Revista Exame

Eleições na Europa em junho podem selar avanço armamentista e da extrema-direita

A eleição para o Parlamento Europeu jogará luz sobre qual será o papel do militarismo e da extrema direita no continente, que tem desafios econômicos a resolver

A Suécia na Otan: o secretário-geral do órgão, Jens Stoltenberg (à dir.), e o primeiro-ministro Sueco, Ulf Kristersson, oficializam a entrada do país no bloco militar (Omar Havana/Getty Images)

A Suécia na Otan: o secretário-geral do órgão, Jens Stoltenberg (à dir.), e o primeiro-ministro Sueco, Ulf Kristersson, oficializam a entrada do país no bloco militar (Omar Havana/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 22 de março de 2024 às 06h00.

Por mais de 200 anos, a Suécia conseguiu manter uma posição de neutralidade, tanto nas guerras napoleônicas do século 19 quanto nos dois conflitos mundiais do século 20. No entanto, em 7 de março de 2024, o país colocou fim a essa postura e ratificou sua entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), maior aliança militar do Ocidente. Se um membro da Otan for atacado, todos os outros países devem ajudar em sua defesa, incluindo os Estados Unidos, a maior potência militar global.

O gesto da Suécia é um sinal claro de uma nova era no Velho Continente, na qual os paí­ses europeus buscam reforçar seu poder militar e, assim, revertem uma tendência longa. Após os horrores da Segunda Guerra, a Europa buscou novos meios para colocar fim em séculos de conflitos.

Em 1950, foi proposto um acordo para integrar a produção de carvão e aço entre seis países, incluindo a França e a Alemanha Oriental, dois rivais históricos. Essa iniciativa, além de favorecer a economia, impedia uma nova guerra, já que esse material seria fundamental em um conflito. “A solidariedade na produção aqui estabelecida deixa claro que qualquer guerra entre França e Alemanha se torna não apenas inimaginável, mas materialmente impossível”, diz o texto do acordo.

Essa união sobre carvão e aço foi o embrião da União Europeia, hoje comandada por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o braço executivo do bloco. Em 28 de fevereiro deste ano, Leyen deixou claro que as coisas mudaram. “Nos últimos anos, muitas ilusões europeias foram destruídas, como a de que a paz é permanente”, discursou no Parlamento Europeu. “A ameaça de guerra pode não ser iminente, mas não é impossível. Os riscos de uma guerra não devem ser exagerados, mas devemos nos preparar para eles.” Em seguida, ela advertiu que os europeus aumentem seus gastos em defesa.

Antes da guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, havia uma sensação de que o risco de um país do continente ser invadido por outro era praticamente inexistente. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, mudou isso, e acabou tendo um efeito contrário ao que previa: uma das razões para invadir a Ucrânia era impedir que o país se unisse à Otan e à União Europeia. A Ucrânia recebeu apoio militar, moral e financeiro dos dois blocos, mesmo sem fazer parte deles oficialmente, e a invasão levou mais países a quererem se juntar ao bloco militar. Em 2023, a Finlândia, que faz fronteira com a Rússia, foi aceita na aliança. Somando tudo, o número de integrantes passou de 29 para 32 desde 2019. No mesmo período, a União Europeia encolheu de 28 para 27 países, com a saída do Reino Unido, mas há nove candidatos em processo de análise para serem aceitos, incluindo Bósnia, Sérvia e Turquia.

Leyen buscará a reeleição em junho, quando o Parlamento Europeu realizará eleições para renovar suas 705 cadeiras, onde se sentam representantes dos 27 países do bloco. A aposta dela no militarismo é vista como um dos principais pontos de sua campanha para consquistar mais cinco anos no poder. A política alemã é ligada à CDU, partido de centro-direita da Alemanha.

“Partidos tradicionais da centro-direita e da centro-esquerda vêm perdendo espaço em vários países europeus e podemos ter uma confirmação desse movimento. São 27 países votando ao mesmo tempo, o que dá uma fotografia bem mais completa”, diz Demétrius Pereira, professor de relações internacionais da ESPM e especialista em Europa.

A centro-direita domina atualmente o Parlamento Europeu, por meio do Partido Popular Europeu (PPE). A Economist Intelligence Unit (EIU) estima que, de acordo com as últimas pesquisas de opinião, o Identidade e Democracia, de extrema direita, e o Conservadores e Reformistas Europeus provavelmente se tornarão o terceiro e o quarto maiores grupos parlamentares.

“Um Parlamento Europeu com um número aumentado de assentos para partidos de extrema direita poderia significar o bloqueio de novas legislações sobre mudanças climáticas, migração, ampliação da UE e acordos comerciais internacionais”, escreveram analistas da EIU. “No entanto, o Parlamento tem poderes limitados, que giram em torno da ratificação de tratados e da aprovação do orçamento da UE e da legislação.” Na análise, o verdadeiro centro de poder é o Conselho da União Europeia, cujo controle deve continuar com o PPE de Leyen. 

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia: política de centro-direita tentará reeleição em junho (Leandro Fonseca/Exame)

Apesar desses sinais, a extrema direita, que teve uma onda forte na Europa nos anos anteriores à pandemia, ainda está distante de conquistar governos. Na Espanha, o Vox ganhou destaque a partir de 2018 ao se eleger em governos regionais, mas não conseguiu ser protagonista na disputa nacional. Matteo Salvini, principal nome da extrema direita italiana, chegou ao cargo de vice-primeiro-ministro, mas não obteve força para comandar o país. Na França, em 2022, Marine Le Pen perdeu a eleição presidencial no segundo turno para Emmanuel Macron.

O registro mais recente desse avanço ocorreu em Portugal. Nas eleições realizadas em 10 de março, a Aliança Democrática (AD), de centro-direita, foi o partido mais votado, e o Chega, de extrema direita, quadruplicou seu espaço no Parlamento, conquistando 48 das 230 cadeiras. Com isso, a AD precisa do Chega para obter maioria e formar um governo, mas o líder da AD, Luís Montenegro, evitava negociar com o Chega até a conclusão desta edição. 

Além da questão militar e do risco de avanço de extremistas, a Europa precisa lidar com desafios econômicos: a riqueza ali cresce em ritmo menor do que nos Estados Unidos, e mesmo que na China, há muito tempo, a distância do poder de compra entre os dois lados do Atlântico continue grande. O PIB per capita nos países da UE foi de 54.600 dólares em 2023, ante 77.900 dólares nos EUA. O desemprego no bloco europeu está em 6%, enquanto os americanos veem a taxa abaixo dos 4%.

Para Clayton Pegoraro, professor de direito internacional no Mackenzie, o modelo da União Europeia, em que os países têm autonomia parcial e decidem muita coisa em conjunto, traz entraves. “Você pode ter membros do bloco que, em algum momento, podem estar de forma contrária às ideias do bloco. Como há o direito intrabloco e os direitos dos países, isso pode não ser tão benéfico para o crescimento econômico”, afirma. Mais uma vez, os europeus precisam reavaliar as vantagens e as dificuldades de andarem juntos. No entanto, a grande quantidade de interessados em se unir às entidades do continente, como fez a Suécia, sinaliza que o isolacionismo parece cada vez mais uma opção do passado.

Acompanhe tudo sobre:1261

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon