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Da Redação
Publicado em 11 de março de 2013 às 19h33.
Foi em pleno escritório, entre uma baia e outra, que a paulista Daniella Guarnieri, de 27 anos, e o gaúcho Marcos Krause, de 28, deram o primeiro beijo. Na época (cerca de três anos atrás), os dois advogados trabalhavam no departamento jurídico de uma seguradora em São Paulo.
Apesar de atuar em projetos diferentes, eles respondiam para um mesmo chefe e conviviam diariamente, num setor com apenas 12 pessoas. Foram dois anos de cafezinhos, reuniões, almoços, happy hours. Até que, num dia em que trabalharam até mais tarde e acabaram ficando sozinhos na empresa, os dois perceberam que não dava mais para ser apenas bons amigos.
"Nos beijamos ali mesmo, depois do expediente", lembra Daniella, que hoje é coordenadora do escritório de advocacia Chalfin, Goldberg & Vainboim, enquanto Marcos atua como advogado-coordenador da MetLife, gigante no ramo de seguros. Sabe em que deu esse beijo?
O casamento está marcado para o começo de dezembro. Histórias como a de Daniella e Marcos se repetem o tempo todo no universo corporativo.
É praticamente impossível não surgir um clima de romance quando você passa facilmente dez horas por dia no trabalho e a organização estimula cada vez mais a mistura entre vida pessoal e profissional -- é na empresa que muitos profissionais tomam café, almoçam, jantam, fazem academia, unha, cabelo etc.
Em muitos casos, mesmo as atividades sociais, como festas, exposições e happy hours, giram em torno da empresa. Resultado: cerca de 42% dos funcionários se envolvem com colegas de trabalho.
Foi isso o que revelou uma pesquisa da sexóloga americana Shere Hite, uma da mais conceituadas estudiosas do mundo quando o assunto é sexo, autora do clássico Relatório Hite e de Sexo e Negócios (Editora Bertrand Brasil). O estudo foi realizado em grandes corporações européias, mas ilustra bem o que acontece no Brasil.
"Hoje convivemos muito mais com o colega do que com a família e até com o cônjuge", diz Ailton Amélio da Silva, professor de relacionamento amoroso do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor de O Mapa do Amor (Editora Gente).
"É uma carona aqui, um jantar ali e, quando você vê, a coisa foi longe demais." Segundo Ailton, 37% dos namoros surgem entre pessoas que já se conhecem e mantêm uma convivência freqüente -- e aí o ambiente corporativo aparece como o cenário perfeito.
"É fácil se apaixonar por alguém da empresa, pois geralmente são pessoas com quem você acaba tendo uma afinidade também intelectual", diz Andréa Huggard-Caine, da consultoria de recursos humanos Huggard-Caine, sediada em São Paulo.
JOGO DE ESCONDE-ESCONDE
É fácil mesmo se apaixonar. O difícil é manter um relacionamento no trabalho. Para começo de conversa, surge uma infinidade de dúvidas. "Pode ou não pode?", "Conto ou não conto?", "Qual vai ser a reação do meu chefe?", "O que os colegas vão dizer?", "Como isso vai impactar a minha carreira?". Esses questionamentos são naturalíssimos, caro leitor.
As respostas é que são bem diferentes, de acordo com cada empresa, cada cargo, cada affair. "Às vezes não há o menor motivo para estresse. Você não pode quebrar uma regra que não existe na empresa", diz o filósofo e consultor Mario Sergio Cortella, professor da PUC em São Paulo.
"O primeiro passo, portanto, é conhecer as normas da organização em que você trabalha e saber até onde você pode circular dentro dos limites da companhia."
O problema é que as regras do jogo nem sempre são claras. Em pesquisa exclusiva para VOCÊ S/A, realizada pelo instituto H2R com 100 executivos, 79% responderam que não há nenhuma regra sobre relacionamento amoroso nas empresas em que atuam e 3% disseram que até existem normas sobre isso, mas não é de conhecimento de todos na organização.
Como poucas empresas têm políticas formais sobre o tema e as que têm ainda não comunicam bem o assunto, muitos casais preferem manter segredo sobre seu envolvimento. "Esse tema começa a ser levado aos comitês de ética das empresas", diz Mario Sergio. "Antes, a regra era proibir ou liberar tudo.
