Mecânico da Ford com óculos de realidade aumentada: acesso a informações digitais sem precisar usar as mãos (Ford/Divulgação)
Lucas Agrela
Publicado em 11 de abril de 2019 às 05h30.
Última atualização em 25 de julho de 2019 às 14h48.
Toda vez que uma fábrica detecta um defeito num equipamento, um diagnóstico precisa ser feito e um componente substituído. É um processo que pode levar horas ou dias, e, dependendo do problema, a produção precisa ser interrompida até que o conserto seja realizado.
Para acelerar o tempo de reparo e melhorar a manutenção das máquinas, indústrias de todo o mundo começam a ver na tecnologia de realidade aumentada uma solução para esse problema. A tecnologia funciona em óculos especiais que contam com câmeras para filmar o ambiente diante do usuário. Na tela dos óculos, a pessoa enxerga uma imagem digital sobreposta aos objetos físicos — daí o nome de realidade “aumentada”. É possível ver vídeos, acessar documentos, consultar dados na internet ou assistir a transmissões ao vivo com outras pessoas. Quando o Google começou a apostar nessa tecnologia, em 2013, esperava-se que, um dia, esses óculos se tornassem tão populares quanto os smartphones. O sonho não vingou. Mas a realidade aumentada encontrou seu espaço no mercado corporativo — e, especialmente, no chão de fábrica.
Com essa tecnologia, trabalhadores braçais têm um computador completo diante dos olhos e podem seguir instruções supervisionadas por especialistas. Uma das empresas que apostam nessa tendência é a Microsoft, que oferece desde 2015 os óculos HoloLens. Para David Epp, diretor global de parcerias da Microsoft, a empresa finalmente entendeu para que o HoloLens serve. “Primeiro, acreditamos que ele seria usado para games ou para assistir a jogos de futebol. Tudo isso é interessante, mas começamos a receber pedidos de aplicação na indústria e na construção. Agora, temos um dispositivo relevante, que permite tocar em objetos digitais e isso oferece muito valor para os profissionais”, afirma Epp.
A fabricante suíça ABB, conhecida por seus robôs industriais e pela ampla gama de serviços para a indústria, é uma das empresas que hoje usam dispositivos de realidade aumentada para agilizar reparos. A solução tem sido aplicada em fábricas na Austrália e nos Estados Unidos.
Numa demonstração realizada em um evento em Houston, no Texas, representantes de diferentes setores da indústria paravam diante do estande da ABB para entender como aqueles óculos futurísticos poderiam ser úteis. Os óculos podem conectar especialistas e técnicos para poupar tempo e custo de deslocamento e, assim, aumentar a produtividade nas fábricas. Funcionários têm acesso às informações digitais sem precisar usar as mãos para segurar um celular, tablet ou computador — uma facilidade que pode evitar acidentes de trabalho. “Com a realidade aumentada, é possível ensinar as pessoas a realizar reparos com o auxílio de especialistas que podem estar em qualquer lugar”, diz Guido Jouret, chefe de soluções digitais da ABB. Além disso, os óculos permitem que o funcionário faça treinamentos usando réplicas digitais dos equipamentos que vão manusear.
A aposta nessa tecnologia é um fenômeno crescente. Segundo a estimativa da consultoria britânica PwC, 29% das empresas do setor industrial terão feito algum investimento em realidade aumentada até o fim do ano que vem, ampliando quatro vezes o número registrado em 2017. Outra previsão indica que o gasto das empresas com tecnologias imersivas de realidade aumentada deverá passar de 4,3 bilhões de dólares, em 2017, para 8 bilhões, em 2019.
Com a expansão dos investimentos, será cada vez mais comum encontrar exemplos de uso como o da montadora americana Ford, que percebeu os benefícios de conectar sua força de trabalho com a tecnologia. A empresa, com sede em Detroit, usa óculos de realidade aumentada em projetos piloto em São Paulo, na Bahia, em Brasília e em Santa Catarina. O objetivo é parecido com o da ABB: nas concessionárias da Ford, os mecânicos são orientados a distância por um time de engenharia na hora de fazer consertos em veículos.
