Protestos em Atenas: cada vez mais analistas consideram o calote grego “inevitável” (Panagiotis Tzamaros/AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 23 de agosto de 2011 às 11h17.
São Paulo - O livro A soma de todos os medos, escrito durante a Guerra Fria pelo americano Tom Clancy, é um daqueles suspenses em que o pior parece inevitável.
O mundo vive, ao mesmo tempo, as consequências de um ataque terrorista nos Estados Unidos, conflitos no Oriente Médio e a ameaça de uma guerra nuclear. No fim, tudo acaba bem — com um bom punhado de mortos e feridos no caminho.
Mas, ao longo de quase 1 000 páginas, a sensação é que tudo vai dar errado. Quem investe na bolsa tem, de uns tempos para cá, motivos para sentir algo semelhante.
Os problemas só aumentam, e um parece pior que o outro. A soma de todos eles resultou numa queda generalizada dos mercados nos últimos dias. O Ibovespa caiu 6% em julho e, com isso, perdeu 15% no ano, o pior desempenho entre os principais países emergentes.
O que vem empurrando o valor das ações para baixo? A lista é longa. O grande medo, hoje, é que os países desenvolvidos não consigam colocar suas finanças em ordem — o que significa que alguns deles seriam obrigados a dar um calote em suas dívidas, com efeitos imprevisíveis.
Pelo menos oficialmente, não é esse o cenário visto como mais provável pelos analistas financeiros, mas o fato é que o risco entrou no radar dos investidores.
Para quem investe no Brasil, há, ainda, os problemas específicos do país, como o aumento da inflação e a perspectiva de menos crescimento econômico.
Por mais que seja impossível prever quais serão os desdobramentos da crise daqui para a frente, e seus impactos nos mercados, há alguns eventos-chave programados para as próximas semanas que podem definir a situação da economia mundial — e, assim, ditar o comportamento das bolsas. Veja um resumo a seguir:
1 - Calote na Grécia
Os resultados das medidas de ajuste fiscal anunciadas pela Grécia vêm sendo mais tímidos do que o esperado — o crescimento econômico está abaixo do previsto e o governo não tem conseguido economizar para reduzir o endividamento.
O Estado chegou a anunciar que vai vender imóveis e até praias públicas para fazer caixa, mas qualquer nova medida está sendo encarada com ceticismo. “Um calote da Grécia parece inevitável”, disse o megainvestidor George Soros, fazendo coro com outros executivos de mercado e economistas que acreditam que a crise vai piorar.
O problema de um calote grego é o risco de contágio: a atenção dos investidores logo passaria para os problemas de outros países endividados, como Irlanda e Portugal. O custo de rolar a dívida aumentaria, tornando pior a situação fiscal desses países e afastando ainda mais a perspectiva de uma solução.
Próximos eventos-chave: a reunião de países europeus para discutir outro pacote de socorro para a Grécia, prevista para 21 de julho, e a revisão do acordo com o FMI, em setembro — se o país não cumprir certas metas, não deve receber parte dos recursos prometidos pelo Fundo, o que poderia empurrá-lo para o calote.
2 - Caos na itália
O temor de um calote grego atingiu as finanças da Itália — os juros dos títulos públicos bateram recorde em julho, o que obrigou o Parlamento a votar às pressas um plano de corte de gastos para acalmar os investidores e evitar que a situação fiscal saia do controle.
Se a Itália, que até então não era vista como um país-problema, não conseguir se financiar, estima-se que precisará de um socorro de cerca de 800 bilhões de euros.
Atenção se: os cortes não forem feitos e o crescimento do PIB decepcionar.
3 - Risco fiscal americano
O embate entre democratas e republicanos pode colocar em xeque o futuro da economia americana. Está em análise no Congresso um projeto que autoriza o governo a aumentar o teto de endividamento do país para conseguir emitir mais títulos e fechar suas contas.
“Sem a ampliação do teto, o governo vai ter de escolher entre pagar suas dívidas e pagar os funcionários públicos, uma situação caótica”, diz Roberto Almeida Prado, economista do banco Itaú Unibanco. Mas os republicanos dizem que só aprovam o plano se o governo cortar gastos sem aumentar impostos, algo que a Casa Branca considera inviável.
O impasse político levou agências de rating a colocar a classificação de risco do país em revisão — segundo a Standard & Poor’s, existe uma chance de 50% de a nota dos Estados Unidos ser rebaixada.
Além do problema fiscal, os últimos dados de emprego, consumo e mercado imobiliário ficaram abaixo do esperado, o que reacendeu o temor de que a recuperação da economia pode ser mais demorada do que se imaginava inicialmente.
Próximos eventos-chave: a votação do projeto que permite o aumento do teto de endividamento do país, prevista para ocorrer até 2 de agosto, e a divulgação do volume de vendas de veículos também no dia 2 — o número é visto como um importante indicador da atividade econômica.
4 - Os impactos do desaquecimento da China
Como a maioria dos países emergentes, a China vem aumentando os juros para conter a inflação e a atividade econômica. Por enquanto, a desaceleração tem sido suave: o PIB cresceu 9,5% no segundo trimestre deste ano, ante a taxa de 9,7% registrada nos três primeiros meses de 2011, mas a maioria dos analistas espera que os números piorem ao longo do ano.
A dúvida é qual será o impacto de um crescimento mais modesto da China na economia mundial. O Brasil é um dos países que mais devem sentir esse desaquecimento, porque a China é o principal parceiro comercial do país. A Vale, por exemplo, exportou um terço de sua produção do ano passado para lá.
Atenção se: o PIB chinês crescer menos de 9% neste ano e menos de 8% em 2012 e se a inadimplência aumentar — para as agências de risco, os bancos chineses têm pouca margem para fazer frente a perdas de crédito.
5 - Mais juros no Brasil
A expectativa de aumento da inflação voltou a piorar em julho, o que levou muitos analistas a prever que o Banco Central poderá ter de elevar os juros mais algumas vezes para conter o crescimento do PIB.
“O risco é que haja uma desaceleração brusca na economia brasileira, o que prejudicaria os resultados das empresas e, claro, o desempenho da bolsa”, diz Frederick Searby, chefe de estratégia de ações para a América Latina do Deutsche Bank em Nova York.
Outro problema para a Bovespa, na opinião dos analistas, é a intervenção do governo na gestão das duas maiores empresas da Bovespa, Petrobras e Vale.
Próximos números-chave: os índices de preços relativos a julho e a expectativa de inflação para 2011 e 2012, que é divulgada semanalmente pelo Banco Central.
Se esses números continuarem a piorar, é pouco provável que os juros sejam reduzidos antes de 2012 e que os investidores estrangeiros, que respondem por um terço do volume de negócios da bolsa, voltem a aplicar de forma consistente em ações aqui.