Hoje, é mais fácil encontrar organizações que permitem os relacionamentos amorosos, com algumas restrições." O mais comum é evitar que o casal trabalhe na mesma área, que mantenha relação de chefia e subordinação e, principalmente, que um dos dois passe para o outro informações estratégicas e limitadas a determinados profissionais (veja quadro Com Direito a Romance).
Quando se apaixonou pelo mineiro Brener Pace, de 39 anos, gerente comercial da BV Financeira, a psicóloga paulista Cynthia Tamura, de 30 anos, gerente de desenvolvimento organizacional da empresa (um dos braços do grupo Votorantim), não tinha a menor idéia de quais eram as regras corporativas sobre o relacionamento entre colegas de trabalho.
O namoro começou num evento da empresa para clientes, na Ilha de Comandatuba, em junho de 2004. Cynthia morava em São Paulo e Brener, em Minas Gerais -- o que prejudicava a convivência, mas facilitava o sigilo absoluto. "Não trocávamos e-mails na empresa, não falávamos no celular corporativo e não andávamos juntos no carro da organização", lembra ela.
"Nem no shopping andávamos de mãos dadas pelo medo de sermos surpreendidos por colegas." Mas em março de 2005 não deu mais para manter o segredo: Cynthia descobriu que estava grávida. Antecipando-se à reação da empresa, os dois decidiram que ela pediria demissão e se mudaria para Minas Gerais.
O que eles não imaginavam é que os respectivos chefes iam propor algo bem diferente. Eleita a segunda melhor empresa para se trabalhar no país -- na edição 2006 do Guia EXAME-VOCÊ S/A -- a BV Financeira não só segurou Cynthia como transferiu Brener para São Paulo. Hoje, os pais de Felipe, de 10 meses, dividem a casa e a empresa sem precisar esconder nada de ninguém.
"O nosso relacionamento acabou servindo para a empresa pensar uma política que trate do assunto, embora não haja nada concreto ainda", diz Cynthia.
SABE QUEM ESTÁ NAMORANDO?
Mesmo quando a empresa tem uma reação positiva aos relacionamentos no trabalho, é inevitável a sensação de ser vigiado o tempo todo. Pelo chefe, pelos colegas, pelo estagiário e até pela copeira. E não é paranóia, não. "O que mais se faz numa empresa é observar o comportamento alheio", diz a psicóloga organizacional Ana Fraiman, de São Paulo.
"O primeiro grande prazer do ser humano é falar de si mesmo, o segundo é falar dos outros", completa Mario Sergio Cortella. Claro que, quanto mais saboroso for o caso, maior o risco de o casal ver sua vida esmiuçada no café da empresa.
E maiores, também, as chances de isso prejudicar a carreira, por causa de insinuações com relação à postura ética da dupla e possíveis vantagens na empresa relacionadas ao envolvimento amoroso. Relacionamentos extraconjugais, por exemplo, são um prato cheio para o tricô corporativo.
Que o diga o administrador de empresas cearense João Oliveira*, de 40 anos, hoje atuando como consultor. Há oito anos ele mantém um relacionamento extraconjugal. Quando o namoro começou, ele e ela trabalhavam juntos numa multinacional e respondiam ao mesmo chefe. Durante dois anos conseguiram manter o relacionamento em segredo.
"Mas a desconfiança sempre existiu", diz João. "De repente, meu chefe disse que já estava sabendo do caso e que o problema era meu, desde que eu continuasse entregando resultados." Oficialmente, João e a amante eram nada mais do que bons colegas de trabalho. Oficiosamente, todos sabiam que a história não era bem essa.
Tanto que os outros colegas perguntavam para João o número do sapato ou das roupas dela quando queriam presenteá-la. "Por ser uma relação extraconjugal, era como um jogo de faz-de-conta, em que eu fingia que éramos apenas amigos, mesmo sabendo que o relacionamento era de conhecimento de todos", diz. "Se eu não fosse casado, não teria problemas em falar abertamente." João deixou a empresa no ano passado, ela continua lá, e o romance dos dois está firme. O casamento dele também.
