Revista Exame

A vez da inovação na China

Depois de se tornar a fábrica de quinquilharias do mundo, a China está empenhada em brigar de igual para igual com os países ricos — e sua principal arma são os investimentos em pesquisa e desenvolvimento

China: o governo criou mais de 300 parques tecnológicos desde o começo da década passada (Feng Li/Getty Images)

China: o governo criou mais de 300 parques tecnológicos desde o começo da década passada (Feng Li/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2012 às 08h29.

Pequim - China, como todos os demais países, à exceção dos Estados Unidos, não tem um empreendedor que chegue aos pés de Steve Jobs em termos de capacidade de inovar. Também não tem uma montadora do nível da alemã Mercedes-Benz, conhecida pela alta tecnologia dos automóveis — por sinal, muito apreciados pelos novos ricos chineses.

O que diferencia a China dos outros países que estão no seu estágio de desenvolvimento é a ambição de virar o jogo. O objetivo declarado é deixar de ser a fábrica de quinquilharias e eletrodomésticos do mundo. E conseguir rivalizar com americanos e alemães nas próximas décadas.

O caminho é o mesmo percorrido por outras nações asiáticas, como o Japão e a Coreia do Sul, ex-fabricantes de produtos baratos que hoje se destacam por suas inovações.

Uma boa medida do ímpeto chinês é o bairro de Zhongguancun, na zona oeste de Pequim, uma espécie de embrião do que poderá ser o Vale do Silício chinês. Esse foi o lugar escolhido pelo governo para criar, no ano 2000, o Zhongguancun Park, ou ZPark, um centro de pesquisa impecável e com tudo o que há de mais moderno.

Entre a decisão de criá-lo e a inauguração foi gasto apenas um ano, o que dá bem a medida de como as coisas andam rápido por lá (ainda mais em comparação com a lentidão brasileira...). Os seis prédios de arquitetura futurista abrigam 220 empresas — de chinesas como a Lenovo, líder global na venda de PCs, a multinacionais estrangeiras, como a americana IBM e a alemã Siemens.

“A ideia era atrair uma grande quantidade de companhias de tecnologia para criar o ecossistema necessário à inovação”, afirma Liu Ke Deng, diretor do parque tecnológico. Próximo ao centro de pesquisa há oito universidades, o que garante o acesso a mão de obra especializada.

Duas delas, a Universidade Tsinghua e a Universidade de Pequim, são as melhores do país. Com uma fila de espera de 100 empresas, a direção do ZPark promete entregar uma nova ala de 100 000 metros quadrados até 2015. Em todo o país, há mais de 300 parques tecnológicos — a maior parte deles muito mais avançada do que os cerca de 90 existentes no Brasil. 

Aos poucos, a ideia da inovação começa a ganhar corpo fora dos muros dos centros movidos a dinheiro estatal. A empresa Fun Guide, fundada em 2008, desenvolve aplicativos para celulares e tablets. Na sua sede em Pequim, coberta de obras de arte, funcionários de calça jeans, tênis e camiseta jogam bilhar no horário do almoço — no melhor estilo Google.


“Nunca recebemos ajuda alguma do governo”, diz Lu Xiao, o fundador. Sua primeira empresa, que desenvolvia jogos para celulares, recebeu aportes da Siemens e, em 2004, foi vendida para investidores americanos. O setor da Fun Guide, a área de TI, é um dos sete definidos como estratégicos pelo governo chinês.

Os outros  que vão concentrar os investimentos em ciência e tecnologia nos próximos anos são os de energia, biociências, novos materiais, proteção ambiental, carros elétricos e maquinário para a indústria. À primeira vista, a China já está bem na foto em termos de inovação.

O país testou sua bomba atômica nos anos 60 e lançou seu primeiro satélite na década de 70, dois feitos tecnológicos na época. Do total das exportações industriais, 30% são classificadas como de alta tecnologia. Um exame mais detalhado, porém, mostra outra realidade.

Apesar dos progressos, a China não é um país inovador. Nos produtos de alta tecnologia enviados ao exterior, os chineses agregam menos de 20% do valor. Daí surge a questão: quanto das exportações chinesas é realmente made in China? 

A resposta depende do setor. O caso do iPhone, o telefone da Apple, é revelador. O valor agregado pelo país não chega a 4% do preço final, participação inferior à da Coreia do Sul, embora o produto seja montado na China. O grosso do ganho, quase metade, fica com a Apple, responsável pela marca e pelo design.

