Quantos comportamentos controversos estamos dispostos a ignorar em prol de uma “boa ideia”? Qual é o limite disso? (Richard Drury/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 15 de dezembro de 2022 às 06h00.
Elon Musk, o bilionário mundialmente conhecido por fundar e liderar empresas como SpaceX, Tesla e Neuralink, divide opiniões. Há quem demonstre completa admiração, e existem aqueles que torcem o nariz só de escutarem o nome. Não estou nem de um lado nem de outro. Porém, como profissional que trabalha com liderança, não pude deixar de reparar em notícias polêmicas.
Líderes famosos geram bons estudos de caso. São exemplos e discussões de como agir diante de diferentes cenários, mas também do que não fazer em uma posição de comando. Levando em consideração essa segunda parte, a das “antilições”, vale deixar claro o seguinte: o exercício que gostaria de propor não é de polarização ou ataque raivoso — coisas que, convenhamos, já estamos cansados de ver nas redes sociais.
A ideia é fazer uma análise crítica sobre determinadas posturas e atitudes sabendo que, guardadas as devidas proporções, todos nós que ocupamos um cargo de gestão estamos sujeitos a reproduzi-las. Por isso, mais do que uma implicância com uma figura pública, as “antilições” servem como sinais de alerta para que possamos evitar erros futuros. Vamos, então, a algumas práticas e comportamentos que eu não recomendo que uma boa liderança reproduza.
1. Achar que sua inteligência compensa comportamentos problemáticos
Um dos adjetivos mais usados para descrever Elon Musk é “gênio” . Porém, carros elétricos e missões espaciais não deveriam servir como um passe livre para atitudes questionáveis. O brilhantismo de uma liderança não é capaz de ofuscar seus erros. Ao usarmos o argumento de que Elon Musk tem feito grandes contribuições à humanidade e que, por isso, certas atitudes são insignificantes, estamos passando uma mensagem problemática. Qual é o limite disso? Quantos comportamentos controversos estamos dispostos a ignorar em prol de uma “boa ideia”? Que exemplo estamos dando para as futuras gerações de líderes?
2. Não se importar com a comunicação
Quando o episódio de um e-mail para que os funcionários decidissem se continuariam ou não no Twitter aconteceu, ressurgiu a conversa sobre o transtorno do espectro autista (TEA) de Musk — ele revelou a condição em maio de 2021. Alguns debates giravam em torno da questão de que o texto criticado nas redes era, na verdade, uma consequência do TEA. Não se tratava de um ultimato desrespeitoso, mas de uma comunicação objetiva característica da condição.
Profissionais com TEA devem ser incluídos, respeitados e valorizados no mercado de trabalho. Nesse sentido, é muito importante que Elon Musk tenha jogado luz sobre o assunto. Mas basta reler tuítes antigos e outras comunicações do bilionário para entender que a polêmica em torno do e-mail não tem a ver com o TEA. Profissionais em posições de liderança contam com equipes diversas para apoiá-los nas suas atividades, e a equipe de comunicação é uma delas. Elon Musk não é um executivo desassistido. Quando nós ocupamos uma posição de liderança, precisamos saber delegar, contar com a ajuda dos outros e entender que lidar com pessoas é complexo. E como os outros se sentem diante da sua forma de se comunicar importa — e muito — para uma boa gestão.
3. Desconsiderar a cultura organizacional do novo trabalho
Mais uma vez em relação ao fatídico e-mail, algo que foi muito comentado por talentos que decidiram sair do Twitter foi a sensação de história desrespeitada. Ao receber uma mensagem dizendo que só um “desempenho excepcional será considerado como nota de aprovação”, é natural que surja um desconforto. Afinal, tudo o que foi feito anteriormente não é considerado “trabalho duro”? Quando alguém chega a uma nova empresa, é preciso ter humildade para conhecer as pessoas e a sua forma de atuar. Isso exclui a necessidade de mudanças e de melhorias? De forma alguma! Mas é importante lembrar que aquele lugar tem uma história e uma jornada anterior. Mudanças eficientes só serão feitas depois de entendida essa realidade e de criada uma relação de respeito e de confiança com todos.
4. Estimular uma cultura workaholic e glamourizar noites maldormidas
Picos de trabalho fazem parte da jornada de qualquer profissional. A questão não é essa. O problema é quando associamos a dedicação a uma rotina de jornadas extenuantes, como se só fosse possível fazer um bom trabalho sacrificando o sono, a saúde e o bem-estar. É a mensagem que Elon Musk passa ao tuitar que ficará trabalhando e dormindo na sede do Twitter até que a organização seja consertada.
Esse tipo de declaração leva a outra questão que pode parecer um detalhe insignificante, mas, acredite, não é. Estou falando de uma boa noite de descanso. Não são poucos os estudos que demonstraram nos últimos anos similaridades entre os efeitos da privação de sono e a ingestão de álcool em excesso. Em ambos os casos, as pessoas costumam demonstrar dificuldade de manter a concentração, reação lentificada, prejuízo na capacidade de memorização, queda na performance e aumento da agressividade.
Se não achamos normal alguém dizer em alto e bom som que está trabalhando bêbado, acho que precisamos começar a demonstrar a mesma estranheza com relação à glamourização das noites intencionalmente em claro. Não é só uma questão de saúde individual, mas coletiva.