Magazine Luiza: Investimento em Tecnologia para crescer | Germano Lüders /
Denyse Godoy
Publicado em 27 de setembro de 2018 às 05h23.
Última atualização em 27 de setembro de 2018 às 05h23.
Investir em ações no Brasil tem sido um desafio constante. Recessão, incerteza eleitoral, aumento de juros nos Estados Unidos e medo de uma guerra comercial são alguns dos fatores que fazem a bolsa oscilar bastante — e levam muitos investidores a perder dinheiro ou ganhar muito pouco. Mas, ainda que a média seja ruim, algumas empresas de capital aberto conseguiram se destacar em meio às adversidades. Um estudo da consultoria americana The Boston Consulting Group, publicado com exclusividade por EXAME, mostra quais são essas companhias — e, mais importante, o que elas têm de diferente das demais. A análise dos resultados pode ajudar os investidores a escolher as ações que podem dar bons retornos. “Nossa metodologia permite ao acionista identificar as empresas que geram valor de forma sustentável, com um fluxo de caixa saudável. Assim, ele não fica refém de uma avaliação de curto prazo”, diz Marcus Ayres, diretor do BCG no Brasil.
A consultoria faz esse estudo há 20 anos. A metodologia consiste em calcular o desempenho anual das ações num perío-do de cinco anos, incluindo os valores distribuídos por meio de dividendos. Na edição de 2018, foi analisado o comportamento dos papéis das 60 empresas-membro do Ibovespa num período especialmente complicado, de 2013 a 2017, quando o país passou por uma de suas recessões mais profundas e por um impeachment presidencial. Nesse intervalo, as empresas do índice ganharam 9% ao ano, enquanto o retorno das dez ações mais rentáveis do Ibovespa foi de 29%, em média. No topo do ranking do BCG estão a varejista -Magazine Luiza, a rede de drogarias Raia -Drogasil, a petroquímica Braskem, a empresa de energia elétrica Equatorial e o grupo de educação Kroton — nessa ordem. O retorno anual gerado para os acionistas dessas empresas nos últimos cinco anos variou de 48%, no caso do Magazine Luiza, a 29%, no caso da Kroton.
As empresas que mais deram alegrias aos investidores nos últimos cinco anos cresceram mais do que os concorrentes e de forma rentável. Dito de outra forma: elas conseguiram aumentar receita e lucro consistentemente desde 2013. Apesar de óbvia, é uma característica rara no meio corporativo. Diversas pesquisas, aqui e no exterior, mostram que a maioria das companhias ou cresce ou aumenta o lucro. São conhecidos os casos de fusões e aquisições que deram um resultado bem mais modesto do que o esperado depois de alguns anos — ou que foram um fiasco. Um exemplo é a combinação de operações entre as fabricantes de automóveis Daimler, da Alemanha, e Chrysler, dos Estados Unidos. A união foi desfeita em 2007, após nove anos, quando as companhias alegaram que havia problemas de gestão e cultura que levaram as marcas a perder participação de mercado.
Empresas que não querem arriscar —ou que têm pouco espaço para crescer em seus setores — podem gerar valor para os acionistas de outra maneira: distribuindo o lucro aos investidores, na forma de dividendos, em vez de reinvesti-lo na operação. É o que faz a maioria das concessionárias de serviços públicos, como as companhias de energia elétrica e saneamento. Isso pode dar dinheiro, mas o estudo do BCG mostra que o impacto do crescimento no preço das ações é bem maior. O desempenho das ações do setor de energia na bolsa é uma evidência disso. Os papéis da Equatorial foram os que mais subiram nos últimos cinco anos, quando ela foi mais agressiva do que a concorrência ao fazer aquisições e adquirir novas concessões. Sua estratégia desde a fundação foi comprar empresas problemáticas — a Cemar, distribuidora de energia do Maranhão, e a Celpa, do Pará — e reestruturar as operações. Em cinco anos, as receitas do grupo aumentaram 200%, para 9 bilhões de reais, e as ações tiveram um ganho anual médio de 31%.
Fazer aquisições também foi o modelo escolhido pela Kroton, que comprou quase 30 concorrentes em dez anos e se tornou uma das maiores instituições de ensino do mundo, com cerca de 1 milhão de alunos. “Criamos um modelo para integrar as instituições compradas de forma ágil”, diz Carlos Lazar, diretor de relações com investidores da Kroton. “Primeiro, identificamos os pontos fortes de cada companhia, e isso é usado na hora de decidir como unir as áreas. Também temos sistemas informatizados de comunicação interna que agilizam a tomada de decisões. Nossa rentabilidade aumentou depois das aquisições.” A margem de lucro passou de 19%, em 2012, para 40%, em 2017.
A Raia Drogasil combinou as aquisições de concorrentes menores com a abertura em série de lojas. Em cinco anos, sua rede de farmácias cresceu 86% e chegou a 1 610 unidades. Para tentar manter o mesmo padrão de atendimento em todas as lojas, a empresa criou um modelo de “expatriados”. “Mandamos gerentes seniores já formados em uma área consolidada para comandar as novas unidades. É como se fossem expatriados: pagamos todas as despesas e os realocamos. Somente depois de alguns anos, quando a cultura de atendimento está bem sólida, é que ficam só os funcionários nativos”, diz Eugênio De Zagottis, vice-presidente de planejamento e relações com investidores da Raia Drogasil.
