Torres de transmissão: a estatal Eletrobras puxa a recuperação do setor | Ueslei Marcelino/REUTERS /
Da Redação
Publicado em 6 de junho de 2019 às 05h44.
Última atualização em 25 de junho de 2019 às 15h24.
Nos últimos anos, o setor elétrico frequentou a lista das empresas com os maiores prejuízos no Brasil. Foi o resultado de uma combinação infeliz de intervenções desastradas do governo — que desarranjou o setor ao tentar baixar as tarifas elétricas por medida provisória —, da crise hídrica e da recessão econômica. Em 2018, o panorama foi bem mais favorável para as concessionárias de energia. Elas tiveram o segundo maior volume de lucros no país, atrás apenas do setor bancário.
De acordo com a consultoria Economatica, parceira no levantamento de dados de MELHORES E MAIORES 2019, que chegará às bancas em agosto, 35 companhias abertas do setor elétrico somaram 29,4 bilhões de reais em lucros em 2018, quase quatro vezes o valor nominal registrado no ano anterior. Contribuíram para o resultado o reajuste das tarifas, que têm subido acima da inflação, e a queda da taxa de juro, que reduz as despesas financeiras. E os bons ventos parecem prosseguir. “No primeiro trimestre, o retorno sobre o patrimônio líquido do setor atingiu 16%, maior taxa desde 2012. Isso pode indicar a consolidação de uma retomada”, diz Einar Rivero, gerente de relacionamento institucional da Economatica.
A recuperação das empresas de energia foi puxada pela Eletrobras. A estatal teve um lucro de 13,3 bilhões de reais em 2018, ante um prejuízo de 1,7 bilhão no ano anterior. Segundo o presidente da empresa, Wilson Ferreira Junior, o resultado positivo se deveu a quatro fatores. O primeiro foi o efeito contábil da venda de seis distribuidoras no ano passado. O segundo foi a conclusão de obras importantes, como a Termelétrica Mauá 3, ampliando a geração de energia. O terceiro foi o aumento da receita com a revisão das tarifas das usinas nucleares Angra 1 e 2. O quarto foi o corte de custos na companhia.
Favorável à privatização da Eletrobras, Ferreira Junior tenta torná-la mais atraente para investidores desde que assumiu o comando da estatal em julho de 2016. Para isso, foi necessário mexer no caixa e reduzir custos. Os gastos com pessoal, por exemplo, diminuíram 1,5 bilhão de reais em dois anos com a redução de 12 000 postos de trabalho. A dívida líquida da empresa, que em 2016 era de nove vezes a geração de caixa, caiu para 2,5 vezes nessa relação. “Tivemos de fazer um processo de salvamento da companhia. Ela só não estava em recuperação judicial por ser estatal”, diz Ferreira Junior. Para ele, a situação ainda requer cuidado. “Vamos continuar vendendo ativos e buscando concluir obras. Belo Monte deve ser totalmente concluída até o fim deste ano. Também precisamos conseguir um parceiro disposto a investir 14 bilhões de reais para retomar as obras da usina Angra 3.”
A Eletrobras não foi a única empresa de energia a colher bons frutos em 2018. Das cinco companhias do setor com os maiores lucros no ano, todas conseguiram aumentar o retorno sobre o patrimônio líquido (veja quadro acima). A francesa Engie, maior produtora privada de energia elétrica no Brasil, teve o segundo maior lucro do setor, com 2,3 bilhões de reais, e a maior rentabilidade, de 35% sobre o patrimônio. O bom desempenho é atribuído pela direção da empresa à estratégia de focar as vendas no mercado livre e à receita oriunda de novas usinas, como as hidrelétricas de Jaguara e Miranda, compradas da Cemig em 2017. O apetite por novas aquisições continua grande. Em abril, a Engie uniu-se ao fundo de investimento canadense CDPQ e negociou com a Petrobras a compra de 90% da operadora de gasodutos TAG, por 8,6 bilhões de dólares. A operação, no entanto, foi suspensa por uma liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que a transferência do controle acionário da estatal precisa de aval prévio do Legislativo. A Engie tenta reverter a decisão. “Se a aquisição da TAG se concretizar, vamos praticamente dobrar de tamanho no país”, diz Maurício Bähr, presidente da Engie.
Qualquer que seja o desfecho desse caso, o setor elétrico passa por mudanças importantes que exigem legislação específica, segundo Claudio Sales, presidente do Acende Brasil, instituto que realiza estudos sobre o setor. Ele afirma, por exemplo, que o país precisa aprender a lidar com o aumento da concorrência propiciado pelo mercado livre, um estímulo à chegada de novos produtores de energia. “A arquitetura de mercado já tem consumidores livres, mas ainda não há definições sobre como isso funcionará”, diz Sales. “É importante que haja uma evolução na regulamentação do setor para que o país possa ter empresas saudáveis e o consumidor seja mais bem assistido.” Um estudo do Acende Brasil em conjunto com a consultoria KPMG, baseado no valor econômico adicionado pelas empresas, mostra que, de 2011 a 2016, houve uma destruição de valor de 103 bilhões de reais de 36 companhias elétricas que atuam no país. “Por si só, o lucro das empresas não reflete a saúde do setor”, diz Sales. Dados mais recentes desse estudo, atualizados até 2018, vão ser divulgados em breve.