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Da Redação
Publicado em 14 de setembro de 2012 às 17h31.
Tente imaginar um mundo sem marcas. Um mundo assim já existiu. Nele, os consumidores não precisavam memorizar referências ou informações para comprar bens e serviços. Comece pensando sobre o debate entre a utilidade e a inutilidade dos logotipos e você já poderá navegar pelo texto intrigante do livro mais polêmico sobre marcas lançado nos últimos anos. Trata-se de Sem Logo, de Naomi Klein. É o livro da hora para o mundo do marketing, merecendo até a capa de The Economist.
A autora, uma jornalista canadense, possui um estilo envolvente que convida ao debate sobre a sua tese, que, antecipo, não prega o banimento das marcas da face da Terra. Um dos seus objetivos é entender as razões para o uso desenfreado das artimanhas do branding e da comunicação, quase sempre afogando os consumidores em um mar de logotipos, campanhas, mensagens, slogans etc. Será que os consumidores querem (ou precisam) isso?
Para provar seus pontos de vista, Naomi não hesita em afrontar práticas consagradas de administração, o que resulta, de fato, em um trabalho provocador e vibrante. Subservientes e comodistas certamente irão amaldiçoar a autora. Ela investiga, oportunamente, a história do mundo das marcas como a conhecemos. Boa parte do livro é dedicada a uma revisão racional dos vícios e costumes no universo da comunicação. Como, afinal, chegamos ao monumental número de logotipos de hoje?
Um alerta importante começa pela diferenciação dos termos "branding" e "propaganda", que são tratados de maneira univitelina pelas agências. Estas são apenas parte do grande plano de branding, tanto quanto o são os patrocínios, os licenciamentos e outros truques. Convém pensar nas marcas como o significado central das corporações, e na propaganda como o meio de trabalhar e comunicar esse significado ao mercado.
Naomi lembra que no início, lá por volta do século 19, a propaganda tinha um foco mais estreito que o atual. Como as empresas estavam entupidas de novas invenções (carro, lâmpada elétrica, rádio etc.), a propaganda tinha muito mais um jeitão de publicidade do que o interesse de criar uma "identidade de marca" para um produto. Como tudo era novidade, a propaganda era, por si só, uma publicidade poderosa. Praticamente qualquer meio de informação gerava resultados comerciais quase imediatos.
Lançados os novos padrões, surgiu o motor da proliferação de marcas: a criação das fábricas e o nascimento das linhas industriais. Quando os produtos personalizados chegaram às fábricas, nasceu a produção em massa de itens até então artesanais e distribuídos em círculos limitados onde os consumidores conheciam bem os atributos das coisas que compravam e, na maioria dos casos, seus fornecedores (incluindo até o caráter destes).
Hoje é diferente. Primeiro nos relacionamos com mensagens e em seguida caímos nas mãos de intermediários, atravessadores, gerentes, supervisores, representantes, técnicos etc. Raro, muito raro mesmo, é olhar nos olhos de um fabricante ou de um banqueiro e dar-lhe os parabéns pelo trabalho bem-feito. Ou chacoalhá-lo pela postura incompetente ou amoral.
Não por acaso, então, as primeiras marcas foram tentativas de massificação de personalidades reais cujas imagens já haviam sido associadas pelos consumidores da época. Esses personagens visavam substituir um ser humano verdadeiro, com o qual as pessoas estavam habituadas a negociar.
São dessa época algumas marcas e imagens até hoje conhecidas, como Dr. Brown e Uncle Bens, entre outras, substitutos de comerciantes camaradas que conheciam (e respeitavam) a maioria dos seus fregueses. Tinha nascido, então, a idéia de "personalidade" da marca, passível de ser empacotada e comunicada, pronta para as massas.
A publicidade já era insuficiente, o que exigiu da propaganda novas abordagens práticas e conceituais. Ela ainda precisa disso (e como!), mas, dada a ampla comunicação dos seus próprios valores e méritos, existem por aí mil modelitos pré-fabricados, replicáveis para praticamente qualquer necessidade das indústrias e de agências menos competentes.
Já não bastava (como ainda não basta) o foco nos benefícios dos produtos ou dos serviços, o sentido prático dos compromissos que as empresas estabelecem vida afora. A idéia inicial, que ainda prevalece, era que as marcas tinham algo "espiritual", exigindo um tratamento baseado na força e na competência de se criarem "sentimentos" e "relações" com os consumidores.
Essa era a visão certa no momento apropriado. Se o seu Ford "Modelo T" novinho encrencasse, era até possível conseguir falar pessoalmente com o próprio Henry Ford para resolver o problema. Hoje, quando chegar a sua vez de enfrentar um defeito em seu carro (pelo visto, é só esperar), você será jogado na vala de um termo técnico para essas situações: recall.
A capacidade de errar das empresas foi tão aprimorada que exigiu a invenção de um termo para isso. Em momentos assim -- quando um carro zero quebra, uma empresa de auditoria importante falsifica dados ou a sua marca preferida de sabão em pó lhe subtrai matreiramente alguns gramas -- é que toda a firula do marketing e do branding desaparece. Nesse caso, uma marca bem comunicada adianta de quê?