EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
A Accor Brasil, novo nome do grupo Ticket, não paga os melhores salários da praça, nem os desta pesquisa. Seu programa de benefícios não é excepcional. Suas atividades, que vão da administração de restaurantes de empresas à hotelaria, da comercialização de refeições-convênio à montagem de programas de incentivos para empresas, não abrem portas para as carreiras mais valorizadas do mercado. O sistema de participação nos resultados não está entre os mais agressivos.
Compare-se a Accor a muitas empresas que não figuram nesta edição e, seguramente, se acharão remuneração, benefícios e atrativos maiores. E, apesar de tudo isso... Apesar de tudo isso, o grupo de origem francesa esteve entre os que obtiveram notas mais altas de seus funcionários, entre as empresas pesquisadas por EXAME. A Accor, decididamente, está sabendo ganhar a batalha pela alma de seus empregados.
A imagem altamente positiva da Accor entre os funcionários não é, aparentemente, fruto de algum plano formal de ações de RH ou da aplicação das teorias motivacionais de mais saída no momento. Também não se pode dizer que seja obra do acaso. O fator principal, na opinião de diretores e empregados, parece estar na rapidez com que a empresa cresceu desde sua implantação no Brasil. Em apenas 21 anos a Accor passou de um escritório em São Paulo que propunha um produto novo, o tíquete-refeição, para uma organização com 15 000 funcionários, filiais pelo país inteiro e atuação nacional numa vasta gama de serviços diferentes.
Empresas cujo quadro de pessoal cresce com essa velocidade oferecem, naturalmente, um volume muito maior de oportunidades profissionais - mais cargos, mais promoções, mais unidades abertas, mais produtos a gerenciar. "Uma companhia que em tão pouco tempo conseguiu criar 15 000 empregos por todo o Brasil só pode mesmo ser um ambiente de oportunidades", diz Roberto Oliveira de Lima, vice-presidente do grupo. Pelo andar da carruagem, a tendência é que as chances continuem surgindo no futuro próximo.
O grupo já tem fechados, hoje, contratos para operar 53 novos hotéis. Com isso, mais 2 000 empregos serão acrescentados ao quadro atual até o final da década. Como outros contratos certamente serão fechados nesse prazo, esse número tende a ser muito maior.
São freqüentes, na Accor, trajetórias como as de Alaor Barra Aguirre. Aos 22 anos de idade, em 1982, Aguirre entrou na então Ticket como vendedor júnior. Sua primeira tarefa foi cuidar da abertura da filial em Goiânia. Quatro anos e vários cursos de treinamento depois, foi promovido para assumir em Fortaleza a superintendência da Regional Nordeste. A partir daí, as promoções se tornaram mais rápidas. Após dois anos em Fortaleza, Aguirre subiu mais um degrau, sendo nomeado para a gerência adjunta da filial de Brasília, e dois outros anos depois, em 1991, foi convidado para gerenciar a maior filial do grupo no Brasil, em São Paulo, onde se encontra até hoje.
"Meu sentimento é que o nosso grupo mostra reconhecimento pelo esforço que a gente faz," diz Aguirre. "Isso é uma marca registrada aqui na Accor." Ele lembra também que as sucessivas mudanças em sua carreira foram feitas em boa ordem. "Em todas as minhas promoções, tive a oportunidade de negociar as transferências de forma digna e voltada tanto para a minha satisfação pessoal como para as necessidades da empresa", diz Aguirre.
Outro fator que parece influir de maneira positiva no clima da Accor é o sistema de gestão altamente descentralizado que a empresa pratica. Pela natureza de suas atividades, pulverizadas pelo país inteiro (são 710 diferentes unidades de serviços), a Accor tem necessidade de viver com processos ágeis de decisão - muitas coisas têm que ser resolvidas localmente, com rapidez e sem árvores complicadas de hierarquia. Trabalha-se muito com a intranet. Há utilização intensiva de teleconferências e videoconferências. E o contato pessoal com as principais chefias?
Afinal, dos 15 000 funcionários, apenas 600 trabalham na sede da Avenida Paulista. A questão é resolvida por meio do estilo de "gestão itinerante" em vigor na empresa, que obriga os caciques a visitar o tempo todo as operações locais. "É impossível saber, da sede, o que está acontecendo na empresa inteira", diz Firmin António, presidente da Accor Brasil. "É também uma forma de evitar que se formem grupos de poder."
Isso acaba gerando um sentimento de autonomia que os funcionários apreciam, e muito. "As pessoas sabem, no seu dia-a-dia de trabalho, que o papel que exercem é muito importante", diz Lima. "A conseqüência é que os funcionários ficam sentindo que participam da empresa como donos." Eliana Vallilo Tammaro, gerente da GR, uma das empresas do grupo, conta que certa vez, durante uma negociação, precisou de 100 000 dólares para fechar negócio. Não tendo tempo de pedir a aprovação de algum superior, simplesmente decidiu por conta própria. "Não perdemos clientes por nada. Até eles se surpreendem com a autonomia que temos", diz.
"Autonomia aqui na Accor é também uma forma de reconhecimento. A cada sucesso nos é dado mais e mais. O resultado é que acabamos nos sentindo donos da empresa e do negócio", diz Humberto Mourão Júnior, gerente da Actor, a cadeia de lanchonetes da Accor. Luiz Edmundo Prestes Rosa, diretor de RH da Accor, acredita que esta qualidade de relacionamento é essencial. "Tratamos as pessoas como recursos, e não como custos", diz ele. "O sentimento de propriedade que os empregados têm em relação à empresa é conseqüência de um sistema em que as pessoas participam de verdade e se sentem integradas desde o surgimento de uma idéia até o seu planejamento e execução."