Joaquim Arruda, diretor de serviço ao cliente da Ford na América do Sul, conta que o projeto já foi levado a outros países e o Brasil deve ser o primeiro a usar amplamente a tecnologia na América Latina até 2020. “Se o engenheiro encontra uma falha, ele pode enviar um vídeo ou um documento para auxiliar no reparo”, afirma Arruda. A solução usada pela montadora é fornecida pela empresa de tecnologia brasileira TotalPower. Com base nas experiências realizadas até agora pela empresa, que além da Ford tem outros 50 clientes, os gastos com viagens de profissionais de manutenção diminuíram até 70% e a produtividade das equipes aumentou até três vezes com o uso da solução. “Com a tecnologia, o trabalhador aprende na prática a realizar o serviço e minimiza o risco de cometer erros”, afirma Fabiano Freitas, diretor executivo da TotalPower.
Não são apenas as empresas que enxergam os benefícios. Nas universidades, a tendência também é vista com bons olhos. William Uricchio, professor de mídia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, é um entusiasta da tecnologia. “A imagem do mundo ao nosso redor pode ser enriquecida com informações digitais para dar mais contexto. Com tecnologias assim podemos ser muito mais criativos”, diz Uricchio. Para ele, logo será comum usar a realidade aumentada em setores como turismo, marketing, saúde, serviços e jogos. Com esse farto conjunto de mercados, o faturamento com as vendas de hardware e software de realidade aumentada deverá ultrapassar 60 bilhões de dólares em 2023, de acordo com a consultoria americana Marketsand-Markets. Já o número de dispositivos vendidos poderá chegar a 68 milhões em quatro anos, segundo a consultoria americana IDC. No Brasil, as vendas projetadas são de 372 000 unidades.
Além dos óculos
Graças a avanços trazidos pela Apple e pelo Google, que têm ferramentas para desenvolvedores criarem aplicativos de realidade aumentada, a tecnologia não ficará restrita aos óculos. Ela pode ser usada também no smartphone. Um componente indispensável é a câmera. Qualquer que seja o celular, é pela câmera que a pessoa vê a camada digital aplicada sobre os objetos físicos. Esse é um dos motivos pelo quais o mercado de sensores de imagem — um componente que mostra o ambiente à frente e é essencial para a tecnologia de realidade aumentada — deverá passar de 18 bilhões de dólares, em 2019, para 23 bilhões, em 2023, segundo a consultoria P&S Intelligence. É uma ótima notícia para empresas como a fabricante japonesa Sony, líder do ramo de sensores de imagem. Desde 2013, a Sony oferece recursos de realidade aumentada em seus smartphones, que são usados, principalmente, para enfeitar fotografias com imagens gráficas.
O crescimento do mercado de realidade aumentada também está impulsionando o surgimento de uma nova variedade de empresas de tecnologia. Um levantamento da consultoria americana PitchBook, divulgado com exclusividade para EXAME, mostra que os investimentos de capital de risco em startups de realidade aumentada subiram 175% de 2014 a 2018, passando de 1,2 bilhão de dólares para 3,3 bilhões nesse período.
A empresa que mais recebeu aportes é a americana Magic Leap, fabricante de óculos de realidade aumentada para entretenimento, que arrecadou quase 2,3 bilhões de dólares. Porém, a startup que, até agora, levantou mais recursos em uma única rodada de investimentos é a Epic Games, produtora do jogo Fortnite (a maior febre no mundo dos games da atualidade), que recebeu 1,25 bilhão de dólares de investidores em 2018. O dinheiro está sendo usado para desenvolver a tecnologia gráfica da Epic Games, bem como recursos de realidade aumentada para seus jogos. O setor de games, que teve faturamento de 110 bilhões de dólares em 2018, é um dos que mais utilizam a realidade aumentada. Um exemplo é o jogo Pokémon Go, da americana Niantic, que fez sucesso em 2016 ao incorporar a tecnologia.
Enquanto as startups utilizam a realidade aumentada para fazer sucesso nos games ou para criar aplicativos que se aproveitem dessa ferramenta, a briga entre as grandes empresas de tecnologia é para saber qual delas vai se consolidar como a plataforma líder. “A Microsoft não quer que o HoloLens seja o melhor dispositivo. Seu objetivo é demonstrar como essa tecnologia será usada no futuro. Assim como o Windows hoje reina nos PCs, a Microsoft quer que sua plataforma seja dominante no mercado de realidade aumentada”, diz Tyeng Nguyen, analista sênior da consultoria americana Gartner. Pode não ser da noite para o dia, mas a realidade aumentada será cada vez mais presente, seja na indústria, seja nos smartphones, seja nos games do momento.