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Miguel Patricio, da Kraft Heinz: “Aposte no que vai crescer”

O novo presidente da Kraft Heinz, Miguel Patricio, fala da importância de apostar no futuro — e não no que deu certo até aqui

Miguel Patricio: ele já fez Carlos Brito, da AB InBev, compor um hip-hop (Kraft Heinz/Divulgação)

Miguel Patricio: ele já fez Carlos Brito, da AB InBev, compor um hip-hop (Kraft Heinz/Divulgação)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h28.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h19.

Um dia depois de ter sido anunciado o novo presidente da fabricante de alimentos Kraft Heinz, gigante que fatura 26 bilhões de dólares por ano, o português Miguel Patricio teve um compromisso tão prosaico quanto simbólico. Ele voou dos Estados Unidos para o Brasil para fazer o exame demissional de seu antigo empregador, a fabricante de cervejas AB InBev, controlada pelo mesmo grupo de investidores da AB InBev, a gestora 3G, capitaneada pelo empresário Jorge Paulo Lemann.

Patricio, de 52 anos, trabalhou por 20 anos na cervejaria, onde entrou após passagens por empresas como a Coca-Cola e a Johnson & Johnson. Ocupou cargos de primeira linha durante toda a sua trajetória, sendo os dois últimos a presidência da companhia na Ásia e a diretoria global de marketing. Foi figura marcante no espetacular crescimento da empresa — que, partindo da antiga Brahma, do Rio de Janeiro, se tornou a maior cervejaria do planeta, multiplicando o resultado por 100. Também se destacou na transformação da AB InBev nos últimos anos de um negócio excessivamente centrado na eficiência operacional para uma empresa que embarcou de cabeça na onda das cervejas artesanais. Mas já havia feito até sua festa de despedida, e estava se organizando para iniciar uma trajetória de investidor quando recebeu o convite para assumir a combalida fabricante americana de alimentos.

Sob o comando do brasileiro Bernardo Hees por seis anos, a Kraft Heinz virou um exemplo de gestão de custos, mas vinha sendo cobrada pela dificuldade de inovar. As ações estavam em baixa de mais de 40% nos últimos 12 meses, com a revisão para baixo no valor de marcas de consumo excessivamente alinhadas com o século 20. O maior modelo agora é a Amazon, varejista que, segundo Patricio, é um exemplo ao unir eficiência e inovação. “Temos de antecipar as demandas dos consumidores”, afirma. Ele assumirá a Kraft Heinz no dia 1o de julho, depois de dois meses de imersão na companhia. A seguir, os principais trechos de sua entrevista exclusiva a EXAME, logo após o bem-sucedido exame demissional, em uma curta passagem pelo Brasil.

Por que o senhor saiu da AB InBev depois de duas décadas?

Achei que eu tinha cumprido meu ciclo. E não só pelos cargos. Desde o começo batalhei muito para fazer a companhia ser mais centrada no consumidor. E agora há muita gente na empresa com essa visão. O Carlos Brito é CEO há 14 anos, e um ótimo CEO. Então, três anos atrás eu pedi para sair. No meio do ano passado, o Brito concordou. O que eu tinha pensado como meu próximo passo na vida era investir em companhias, ser sócio. Mas o Alex [Behring] e o João [Castro Neves], sócios da 3G, me convidaram para assumir a Kraft Heinz. Essa seria a única coisa que me faria voltar depois que eu tomei a decisão de parar. Porque o desafio de ser CEO numa companhia grande não acontece todos os dias. Isso me atrai muito.

De seu histórico, o que o credencia a assumir uma companhia em crise?

Quando eu cheguei à China, era um desastre. A empresa perdia volume, perdia mercado, perdia margem. Teve quatro presidentes em cinco anos. A empresa tinha gente muito valente, muito visionária, mas era uma colcha de retalhos. Quando eu cheguei, havia alguns imperadores chineses, que cuidavam de suas regiões. A companhia era uma holding que juntava os resultados. Havia cinco unidades de negócio, cinco fornecedores, cinco departamentos de marketing. Além disso, não conseguia atrair talento. Nem interno, porque ninguém queria ir para a China, nem externo, porque as marcas que a gente tinha eram todas marcas locais e regionais.

De que forma a experiência na China o ajuda a entender um pouco do que vai ter de fazer na Kraft Hein?

Com certeza a experiência na China me ajuda muito. Eu terei de mudar um negócio, energizar as pessoas, evangelizar um grupo. Terei de fazer as pessoas acreditar. Terei de montar uma estratégia de longo prazo, fortalecer as marcas. Hoje, na China, a marca mais valiosa de cerveja é a Budweiser. Ela não é líder em volume, mas é líder em faturamento, é uma marca premium. É uma marca amada. Acho que é o maior sucesso de uma companhia ocidental no mercado de bens de consumo chinês. A China é o maior exemplo de crescimento orgânico que a AB InBev tem no mundo atualmente. E virou um tremendo berço de melhores práticas.

A Kraft Heinz está num momento semelhante?

A companhia está sendo criticada, mas teve um primeiro ciclo necessário. O Bernardo Hees tocou a companhia por seis anos, fez duas aquisições e transformou a Kraft Heinz na empresa com as maiores margens do mercado americano. E isso não é pouca coisa. Agora, precisamos ser mais centrados no consumidor e mirar o longo prazo. Na China fizemos um plano de dez anos. Precisamos de investimentos brutais, mas chegaremos lá. O próprio Bernardo foi o primeiro a chegar ao board e a dizer que “o meu ciclo aqui está encerrado”. Essas coisas de ciclo são muito importantes, da mesma forma que meu ciclo estava encerrado na AB InBev. Precisavam de uma pessoa com perfil diferente. E eu espero ser o cara para isso. O tempo dirá. Fizemos ações muito importantes. A mais importante e difícil de mensurar foi a evolução cultural para ser uma companhia muito mais baseada no consumidor. O mercado ainda não entendeu essa mudança nossa, principalmente no Brasil.