Casos como o de João ficam ainda mais complicados à medida que se sobe na hierarquia da empresa. Em março de 2005, o ex-presidente da Boeing Harry Stonecipher, casado, foi demitido por manter um caso com uma executiva da empresa.
O romance foi denunciado anonimamente por um funcionário (sabe-se lá se "amigo") para o comitê de ética da empresa. Cartão vermelho para ele. "Quando se trata de um líder, como o ex-CEO da Boeing, a situação fica mais complicada", diz Andréa, da Huggard-Caine. "Se ele não é transparente com a vida pessoal, como será na vida profissional?"
Quando não arranha a carreira, a fofoca e as críticas dos colegas podem minar o relacionamento. "O que mais me incomodavam eram os palpites e o julgamento da minha postura", diz a paulista Adriana Cavalcanti*, de 30 anos, que trabalha no departamento jurídico de uma empresa em São Paulo e manteve relacionamento de sete meses com um colega de trabalho.
No início, apenas dois profissionais sabiam do caso, mas não demorou muito para que a história se espalhasse. "Meu chefe nunca perguntou nada da minha vida pessoal e, de uma hora para a outra, começou a me questionar sobre possíveis namoros", conta Adriana. Nas reuniões, ela não escapava de olhares curiosos.
Quando elogiavam o trabalho do seu namorado, os colegas inevitavelmente encaravam Adriana, buscando sua reação -- o que, obviamente, a deixava muito constrangida. O namoro acabou em dezembro do ano passado, os dois continuam trabalhando na mesma empresa e têm uma relação saudável.
"Terminamos por um conjunto de fatores, mas é claro que a interferência de colegas influenciou o relacionamento. Eu me sentia muito controlada. Pessoas que nem sabiam oficialmente do nosso namoro se achavam no direito de comentar nossa relação", diz Adriana.
COMPORTE-SE!
Infelizmente, não dá para escapar dos olhares (e da língua) dos colegas. Mas você pode minimizar os comentários e se proteger de insinuações maldosas (veja o quadro Pintou um Clima. E Agora?). Antes de mais nada, adote realmente uma postura ética. Lembra da máxima "Quem não deve, não teme"?
É por aí. Informe-se sobre a política da empresa e, caso existam normas sobre esse assunto, siga a cartilha. Se não houver uma regra a esse respeito, haja da forma mais profissional possível. Um dos dois é chefe do outro? Melhor alguém mudar de área. Ele ou ela tem acesso a dados estratégicos, limitados ao seu cargo?
Nada de dividir essas informações com o amante, entre uma taça de vinho e outra. Por fim, mas não menos importante, é essencial manter a discrição. No início do romance, o melhor mesmo é guardar segredo. Foi o que fizeram os advogados Daniella e Marcos, depois daquele beijo escondido no escritório, pós-expediente.
Eles não chegavam nem saíam juntos, não almoçavam sozinhos, não andavam de mãos dadas. O romance só veio à tona após quatro meses, depois de um episódio trágico. "Meu estagiário morreu e, nesse momento, o Marcos ficou o tempo todo ao meu lado. Não dava mais para disfarçar", lembra Daniella. A história se tornou pública num momento em que a relação entre eles já dava sinais de maturidade. "É melhor esconder no começo, até ter certeza de que o relacionamento é realmente firme", diz a psicóloga Ana Fraiman.
Mesmo depois de achar que pode dar em casamento e tornar público o envolvimento, é preciso manter a discrição. Não pega nada bem ficar se agarrando no estacionamento, trocando beijinhos antes da reunião ou até mesmo chegar de mãos dadas. "O contrato que você tem com a empresa é para trabalhar e não para namorar", diz Ailton Amélio, da USP.
"A postura do profissional sempre influencia a análise que o chefe e os colegas fazem do seu desempenho." A administradora de empresas paulista Fabiane Campedeli, de 29 anos, sabe muito bem disso. Em setembro de 2001, ela foi aprovada no programa de trainee da antiga Arthur Andersen, comprada posteriormente pela Deloitte.
