Ninguém sabe exatamente que cara ele terá, mas já é possível discernir alguns traços: a tecnologia digital vai estar cada vez mais presente nos espaços físicos, voltada tanto para o consumidor quanto para os bastidores; as operações online e offline terão de ser integradas a ponto de ser indistinguíveis; e as lojas oferecerão cada vez mais um misto de transações e — alerta de clichê — experiências.
Não haveria lugar mais adequado para realizar um experimento de varejo do que a Quinta Avenida, em Nova York. Foi ali que a Nike inaugurou há pouco mais de um ano uma versão completamente reimaginada de sua principal loja da cidade. O nome é pomposo — Nike House of Innovation 000 —, mas reflete o objetivo do espaço: vender, é claro, mas de um jeito diferente.
O aplicativo da Nike é parte integral da experiência de compra. Os clientes podem escanear as etiquetas com códigos QR para checar se as peças em exposição estão disponíveis em outros tamanhos ou cores — e basta um toque na tela para enviá-las diretamente a um provador. Não há clientes perambulando com pilhas de roupas, e também não há caixas nem filas. É possível pagar as compras no aplicativo e sair da loja.
Não por acaso a Nike foi buscar seu novo presidente — apenas o terceiro da história da companhia — no Vale do Silício. John Donahoe, que assumiu o posto em janeiro, traz a experiência acumulada à frente de eBay e PayPal. “A mentalidade é simples. Enxergar as coisas pelos olhos do consumidor”, disse Donahoe em entrevista recente. “Quando você faz compras, não pensa em digital ou físico. Pensa: ‘Quero comprar o que quero, onde quero, como quero’.”
O que muitos varejistas estão entendendo é que existe muito espaço para manipular o “como” dessa equação. A própria Nike tenta cada vez mais vender diretamente para o cliente pela internet, mas a loja de Nova York também conta com um andar inteiro dedicado a customizações. Se as decisões de compra fossem puramente racionais, o comércio eletrônico certamente responderia por uma fatia maior do que os atuais 14% do total do segmento; afinal de contas, é impossível competir com a seleção e com a comodidade da internet. E, com 3,5 bilhões de smartphones em uso no planeta, o mundo todo tornou-se uma enorme loja.
Na nova loja de cosméticos da Chanel, a ideia é fisgar as consumidoras pelos olhos, pelo nariz ou pelo coração. Batizado de Atelier Beauté Chanel, o espaço é um “workshop” onde as clientes podem experimentar todos os cosméticos e perfumes da companhia. Bolsas e sacolas ficam guardadas num locker, e o único acessório que acompanha a cliente é o celular — para anotar num aplicativo seus produtos prediletos e, é claro, postar fotos no Instagram. “A ideia é que elas se esqueçam do relógio e saboreiem a imersão”, diz Karen Voelker, especialista em inovação no varejo da Accenture. No ateliê da grife francesa, a transação é quase um detalhe.
Colocar a experiência à frente das transações fica bonito em slides de apresentações ou vídeos no YouTube, mas a realidade das planilhas é implacável. É por isso que o American Dream, shopping center mais caro já construído nos Estados Unidos, está sendo acompanhado com tanta atenção por observadores da indústria de varejo. Depois de anos de idas e vindas, o complexo de 280.000 metros quadrados a cerca de meia hora de Nova York está sendo aberto a conta-gotas desde outubro passado. Eis a pergunta de 5,7 bilhões de dólares (custo do projeto até aqui): será que um centro de compras que dedica mais espaço ao entretenimento do que às lojas é o futuro dos shoppings?
Numa manhã fria do começo de janeiro, a reportagem da EXAME fez uma visita guiada pelo American Dream. Além dos operários que trabalhavam nos retoques finais da construção, quase não havia visitantes. Pudera: uma única loja estava aberta; as mais de 350 outras estavam todas cobertas por tapumes e só serão inauguradas a partir de março. Um adolescente com um snowboard embaixo do braço caminhava em direção à pista de esqui indoor, que tem altura equivalente a um edifício de 16 andares e é a maior do hemisfério ocidental. Algumas poucas famílias com filhos circulavam no parque de diversões Nickelodeon Universe.
“Acreditamos que os clientes ainda queiram comprar em lojas físicas, mas não do jeito tradicional”, diz Dana McHugh, diretora de relações públicas do empreendimento. Para chegar a qualquer uma das várias atrações — além da pista de esqui e do parque temático haverá um parque aquático, uma Legoland, minigolfe, aquário, cinemas e restaurantes —, os clientes terão de passar pelos corredores do shopping. A canadense Triple Five Group, dona do shopping, espera que mais de 40 milhões de pessoas passem anualmente pelo local, o dobro do número de visitantes da Disneylândia, na Califórnia. McHugh afirma que o American Dream é uma coleção de experiências.
Enquanto os varejistas tradicionais tentam reinventar os espaços físicos para defender-se do avanço inevitável do comércio eletrônico, um número cada vez maior de empresas que nasceram e cresceram na internet tenta fazer o caminho inverso. Michael Preysman, fundador e presidente da fabricante de roupas Everlane, disse numa entrevista sete anos atrás que preferiria fechar sua empresa a abrir uma loja física.
Hoje, Preysman admite que, na realidade, o contrário é mais provável: sem lojas físicas é que a empresa corre o risco de acabar. “Todo mundo adora dizer que não há custos no mundo online, mas o custo de aquisição de clientes no Facebook e no Instagram é altíssimo”, afirmou recentemente Preysman. “Que empresa puramente online realmente dá lucro? Basicamente nenhuma.” A Everlane hoje tem cinco lojas nos Estados Unidos.
A transição do mundo online para o offline é um tema tão em voga que já existem empresas especializadas em ajudar companhias a colocar o pé no mundo real. Startups como Naked Retail, Showfields e Neighborhood Goods montam espaços em pontos cobiçados de grandes cidades americanas e alugam parte da loja para marcas que só existem na internet. Esse “varejo como serviço”, como vem sendo chamado esse tipo de negócio, é uma tentativa de baixar a barreira de entrada para as companhias que querem permitir que os consumidores toquem em seus produtos antes de fazer a compra online.
A b8ta, uma das pioneiras dessas lojas de aluguel, começou no Vale do Silício com a intenção de mostrar gadgets tecnológicos. Hoje, a empresa tem 22 lojas, ou o que o fundador Phillip Raub chama de “coletivo de varejo para marcas digitais”. Na nova loja de Nova York estão em exposição a escova de dentes elétrica Quip, que funciona num modelo de assinaturas, e o chuveiro Nebia Spa Shower, que fez uma campanha de sucesso no Kickstarter. Ver o produto com os próprios olhos pode fazer a diferença.
E esse interesse renovado nas lojas físicas também é motivado por questões práticas. Estima-se que 1,5 milhão de pacotes sejam entregues todo dia em Nova York. Esse volume gera trânsito nas ruas e calçadas, e os edifícios não estão preparados para armazenar os pacotes dos moradores (apesar de empreendimentos recentes contarem até mesmo com lockers refrigerados para guardar compras de supermercado). Quem diria que uma das ideias mais revolucionárias da nova década seria dar uma passadinha numa loja no caminho de casa?