Ajudam bastante, nisso tudo, uma atmosfera de informalidade nas relações pessoais que é cultivada com persistência pela empresa e, também, a demografia da Accor - o quadro de funcionários é predominantemente jovem, com média de idade de cerca de 30 anos. "É bom para essa moçada praticar suas ambições dentro de uma empresa que ainda é muito ambiciosa", diz Lima. A informalidade é visível nos "clubes de sinergia", grupos espontâneos de funcionários que se organizam sem regras preestabelecidas, ao sabor do seu interesse, e se reúnem para discutir localmente a vida da empresa.
Os principais executivos tomam parte ativa nos debates: como um "comando móvel", os nove diretores que fazem parte do comitê de direção geral em São Paulo percorrem o país para se reunir nas diversas regiões de atuação da empresa. "Eu quero estar lá onde as coisas acontecem. Não aceito ser absorvido pelas obrigações políticas formais do cargo de presidente", diz o presidente Firmin António.
Muito do que a Accor é hoje se deve, sem dúvida, à presença de seu líder maior, o presidente. Trata-se de um executivo que pode ser definido como alguém "romântico". Firmin António dedica 40% do seu tempo à defesa, ao estímulo e à "energização" (como gosta de dizer) dos valores da organização. Faz parte da estratégia da Accor, por exemplo, criar condições para que o bom relacionamento entre as pessoas permeie o trabalho de todos ali.
"As relações pessoais são o grande diferencial de uma empresa", diz António. "Eu exijo que os dirigentes do primeiro e do segundo escalão mantenham o respeito e a valorização às pessoas porque no dia em que eles falharem nisso toda a organização será prejudicada." Na visão de António, só assim os funcionários podem aderir à empresa e se sentir motivados o suficiente para que ela se perpetue. "O Brasil e o mundo estão cheios de empresas que foram gloriosas no passado mas acabaram no cemitério. Provavelmente, porque perderam a adesão das pessoas", diz ele.
A adesão das pessoas, como se sabe, não se conquista somente com dinheiro. Os funcionários da Accor Brasil - como ocorre em qualquer outra empresa brasileira pesquisada para esta edição - gostariam de ganhar salários melhores. Mas não demonstram sentir que os níveis atuais de remuneração chegam a representar um fator de insatisfação. O dinheiro que cada um leva para casa é complementado com os mecanismos habituais de remuneração variável. Em 1995 o programa de participação nos resultados, que abrange o grupo inteiro, rendeu três salários a mais para cada funcionário.
No ano passado ficou em menos de um salário. Fora a participação nos resultados, cada empresa do grupo possui seu próprio esquema de remuneração variável, sempre pago semestralmente. Na maioria das empresas do grupo, apenas os executivos têm esse direito e acabam levando, em média, mais quatro salários. Em algumas, entretanto, todos os funcionários entram no bolo. Na Actor, por exemplo, cada um deles, dos gerentes às garçonetes e faxineiras, recebeu cerca de dois salários extras no primeiro semestre deste ano. "Todos os meses eu recebo 100, 120 reais a mais. Pode não parecer muito, mas para quem ganha 300 de salário faz uma bela diferença", diz Regina Maria Alves e Silva que entrou numa das lanchonetes da Actor seis anos atrás e hoje é gerente.
Como empresa que prepara programas de incentivo para empregados de outras empresas, a Accor tem, naturalmente, seus próprios programas, para seu próprio pessoal. A base do esquema é sempre uma farta distribuição de prêmios. No ano passado, o pessoal da divisão Ticket que mais vendeu cestas ganhou viagens (sempre com direito a acompanhante) de 15 dias à Europa e telefones celulares. Este ano estão sendo disputados 55 automóveis Gol e 8 BMW, além de prêmios em salários.
Grande parte dos funcionários já foi à Disney, a Bariloche e a Cancún por conta dos desafios bem-sucedidos. Há, ainda, outra forma de incentivo vigorando na empresa desde 1995: a distribuição de bernaches - os pássaros-símbolos do grupo Accor. Qualquer um que tenha sido autor de um grande feito pode ser indicado para receber um bernache de ouro.
Claudia Maria Pereira, assessora comercial da Cestaticket, ganhou o primeiro deles, dois anos atrás, quando propôs que a empresa promovesse encontros entre os funcionários da área comercial de todas as marcas do grupo, de dois em dois anos. "O que a gente vê aqui no dia-a-dia é um enorme comprometimento com a empresa por parte de todos", diz Claudia. "Então, pensar em coisas que possam melhorá-la ainda mais acontece naturalmente, sem percebermos." (Esse comprometimento a que Claudia se refere chega, às vezes, a extremos. Tempos atrás um funcionário, sabendo que iria morrer, fez questão de ser enterrado com o uniforme da empresa.)
O diretor de RH, Luiz Edmundo Rosa, acha que esse tipo de atitude pode ser mais bem compreendida se lembrarmos da diferença que existe entre soldados e guerreiros. "Os soldados vão para a guerra não por quererem, mas por que são mandados", diz ele. "Já os guerreiros lutam juntos por um ideal e fazem suas próprias guerras. Na Accor é assim."