Foi durante as aulas de contabilidade oferecidas ao grupo de trainees que ela conheceu o auditor mineiro Delfo Campedeli Junior, de 27 anos, um dos monitores. Paquera vai, paquera vem, e na festa de fim de ano da empresa, numa casa de shows em São Paulo, os dois iniciaram um relacionamento que já dura mais de quatro anos, com direito a casamento, em dezembro de 2004.
"Oficialmente, nós poderíamos namorar, pois não trabalhávamos na mesma área", diz ela. "Mesmo assim, mantínhamos o máximo de discrição." A empresa era uma espécie de zona proibida para os dois. Lá, eles não pegavam nas mãos, não davam sequer um beijinho e evitavam falar um com o outro ao telefone.
A discrição era tanta que muitas pessoas nem imaginavam que eles estavam namorando, o que fez Fabiane ser obrigada a engolir o ciúme em algumas situações.
"Uma vez, uma colega pediu para o Delfo carregar a pasta dela, toda sedutora. Eu estava do lado, só olhando, mas tive de ficar quietinha!" Hoje, ela é consultora da Hewitt, empresa de recursos humanos em São Paulo, e ele é auditor interno de um banco, também na capital paulista. A saída da empresa não teve nada a ver com o relacionamento.
DORMINDO COM O INIMIGO
Todos os cuidados acima não adiantam nada se você comete um erro fatal, anterior a todas as outras atitudes: escolhe mal a pessoa com quem se envolve no trabalho. Alguns casos acabam em barracos no escritório, com direito a brigas acompanhadas por toda a equipe e outras baixarias. Tem situação ainda pior (veja o quadro Atrações Fatais).
Em 2000, o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, ex-diretor do jornal O Estado de S. Paulo, matou a ex-namorada Sandra Gomide, sua subordinada, por não aceitar o fim do relacionamento.
Recentemente, outro romance corporativo virou caso de polícia. Em janeiro deste ano, uma ex-estagiária da Petrocoque, subsidiária da Petrobras em Cubatão, São Paulo, matou uma funcionária pois queria ocupar seu lugar na empresa. O motivo? Ficar ao lado do ex-namorado, o gerente de produção, um homem casado, de 42 anos, com quem manteve um relacionamento de sete meses.
"A situação tende a ficar muito complicada quando há rompimento e os dois continuam na empresa", diz Mario Sergio Cortella. Nos casos mais radicais (como os dois exemplos citados acima), isso acaba em tragédia fatal. Nos demais, o que normalmente acontece é uma expressiva queda de produtividade, às vezes resultando em demissão.
"Imagine o seguinte cenário: num dia você era especial para aquela pessoa. No outro, não significa mais nada", diz a psicóloga Ana Fraiman. "Você se sente diminuído. E é claro que isso interfere no seu desempenho profissional." Ana explica que, se o profissional não tiver maturidade suficiente, corre o risco de se sentir desestabilizado, a ponto de ter de abandonar a empresa.
A paulista Adriana Cavalcanti não chegou a tanto, mas enfrentou situações delicadas na empresa por causa do relacionamento amoroso. Ela mantém um bom convívio com o ex, mas alguns sentimentos não ficaram bem resolvidos.
"Há uma nova funcionária na empresa que vive se atirando para ele", diz Adriana. "Apesar de não estarmos mais juntos, o ciúme é inevitável. Não posso ver essa menina na minha frente."
Claro que isso tira o foco de Adriana do trabalho, o que pode acontecer mesmo quando o relacionamento vai bem. Os apaixonados, no entanto, dizem que dá para administrar as duas coisas numa boa. Para o advogado Marcos Krause, da MetLife, a convivência diária no trabalho faz mais bem do que mal para a carreira. "Você vai mais feliz para o trabalho e com mais disposição."
Sua noiva concorda. "Até a produtividade aumenta, pois você está com a pessoa que ama ao seu lado o tempo todo, o que é um motivo a menos para sair do trabalho", brinca. Segundo Fabiane, da Hewitt, há ganhos e perdas em trabalhar sob o mesmo teto. "É bom ter a pessoa de quem você gosta por perto. Mas, porque não trabalho mais com ele, tenho mais individualidade e não preciso me preocupar com o comentário dos outros." E aí? Vai chamar o(a) colega da baia ao lado para sair hoje? *Nomes trocados a pedido dos entrevistados