Revista Exame

A ameaça pirata de R$ 10 bilhões ao agronegócio brasileiro

Estudo mostra que mercado paralelo de sementes ocupa 11% da área plantada com soja no país, gera perdas de 10 bilhões de reais anuais e prejudica a economia do setor agrícola

Armadilha da pirataria: sementes pirateadas com soja ocupam 4 milhões de hectares, ou 11% da área plantada com o grão no país. É o equivalente à área cultivada com a oleaginosa em Mato Grosso do Sul, diz estudo (Branex/Getty Images)

Armadilha da pirataria: sementes pirateadas com soja ocupam 4 milhões de hectares, ou 11% da área plantada com o grão no país. É o equivalente à área cultivada com a oleaginosa em Mato Grosso do Sul, diz estudo (Branex/Getty Images)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 24 de abril de 2025 às 06h00.

Última atualização em 25 de abril de 2025 às 19h41.

Quando se fala em pirataria, geralmente as imagens que vêm à mente são de produtos como perfumes, cigarros, bebidas alcoólicas e roupas de luxo. Mas um estudo inédito da CropLife, associação que representa empresas dos setores de biotecnologia, defensivos agrícolas e germoplasma, mostra que o tema também atinge o agronegócio e a principal commodity brasileira: a soja.

E os números são superlativos. Segundo o levantamento, as sementes pirateadas do grão ocupam 4 milhões de hectares, ou 11% da área plantada com a soja no país. É o equivalente à área cultivada com a oleaginosa em Mato Grosso do Sul. Em termos econômicos, a prática ilegal provoca prejuízos anuais de 10 bilhões de reais ao setor.

“A pirataria é uma armadilha. A soja é uma indústria gigantesca, e os riscos à sua reputação institucional são imensos”, afirma Anderson Galvão, CEO da consultoria Céleres, responsável pelo estudo.

Segundo ele, a prática se intensificou impulsionada principalmente pela busca de alternativas mais baratas por parte do agricultor, que viu suas margens encolherem nos últimos anos em razão da alta dos custos. Também pesaram para esse cenário a dificuldade na fiscalização e a expansão da área plantada com soja.

Por lei, toda semente utilizada pelo agricultor deve ser registrada no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O produtor pode reservar, a cada safra, 10% das sementes para uso próprio, desde que a quantidade seja proporcional à área a ser plantada. Elas são conhecidas como “sementes salvas”.

No entanto, nem todas são devidamente declaradas, e é aí que entra o mercado ilegal. Os piratas adquirem sementes não registradas diretamente dos produtores e as revendem a preços mais baixos. Alguns agricultores, na ânsia de aumentar suas margens, compram essas sementes, na expectativa de obter uma vantagem financeira e sem pagar os direitos de propriedade intelectual para quem desenvolveu o insumo.

Mas o efeito negativo aparece mais tarde. O estudo revela que, na safra 2023/24, as lavouras que utilizaram sementes piratas tiveram uma produtividade 17% inferior às que usaram sementes certificadas, o que resultou em uma perda de 7,2 milhões de sacas de soja.

A redução na produtividade está relacionada à falta de melhoramento genético nas sementes piratas. Como a cada safra uma nova intempérie surge — pode ser uma mutação genética em uma doença, como a ferrugem da soja, ou um problema climático —, esses insumos ficam desatualizados.

Em um cenário de clima incerto e eventos adversos que impactam as safras, o uso de sementes geneticamente melhoradas se torna uma estratégia crucial para reduzir danos e até mesmo custos, diz Eduardo Leão, CEO da CropLife.

Além disso, pontua o executivo, a pirataria de sementes desestimula a inovação nas empresas que não obtêm retorno dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento — o estudo mostra que as companhias deixam de ganhar 4 bilhões de reais em receita.

“A agricultura está no centro do desafio da segurança alimentar e climático. Isso exigirá aumento substancial na oferta de alimentos e de energias renováveis, e a semente é uma das tecnologias mais relevantes”, afirma.

A solução, diz Catharina Pires, diretora de biotec e germoplasma da Croplife, passa por canais de denúncia, além de campanhas de sensibilização sobre o tema, já que o problema não se limita à soja. “Superar a pirataria é fundamental para produtores, indústria e governo. Esperamos, em alguns anos, poder olhar para esses números com avanços concretos”, finaliza.

Acompanhe tudo sobre:1274

Mais de Revista Exame

Oásis perene: como a dona da Riachuelo apoia oficinas de costura no sertão do RN

Instituto cultural de Porto Alegre atingido pela enchente prepara expansão e projeto de prevenção

Formas e funções: indicamos cinco gadgets para os seus momentos de lazer

Sem mau tempo: bar icônico de Porto Alegre retoma após enchente sem perder o bom-humor