Porto abarrotado: bilhões de dólares são drenados da economia por falta de investimento na infraestrutura (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2013 às 17h18.
São Paulo - Eles Até existem. Mas são poucos os países em que, como no brasil, ótimas notícias têm o poder de se transformar em tragédias nacionais. Aconteceu mais uma vez, agora com a safra recorde de soja que os produtores estão colhendo e que deveria estar há algum tempo navegando em direção aos maiores mercados consumidores do mundo — China à frente.
O que mais os empresários do agronegócio poderiam pedir a Deus (ainda mais brasileiro após a sagração do papa argentino) nestes últimos meses? Além de terra, água e sol abundantes, eles puderam contar com o infortúnio de seus maiores competidores globais. Uma das piores secas da história recente devastou as plantações nos Estados Unidos, abrindo todos os mares ao produto brasileiro.
Soja, sorte e fé a gente tem de monte. O que falta mesmo é infraestrutura — de silos para armazenagem a caminhões suficientes para o transporte, de ferrovias a estradas de acesso a portos, absolutamente abarrotados.
A tragédia da supersafra de 2013 fica visível a olho nu nas muitas toneladas de grãos que estão apodrecendo no pé por falta de capacidade de armazenamento, na demora de até quatro dias para que um caminhão seja descarregado, nas filas surrealistas que entopem e paralisam as rodovias. Temos um agronegócio de vanguarda e uma logística característica dos tempos das parelhas de mulas.
Nem todo mundo entende — nem é obrigado a entender — essa história de que o Brasil é a pátria do improviso, onde o pior e o melhor convivem em improvável harmonia. Dias atrás, a trading company chinesa Sunrise anunciou — por meio das agências de notícias internacionais — sua disposição de cancelar a compra de 2 milhões de toneladas de soja brasileira.
A Sunrise deveria ter recebido seis navios com a carga em fevereiro e outros seis em março. Se nada de ruim acontecer até lá — como chuva em época de chuva, operações tartaruga deflagradas por trabalhadores dos portos, atrasos burocráticos e outras improbabilidades —, os navios brasileiros aportarão no maior mercado para nossas commodities em abril.
Pena que a paciência chinesa seja só um estereótipo. Depois de ameaçar cancelar as compras, os executivos da trading ainda fizeram questão de divulgar para a comunidade financeira internacional que devem trocar a soja do Brasil — país que vende, mas que não consegue entregar — pela soja da Argentina.
A falta de infraestrutura que drena bilhões de dólares da economia brasileira é a mesma que leva um operário a gastar 4 horas de seu dia no trajeto de casa para o trabalho. É também a mesma que, em épocas de estiagem mais prolongada, deixa o setor produtivo e a sociedade em geral alertas para a possibilidade de apagões. (Eles podem até não ocorrer, mas que dá medo, dá.)
Por falta de investimento no setor, ano após ano, mais ou menos nesta época, dezenas de pessoas (pobres, em sua maioria) são vítimas de monstruosos desabamentos em áreas onde ninguém de bom senso deveria morar. É essa nossa infraestrutura a responsável por quase 35 milhões de brasileiros não saberem o que é esgoto.
A história de como a supersafra brasileira se transformou de bênção em maldição é velha. Para nossa vergonha, vai ser repetida na boca do mundo como piada ou como lamento. Não sou da turma do contra, da oposição, do quanto pior melhor. No fundo, tenho uma alma otimista.
Outros países já superaram ou estão superando os desafios impostos pela infraestrutura — entre eles, ao que parece, até uma improvável Argentina. Começar a copiar, sem querer inventar a roda para uma estrada que ainda não existe, já seria um ótimo começo.