No segmento de computadores, equipamentos de comunicação e máquinas de precisão, a situação é um pouco melhor, mas ainda sofrível — cerca de 50% das peças são locais. É esse quadro que os novos líderes chineses estão dispostos a mudar.

Para eles, os ganhos de produtividade resultantes da compra de tecnologias dos países ricos já não bastam. O motivo é algo que os economistas chamam de lei dos rendimentos decrescentes — em poucas palavras, sem avanço tecnológico, o retorno dos investimentos cai ao longo do tempo. 

Até o século 17, a tecnologia chinesa era a mais avançada do mundo. Para Francis Bacon, o grande filósofo britânico, as três invenções responsáveis pela transição europeia da Idade das Trevas para a modernidade foram a pólvora, a bússola e a imprensa — todas originadas na China.


Por que, então, os chineses perderam o bonde da revolução científica e industrial que veio em seguida? Na visão do economista chinês Justin Yifu Lin, ex-vice-presidente do Banco Mundial, quando o avanço científico estava baseado na observação, o país, por já ser o mais populoso, tinha uma vantagem em relação aos demais. Quando a ciência passou a depender de experiências em laboratório, faltou gente com conhecimento em matemática e experimentos.

Aposta em cérebros

Como mostra o exemplo do ZPark, o governo está disposto a recolocar a China na vanguarda tecnológica e, para atingir seu objetivo, abriu os cofres. Desde a década passada, o montante aplicado em pesquisa e desenvolvimento dá saltos ano após ano. Graças a isso, a China conseguiu, em 2009, ultrapassar o Japão e chegar ao segundo lugar no ranking dos países que mais investem nessa área — o Brasil é o nono.

O número de cientistas e engenheiros, que era de 712 para cada grupo de 1 milhão de habitantes em 2004, passou para 1 200 em apenas quatro anos. Na década passada, a China se tornou o país que mais envia jovens para as universidades de ponta nos Estados Unidos e na Europa.

Atualmente, cerca de 1,3 milhão deles estão estudando no exterior. Não por coincidência, a produção de artigos científicos também aumentou nos últimos anos. Entre 2006 e 2011, somou 2,2 milhões, atrás somente da americana, segundo o SCImago Journal, publicação que compila esses dados.

O cartão de visita dos chineses quando o assunto é inovação chama-se Huawei, a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações do mundo. Seu fundador, Ren Zhengfei, abriu a empresa no fim dos anos 80, em Sheng­zhen, primeira zona especial econômica criada pelo governo.

No início, a Huawei era só uma revendedora de produtos de telecomunicações. Hoje, é um colosso presente em 140 países, com faturamento de 32 bilhões de dólares. Sua área de P&D fica num prédio em Xangai, onde há uma sala em que as paredes são cobertas do chão ao teto com os comprovantes das patentes registradas. 


O problema da China é que, por enquanto, não há muitas Huaweis. Das 1 000 empresas mais inovadoras do mundo, apenas 47 são chinesas, segundo a consultoria Booz & Company — as brasileiras somam sete. Mesmo com todo o investimento já feito, o país não é páreo para americanos e japoneses no registro de patentes feito nos Estados Unidos.

“A China investe em educação e tem custos competitivos, mas não superou os Estados Unidos em nenhuma área da inovação”, diz Gary Shapiro, presidente da Consumer Electronics Association, entidade que reúne mais de 2 000 indústrias eletroeletrônicas americanas. Em certa medida, o esforço chinês demonstra como é difícil fazer a ponte entre a produção de conhecimento e a criação de produtos e serviços inovadores.

Quem acompanha esse processo de perto diz que é cedo para julgar o esforço da China. “Eles ainda estão no início”, diz o americano John Orcutt, autor do livro Shaping China’s Innovation Future (“Moldando o futuro da inovação na China”, numa tradução livre). Dado o histórico recente, é bom considerar a hipótese de que os chineses vão conseguir dar o salto que falta.

Oliver Gassmann, diretor do Institute of Technology Management, da Universidade St. Gallen, na Suíça, resume a impressão geral: “Este será um século asiático, e o domínio chinês em inovação faz parte do cenário mais provável”. É melhor se preparar.

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