Ninguém liga para eles: os mais pobres são os mais afetados pelos impostos; pelo jeito, vão continuar sendo (Alcides Filho)
Da Redação
Publicado em 15 de junho de 2012 às 16h55.
São Paulo - Ainda se discute bastante no Brasil o tema da distribuição de renda, embora já sem o mesmo ímpeto, o calor e a urgência que marcavam esse debate no passado.
O quadro geral, hoje, é menos ruim do que foi em outras épocas, e isso, naturalmente, diminui o gás da discussão. O PT está no governo há mais de oito anos, o que tira dos economistas considerados de "esquerda" boa parte da disposição que tinham para ficar falando do assunto.
Saiu de moda, na mídia em geral, a utilização de palavras como “obsceno” para descrever o problema. De qualquer forma, a distribuição da renda no Brasil continua sendo uma tristeza, e por isso o debate permanece de pé. É bom, porque manter ideias em circulação é parte essencial da procura de soluções.
Mas é pena a mesmice dos argumentos utilizados na discussão, o apego fetichista a crenças que já completaram 100 anos de fracasso e a resistência em aceitar qualquer abordagem diferente nessa conversa. Nada de revolucionário, ou jamais ouvido antes — apenas diferente. Já iria ajudar bastante.
Pouco se fala, por exemplo, no papel do Estado como concentrador de renda no Brasil — algo curioso, sem dúvida, quando se leva em conta que o tesouro público, em todos os seus níveis, engole na forma de impostos cerca de 40% de tudo o que é produzido no país.
Na verdade, é justamente aí, nos impostos, que começa a responsabilidade direta do Estado brasileiro na concentração da renda nacional. Num mundo ideal, como diria qualquer estudante de contabilidade (e boa parte do cérebros econômicos encontrados no governo e ao seu redor), é assim mesmo que se faz: o Estado tem de arrecadar muito para, em seguida, distribuir esse dinheiro aos mais necessitados.
Estaria, como se diz, "tirando dos ricos para dar aos pobres"; estaria fazendo a redistribuição da renda e evitando a sua concentração. No mundo das realidades, porém, ou certamente no mundo das realidades brasileiras, a coisa não é assim.
O governo, aqui, pode ser bom para tirar dos ricos, mas é péssimo para dar aos pobres; é um craque para arrecadar, mas um cabeça de bagre para distribuir.
O motivo é que o dinheiro dos impostos, basicamente, serve para sustentar o próprio governo, pagar juros, saldar os salários do funcionalismo público (onde, por sinal, há as mais agressivas modalidades de concentração de rendimento no contracheque dos que ganham mais), manter no ar o Aerolula, financiar a gráfica do Senado, cobrir o sobrepreço das obras públicas, liquidar as faturas dos cartões de crédito dos burocratões mais pesados, e por aí vai, até quase ao infinito.
E senadores e deputados, então, com a barbaridade que custam ao erário? Cada um deles é um retrato ambulante da concentração de renda neste país.
O governo brasileiro concentra renda não apenas pelas opções que faz na hora de gastar o dinheiro público; já começa na hora em que cobra os impostos. O sistema fiscal demente em vigor no Brasil atual faz com que justamente os mais pobres fiquem com o custo mais pesado — um terço de sua renda, segundo cálculos do próprio governo, é demolido no pagamento de impostos.
Qual a surpresa, quando a luz elétrica, por exemplo, recebe o tratamento fiscal de produto de luxo? Além dos impostos em si, enfia-se na conta nada menos que dez encargos diferentes, o que leva a soma paga ao governo pelo consumidor a mais de 45% do valor da fatura mensal; é óbvio que o peso disso é muito maior para quem tem menos dinheiro.
Os combustíveis são uma história de horror do mesmo porte, com o mesmo efeito no bolso dos mais pobres — e, no geral, é esse o quadro que se repete em todo o universo dos impostos sobre o consumo.
Cortar despesas para permitir impostos menores — e até para sobrar nos cofres públicos mais dinheiro destinado aos pobres — seria uma das decisões mais eficazes e mais rápidas para desconcentrar a renda; é tirar do governo para dar a quem mais precisa. Mas quem está interessado nisso?