Revista Exame

A safra das safras

Os rótulos brasileiros que começam a chegar ao mercado já são considerados os melhores de todos os tempos

 (Fotos/Divulgação)

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BC

Beatriz Correia

Publicado em 4 de junho de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h46.

Os produtores comemoram, os consumidores estão na expectativa. Começam a chegar ao mercado os primeiros vinhos brasileiros da safra 2020, que está sendo considerada a melhor de todos os tempos. Em meados de março, antes mesmo de terminar a colheita das uvas em boa parte das regiões vinícolas do país, já se anunciava a excelência desses rótulos. “Os depoimentos que recebemos de enólogos de todas as regiões já diziam que esta produção seria excepcional para todas as variedades de uvas”, conta Daniel Salvador, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE).

Até hoje, a safra de 2005 era considerada a melhor de todas. Desta vez, segundo Salvador, quando as uvas estavam ainda no parreiral já se podia prever a qualidade do vinho. “Uvas saudáveis rendem bons vinhos”, diz. “Neste ano, os cachos estavam perfeitos, as folhas inteiras, verdinhas, não havia uma praga.”

Para fazer um bom vinho, o bago precisa estar, além de saudável, maduro. A maturação de uma uva pode ser dividida em duas fases: a maturação dos açúcares, que garante o teor ­alcoólico, e a maturação fenólica, que garante os taninos ­— corantes de boa qualidade e desenvolvimento dos complexos aromáticos. Um grande vinho precisa que os dois processos estejam no ponto ­ideal ao mesmo tempo.

“Nesta safra, como o clima favoreceu, tivemos condições de buscar a maturação ideal”, diz Adriano Miolo, enólogo-chefe e superintendente do grupo Miolo, com sede em Bento Gonçalves. Isso não é comum. Como costuma chover na época da colheita na Serra Gaúcha, a mais tradicional região produtora do Brasil, muitas vezes a uva precisa ser colhida antes da maturação completa para evitar doenças ligadas à umidade.

“A maturação fenólica é ainda mais importante do que a dos açúcares”, diz Miolo. “É o que dá a estrutura, garante a qualidade dos taninos. Quando conseguimos isso, os resultados são excepcionais, de nível internacional.” Como exemplo, ele cita o Lote 43, o primeiro vinho ícone da vinícola, lançado em 1999, que só é produzido quando há condições favoráveis.

Uma safra de um vinho começa a ser gerada logo após a colheita da anterior, que acontece no verão. Como mostra um levantamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sobre o clima no período na Serra Gaúcha, as condições não foram perfeitas, mas até isso ajudou. O inverno de 2019 não foi seco nem muito frio. Esses dois fatores resultaram numa brotação irregular, que prejudicou o potencial produtivo da planta.

Na primavera, quando ocorrem a brotação e a floração, choveu demais. Isso também diminuiu a quantidade de cachos, já que prejudicou a fecundação dos frutos. Isso é ruim para o produtor de uva. Mas videiras com baixa produção costumam dar uvas de qualidade. “Acabou acontecendo um raleio natural”, diz o enólogo Ricardo Morari, da Cooperativa Vinícola Garibaldi, em Garibaldi, referindo-se à prática de cortar alguns cachos para que outros cresçam com mais saúde.

Em dezembro secou e seguiu assim até janeiro, quando se inicia a colheita. Sem chuva, o produtor pode esperar para colher na hora certa. Além disso, nessa época algumas variedades de uvas tintas já começam a pegar cor. É quando se desenvolvem os compostos aromáticos e os compostos fenólicos. Com o céu limpo, há um aumento da luminosidade, que estimula a formação desses compostos. O calor, no entanto, poderia acabar com a acidez das uvas, o que não é bom. Esse risco foi eliminado porque as noites foram frescas.

Além dos fatores ambientais, o terroir de um vinho inclui o fator humano, ou seja, os recursos e os conhecimentos do produtor. Investiu-se muito em tecnologia e know-how nos últimos anos, a começar pelos vinhedos. “Tivemos avanços no manejo da videira e na utilização de clones mais adaptados às nossas condições de clima e solo”, diz o enólogo Ricardo Morari, da Cooperativa Vinícola Garibaldi.

“Também passamos a usar desengaçadeiras que separam as uvas sem machucar e prensas pneumáticas que impedem o contato com o ar e a oxidação, além de promover melhorias na área de biotecnologia com a seleção de leveduras mais adequadas”, afirma Salvador.

Esta safra das safras brasileiras merece um duplo brinde: com o câmbio alto, torna-se uma opção ainda mais atraente ao consumidor em relação a alguns vinhos importados. Tim-tim!

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