Linha de produção da Volks, no Brasil: ascensão na lista das melhores (Divulgação/Exame)
Marina Filippe
Publicado em 12 de abril de 2018 às 05h43.
Última atualização em 19 de abril de 2018 às 11h50.
Na primeira semana de abril, a montadora alemã Volkswagen anunciou que se prepara para fabricar seu primeiro SUV no Brasil, o compacto T-Cross. O modelo deverá estar nas ruas no primeiro semestre do ano que vem. Para isso, a fábrica localizada em São José dos Pinhais, no Paraná, receberá investimentos de 2 bilhões de reais. A decisão é parte da ambiciosa meta de realizar 20 lançamentos na América Latina até 2020, sendo 13 no Brasil. Pelo menos cinco deles correspondem a modelos absolutamente novos na região, como o T-Cross. Nos últimos anos, a empresa se dedicou principalmente a reeditar versões de modelos conhecidos. A intenção, ao ampliar o portfólio, é tentar recompor a participação de mercado da marca, que perdeu a liderança em 2002 e nunca mais recuperou. Desde novembro, a Volks subiu uma posição entre as maiores montadoras, ao assumir o segundo lugar, atrás da americana General Motors, que tem 18% de participação. “Fizemos muita pesquisa para descobrir o que mais agrada aos brasileiros e, assim, melhorar os resultados”, afirma Pablo Di Si, presidente da Volkswagen no Brasil.
Essa retomada coincide com a recuperação global da companhia após o escândalo de fraude nos laudos de emissão de poluentes, batizado de dieselgate, deflagrado em 2015. O saldo imediato foi o encolhimento das vendas — e demissões em massa, sobretudo na matriz e nos Estados Unidos. Com um novo presidente global, e depois de pagar uma multa de 4,3 bilhões de dólares ao governo americano, a empresa começa a dar passos para o que chama de “nova Volkswagen”. Em 2015, a montadora anunciou prejuízo líquido de 1,7 bilhão de euros. Em 2017, o lucro líquido foi de 11,3 bilhões de euros. O Brasil — que não sofreu diretamente o impacto do dieselgate — tem importante papel nesse resultado, com alta de 20% nas vendas, seguido por China, com 6%, e Estados Unidos, com 5%. O crescimento nos Estados Unidos, no entanto, ainda não recompôs as perdas de mais de 7% nas receitas após o escândalo.
A Volkswagen é uma das cinco empresas que mais ganharam posições num amplo levantamento realizado pelo quarto ano no Brasil pela consultoria espanhola Merco e obtido com exclusividade por EXAME. No ano anterior, a montadora havia perdido 28 posições entre as 100 participantes. Desta vez subiu 29, e é a 18a colocada. Para a realização do estudo, foram consultadas quase 2 000 pessoas, divididas em três principais grupos: executivos, especialistas (como analistas financeiros) e consumidores. O resultado, auditado pela consultoria KPMG, está numa lista das 100 empresas com melhor reputação no país. “Se dá bem quem constrói uma boa imagem ao longo dos anos e consegue manter um discurso consistente”, diz Lylian Brandão, diretora-geral da Merco no Brasil.
O setor automobilístico mostra como a percepção das empresas é afetada em tempos de crise — e pode ser recuperada, caso haja fôlego e disposição de voltar a investir na retomada. Além da Volks-wagen, outras montadoras subiram no ranking. A francesa Renault, a japonesa Honda e a americana GM galgaram 18, 13 e 12 posições, respectivamente. A melhora na reputação do setor se dá em meio à recuperação das vendas de automóveis no país, que cresceram cerca de 10% em 2017. Por consequência, o setor que demitiu mais de 200.000 funcionários no Brasil entre 2014 e 2016 volta a ampliar as jornadas de trabalho.
Em setembro, por exemplo, a Volkswagen retomou o terceiro turno em sua fábrica em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. O reaquecimento das vendas também teve efeito para uma das maiores do segmento de caminhões e ônibus do país, a Volvo. A empresa era a última no ranking no ano anterior. Neste ano, é a que mais ganhou posições e agora ocupa o 29o lugar.