SALTO TECNOLÓGICO
O BCG fez esse mesmo estudo no exterior, analisando 2 400 companhias. Nove das dez empresas que mais geraram valor para seus acionistas fazem parte do setor de tecnologia, como a plataforma de filmes e seriados Netflix (leia mais na pág. 91). O ranking brasileiro não tem empresas de tecnologia, e uma explicação, segundo o BCG, é o fato de a presença desse setor na bolsa ser menor do que outros setores tradicionais, como varejo e bancário. Mas muitas das companhias brasileiras cujas ações mais valorizaram nos últimos cinco anos investiram pesadamente em tecnologia para crescer. É o que acontece com o Magazine Luiza. A varejista passou por uma transformação digital que incluiu mudanças no sistema de vendas, aprimoramento do atendimento virtual e criação de um marketplace para vender itens de terceiros. Em cinco anos, as receitas aumentaram 58%, para 14,4 bilhões de -reais, e o valor de mercado da empresa cresceu cinco vezes, atingindo 15 bilhões de -reais. “Existe no mundo todo uma tendência de aumento do e-commerce e, como a penetração da internet no Brasil é pequena, apostamos que havia espaço para crescer, independentemente da crise”, diz Frederico Trajano, presidente do Magazine.
No caso da Braskem, o bom desempenho das ações se deve bastante a investimentos em novas fábricas, que aumentaram a capacidade de produção. A empresa inaugurou unidades nos Estados Unidos e no México entre 2014 e 2017 e, assim, antecipou-se à alta da demanda por plásticos e resinas no exterior, especialmente na China. Também acabou beneficiada pela alta do dólar, que elevou as receitas das exportações em reais. Além disso, integrou as fábricas, de modo que cada uma ficou especializada num tipo de produto, o que aumentou a eficiência. “A Braskem tem uma visão de longo prazo. Não ficamos olhando para o resultado trimestre a trimestre”, diz Pedro Freitas, diretor financeiro e de relação com investidores.
Mas, antes de sair comprando os papéis de companhias que estão expandindo seus negócios, é melhor esperar para ver os números, já que poucas conseguem melhorar, ou mesmo manter, a rentabilidade. Segundo o BCG, quando os investidores percebem que o modelo de crescimento dá resultado, passam a prever que isso vai continuar e compram ações, o que aumenta o valor de mercado. Os investidores seguem apostando no Magazine Luiza: depois de terem valorizado mais de 600% de 2013 a 2017, as ações da varejista subiram mais 50% neste ano, contando dividendos. Já a fabricante de cosméticos Natura não conta com a boa vontade do mercado. Apesar de ter comprado a rede britânica The Body Shop, em 2017, e de ter acelerado a abertura de lojas, suas ações caíram 33% de 2013 a 2017 e 15% neste ano, porque os resultados ainda não apareceram.
A pesquisa do BCG também mostra que o ranking das campeãs da bolsa pode mudar bastante com o tempo. Das dez empresas que mais geraram valor para seus acionistas entre 2013 e 2017, apenas três continuaram valorizando neste ano — Braskem, Magazine Luiza e Suzano, fabricante de papel e celulose (as ações da Suzano subiram mais de 100% após a compra da concorrente Fibria). Para Marcus Ayres, do BCG, o período é curto — e turbulento demais — para fazer uma análise conclusiva. As dúvidas sobre quem será o próximo presidente do país, e o que ele fará na economia uma vez eleito, elevaram a volatilidade das ações. A certeza é que novas campeãs da bolsa estão sendo criadas agora.
LÁ FORA, A INOVAÇÃO DOMINA O RANKING
Nove das dez empresas estrangeiras que mais geraram valor a seus acionistas nos últimos cinco anos pertencem ao setor de tecnologia
No mundo, nove das dez empresas que mais deram dinheiro a seus acionistas nos últimos cinco anos fazem parte do setor de tecnologia. As primeiras do ranking são, pela ordem, a fabricante americana de microprocessadores Nvidia, a plataforma de filmes e seriados Netflix, a empresa de semicondutores Broadcom, de Singapura, o grupo chinês de serviços de internet Tencent e a rede social Facebook. As ações dessas companhias valorizaram de 46% a 76% por ano de 2013 a 2017, de acordo com o estudo da consultoria The Boston Consulting Group.
O estudo do BCG completa 20 anos em 2018. A cada edição, são listadas as empresas que mais deram retorno a seus acionistas nos cinco anos anteriores. É a primeira vez que o setor de tecnologia tem uma predominância tão grande no ranking. A tecnologia também nunca esteve tão presente no dia a dia de companhias de setores tradicionais, que inovam (ou tentam inovar) para se manter competitivas, lançando produtos e serviços. Segundo a -consultoria, isso elevou as receitas de muitas empresas e contribuiu -para ampliar o retorno das ações -globais. Nos últimos cinco anos, as 2 400 companhias analisadas pelo BCG deram um retorno de 16% a seus acionistas. A média histórica é de 10%. A rentabilidade também -aumentou em razão da recuperação da economia mundial e do fato de os investidores estarem especialmente otimistas com o crescimento dos Estados Unidos.
Entre as dez primeiras do ranking da consultoria, a única empresa que não é da área de tecnologia é a chinesa Kweichow Moutai, de alimentos e bebidas. Essa companhia tem se beneficiado do crescimento da China, com a mudança nos hábitos de consumo da população. Mas os Estados Unidos ainda têm a maior presença no ranking, sediando a matriz de 14 das 20 mais bem colocadas. China e Japão vêm em seguida, com duas empresas cada um.