Qual foi o ponto de virada na AB InBev?

Há cinco anos, eu achava que nós éramos pouco inovadores, apesar de participarmos de uma categoria inserida nos aspectos culturais de nossos países de atuação e nas conversas de nossos consumidores. Todo mundo gosta e bebe, mas não ganhávamos prêmios de comunicação e marketing. Fizemos uma reunião de uma semana para refletir sobre criatividade em Nova York. Ali ficou claro que nossos processos eram pautados apenas na eficiência. Fomos obcecados pela eficiência. Além disso, não recompensávamos a inovação, mas a segurança. Criatividade é fazer o diferente, o que significa aceitar e correr riscos. Esse evento foi tão marcante que até o Carlos Brito compôs um hip-hop.

Houve a fase de ser eficiente e depois a fase de ser inovador? Ou inovação e eficiência podem caminhar juntos?

Não mudaria nada do que fizemos antes dessa reflexão, porque a AB InBev só chegou aonde chegou por causa de nossas atitudes, e não devemos ter vergonha. Fomos obcecados em ser eficientes — e por isso crescemos mais rapidamente do que os concorrentes. Os dois subestimados, Brasil e África, ganharam o jogo da cerveja. É difícil pensar em outro mercado no qual esse movimento tenha acontecido. Mas de forma alguma precisamos deixar de ser eficientes para ser inovadores. Eu acho que a Amazon é absolutamente inovadora e, ao mesmo tempo, eficiente. A boa companhia do futuro faz uso dessas duas abordagens.

Sua visão para a Kraft Heinz prevê fazer aquisições ou a empresa será pautada por crescimento orgânico?

Podemos fazer aquisições. O mercado está em uma gigantesca transformação e há companhias comprando e vendendo. A Kraft Heinz anunciou nos últimos meses uma compra e duas vendas. Temos de pensar em aquisições, mas minha maior preocupação não é essa, e sim o crescimento orgânico. Tem de ser uma combinação. Nossa história é feita de expansão orgânica e inorgânica.

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Há coisas fáceis por fazer ou será um processo longo e demorado?

Eu adoraria saber. Eu não tive acesso [à empresa ainda]. A oportunidade sempre existe. Na parte de custos já foi feito, e foi bem-feito. Agora é preciso trabalhar em produtividade, trabalhar em logística, ser melhor nas fábricas. Nos últimos tempos, tivemos alguns problemas em suprimentos, com falta de produtos. Esse é o jogo que me move: buscar margens sendo melhor. É isso que levanta o moral.

Que semelhanças e diferenças há entre o mercado de cervejas e o de alimentos?

Há mais semelhanças do que diferenças. Talvez em cerveja as marcas sejam mais fortes, mas há marcas muito fortes em alimentos também. O melhor exemplo é que praticamente não existe private label em cerveja. Em outras palavras: o consumidor não olha para cerveja como uma coisa genérica. Em alimentos, em algumas categorias, a private label é muito forte. Mas, mesmo nessas categorias, marcas fortes seguem sendo importantes. Exemplo: em ketchup, nos Estados Unidos, a Kraft Heinz chegou recentemente à sua maior participação, com 68% de share. Então, para mim, a melhor forma de lutar contra genéricos é com marca. Várias cadeias de supermercados pelo mundo já tentaram, mas não conseguiram.

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Há o risco de as marcas da Kraft Heinz ficarem presas no meio, entre as private labels e as marcas mais premium?

É o mesmo problema das cervejas. O erro é você acreditar que vai mudar a tendência, como fizemos por anos com Bud Light nos Estados Unidos. Outra opção é ver como uma oportunidade de liderar a “premiunização” do mercado pelo mundo. Eu tenho marcas para isso. Então não vamos ter medo das mudanças de mix se elas forem a nosso favor. E não teremos medo se entendermos o que vai acontecer. Se eu estiver liderando o crescimento do mercado premium, qual é o problema? Aprendemos a gerenciar portfólio, a entender a maturidade dos países. Se vou para Moçambique, vejo basicamente homens tomando cerveja em bares. Na África do Sul, e no Brasil, o mercado já é mais sofisticado. As ocasiões- vão se sofisticando. O mesmo vale para alimentos. No Brasil, a conveniência é cada vez mais importante. Se mapearmos as demandas dos países, conseguiremos entender a próxima onda e estar na frente. O desafio de qualquer empresa de consumo é entender o próximo passo, para estar sempre à frente. Demoramos, nos Estados Unidos, a entender o movimento de cervejas artesanais. Primeiro, negamos. Isso não adianta. É preciso apostar não no que deu certo até aqui, mas no que vai crescer.

Como a digitalização mudou o mercado de cervejas e como vai mudar o mercado de alimentos?

A cerveja, por ser pesada, ocupar espaço e ser razoavelmente barata, não tem sido a grande prioridade de varejistas online, como a Amazon e o Walmart. No Reino Unido, um caso limite, 8% das cervejas são vendidas online. Em alimentos, acredito que seja a mesma coisa da maturidade- de que estava falando. Minha filha acorda no domingo de manhã e pede um waffle para o café, que chega em 5 minutos. Nos países desenvolvidos, a transformação está acontecendo muito rapidamente. A Kraft Heinz está fazendo um investimento grande em digitalização para surfar nesse negócio. É uma área estratégica muito importante para nós.

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