A vantagem de quem mantém investimentos logo no início da retomada também fica clara no setor de cosméticos. A indústria cresceu timidamente — menos de 3% em 2017 — e ainda está longe de recuperar os níveis pré-crise. A fabricante de cosméticos Natura continua como a primeira colocada entre as 100 melhores do ranking da Merco, e reforçou seu negócio com a conclusão da compra da varejista britânica The Body Shop, em setembro, por cerca de 1 bilhão de euros.
Outro grupo do setor, O Boticário, subiu da sétima para a quarta posição, e deve ganhar ainda mais espaço com a compra da marca Vult, anunciada em março, com receita estimada em 300 milhões de reais, para ampliar a venda de produtos para a classe C. A empresa inaugurou 60 lojas em 2017, acima das 50 previstas.
A concorrente Avon estreia neste ano entre as empresas com melhor reputação, na 25a posição. Apesar de as vendas terem caído 8% no país no último trimestre do ano passado, a companhia continuou a investir numa vertente valorizada pelos consumidores — a diversidade. Entre os lançamentos da Avon no Brasil em 2017 está uma nova base com 18 opções de tons de pele — até então havia apenas oito. “Estamos valorizando a beleza de todas as formas”, diz Marise Barroso, vice-presidente de marketing da Avon.
As aquisições de empresas já bastante conhecidas afetaram positivamente diversos setores. A fabricante de cerveja Heineken, por exemplo, subiu no ranking após a compra da Brasil Kirin, dona da marca Schin, há um ano, por 664 milhões de euros. Com o negócio, sua participação no mercado cresceu de 9% para 17%, segundo a consultoria Nielsen. No ranking de reputação da Merco, a companhia ganhou 58 posições ao subir para a 38a.
Da mesma forma, o grupo de material de construção Tigre também se beneficiou em meio a uma estratégia de aquisições. Em novembro de 2016, a companhia catarinense comprou o controle da fabricante de metais sanitários carioca Fabrimar por um valor não revelado. “Entramos em categorias novas, como a de metais, para buscar outras rotas de crescimento”, afirma Otto von Sothen, presidente da Tigre. O esforço foi fundamental para a companhia não encolher — segundo a própria Tigre, as vendas cresceram apenas 3% em 2017.
A farmacêutica e empresa de agronegócio Bayer ingressou na lista de reputação pela primeira vez, já na 39a posição. Em setembro, a companhia anunciou a compra da rival Monsanto, numa tacada bilionária que ainda aguarda a aprovação de órgãos de concorrência globalmente. No Brasil, a Bayer investe 150 milhões de reais por ano na renovação do portfólio de produtos. O bom resultado aconteceu apesar de um baque no balanço. Em 2017, a Bayer sofreu com a alta de estoques de agrotóxicos, como reflexo de uma safra ruim, e as vendas recuaram 18% na América Latina.
Como praxe, empresas envolvidas em momentos de turbulência tiveram queda expressiva no ranking. A maior foi a da fabricante de alimentos BRF, que perdeu 64 posições, em meio a uma crise sem precedentes. A companhia soma prejuízos de 1,5 bilhão de reais nos últimos dois anos e sofre com uma longa briga entre acionistas. Como se não bastasse, ainda há o envolvimento no escândalo da Operação Carne Fraca e, mais recentemente, na Operação Trapaça, que investiga a adulteração de laudos sanitários de produtos.
A segunda maior queda é a do conglomerado industrial General Electric. No mundo, as vendas da empresa caíram 1% em 2017. A GE anunciou, em dezembro, a demissão de cerca de 12.000 pessoas da divisão de energia — e uma das maiores operações desse segmento está no Brasil. A história mostra que movimentos dessa grandeza quase inevitavelmente mancham a imagem de uma companhia. Ao mesmo tempo, inúmeros exemplos — como os vistos nesta reportagem — comprovam que o caminho para a retomada pode ser longo e difícil, mas existe.